domingo, 3 de junho de 2012

Quercus robur L. subsp. broteroana O. Schwarz? (Fagaceae)

Nem todos os botânicos aceitam o táxon Quercus robur subsp. broteroana. Uma subespécie de carvalho-roble (ou carvalha, carvalheira), endémica da península ibérica, que se distribui pelo litoral da Galiza e de Portugal a norte do rio Tejo, entrando apenas ligeiramente para o interior. Quem o aceita, diz poder distingui-la da subespécie típica da seguinte forma:

1. Quercus robur subsp. robur:
Raminhos jovens glabrérrimos; folhas macias com a página superior mate e cedo caducas; cúpulas pequenas com menos de 16 mm, com escamas acinzentadas obtusas.
2. Quercus robur subsp. broteroana:
Raminhos jovens com alguns pelos simples; folhas algo coriáceas com a página superior lustrosa, caducas tardiamente e algumas marcescentes; cúpulas grandes com mais de 16 mm, com escamas castanho-escuras, pardacentas, agudas.

(Tradução livre de: Rivas-Martínez, S. & C. Sáenz Laín (1991). Enumeración de los Quercus de la Península Ibérica. Rivasgodaya 6: 101–110.)

Há já alguns anos que observo com atenção as carvalhas, com a intenção de tomar uma decisão mais informada sobre o assunto. Optei por aceitar o táxon nos estudos que realizei na bacia do rio Paiva porque:

1. As folhas de verão apresentam, frequentemente, consistência coriácea.
2. Parte das folhas ficam secas e presas nas árvores durante o outono/inverno (marcescência; não confundir com os ataques de Altica quercetorum que levam as folhas a secar logo no verão!). (Provavelmente por razões apenas climáticas algumas folhas chegam mesmo a ficar verdes durante o outono e inverno - semicaducifolia -, em especial em áreas mais abrigadas ou termotemperadas.)
3. Detetei, invariavelmente, na página inferior das folhas perfeitamente desenvolvidas, a presença abundante de pequeníssimos tricomas (circa 0.1 mm), transparentes, apenas bem visíveis a grande ampliação (30x a 40x) e com luz rasante. (De resto, a aparência da folha é glabra à vista desarmada ou a ampliações inferiores.)
4. Detetei, por vezes, na página superior, pelos simples de 0.2 a 0.3 mm, sobre a nervura central, próximo do pecíolo, das folhas imaturas (com menos de 1 cm de comprimento); normalmente poucos, 1 a 4, que rapidamente desaparecem, apenas a folha ultrapasse aquela medida.

Destes últimos, o terceiro pareceu-me particularmente relevante, até porque este caráter está presente nas populações do Paiva, mas também de Sintra e (vi esta Páscoa) de Pombal. Posteriormente, detetei ainda tricomas glandulosos, avermelhados, não só sobre a nervura central, mas mesmo no limbo das pequenas folhas imaturas (< 1 cm), na página superior. A presença muito rara de tricomas glandulosos em folhas de Quercus robur não é nova (vide Uzunova, Palamarev & Ehrendorfer (1997). Anatomical changes and evolutionary trends in the foliar epidermis of extant and fossil Euro-Mediterranean oaks (Fagaceae). Plant Systematics and Evolution 204(3): 141–159. doi:10.1007/BF00989202.)

Esta Páscoa dei com uma carvalha num terreno do meu pai em Pombal e decidi fotografar os tricomas da página superior e inferior, para colocar aqui no blogue.


Esta é uma fotografia (6 de abril de 2012, Pombal) tirada sobre a minha lupa de campo (20x). Foi a única foto, entre meia centena, em que consegui captar condignamente os tricomas glandulosos, avermelhados, da página superior de uma folha ainda muito pequena (acabada de brotar). Apesar de ter tentado (e muito!) captar os minúsculos tricomas transparentes da página inferior, não consegui. Porém, enquanto escrevia este artigo, tive uma ideia!

Fui aqui a um quintal, onde tenho umas carvalhas plantadas que trouxe da praia natural do Pego (rio Paiva); colhi umas folhinhas acabadas de brotar e coloquei-as na lupa binocular. Fotografei um dos óculos e eis o resultado:



Na primeira (2 de junho de 2012, Campo Benfeito) vêem-se os minúsculos tricomas transparentes da página inferior, abundantes entre igualmente minúsculas papilas. Esta foto foi feita há pouco na lupa binocular regulada para 40x. A segunda é apenas um recorte da primeira fotografia.



Nestas duas (2 de junho de 2012, Campo Benfeito) observam-se os tricomas glandulosos da página superior, também com a lupa binocular regulada para 40x. A segunda é também um recorte da primeira fotografia onde, no centro, se podem observar dois pelos simples sobre a nervura central.

Serão estes os carateres distintivos de Quercus robur subsp. broteroana?... Não sei ao certo. Nunca tive a oportunidade de observar detalhadamente espécimes de outros países da Europa... (embora, de todos os carateres, os pequenos tricomas da página inferior parecem-me muito fiéis aos exemplares portugueses e que, caso estivessem presentes na subespécie tipo, teriam grande probabilidade de ter já sido detetados). 

Talvez algum leitor amigo do presente blogue queira e possa repetir a experiência com exemplares de outras proveniências...

11 comentários:

  1. E aprendemos nós nas Floras que temos duas espécies caducifólias em Portugal - Q. robur e Q. pyrenaica - quando a primeira é semi-caducifólia, e os indivíduos jovens da segunda são marcescentes. Fantástico, Tiago.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Obrigado. Clarificando o que escrevi: as fotografias 2 e 3 são de uma folha já perfeitamente desenvolvida. As fotografias 1, 4 e 5 é que são de folhinhas pequenas e acabadas de brotar.

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  4. Interessante, realmente!!
    Na Checklist da Flora de Portugal (p. 13), as principais espécies de carvalhos da região aparecem sem subespécies:
    Quercus pyrenaica Willd. Lu - - N - - - - -
    Quercus robur L. Lu - Ma N - I - - -
    Quercus rotundifolia Lam. Lu - - N
    Quercus rubra L. Lu - - I - - - - -
    Quercus suber L. Lu - - N

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  5. No caso de multi-espécies, como é o caso género Quercus, os híbridos são muito frequentes. Há um gradiente de híbridos de Quercus X coutinhoi que vão dos exemplares com bastante pilosidade mais parecidos com Quercus faginea a exemplares quase glabros, muito frequentes na região da Penela. Ainda mais flagrante é o caso do Quercus robur subsp. estremadurensis (O. Schwarz) A. Camus, que apesar de ter sido publicado na revista da International Oak Society, não é visto como uma verdadeira subespécie pela maioria dos especialistas. Estas subespécies são simplesmente populações de híbridos que partilham determinados haplótipos. Não é tão importante tentar perceber ao certo o que é uma espécie, como que reconhecer simplesmente que há variabilidade e que essa diversidade é importante.
    Abraço

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  6. Paulo, qualquer que seja a sua natureza, qualquer que seja a dimensão da introgressão por outros Quercus das populações continentais portuguesas de Q. robur, se estas tiverem uma morfologia distinta e consistente face às demais populações da espécie são merecedoras de um estatuto taxonómico próprio. Seria de uma espécie de legalização da sua singularidade.

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  7. Quercus robur L. subsp. broteroana O. Schwarz?
    - É sempre justa uma homenagem ao grande Brotero, o príncipe dos botânicos portugueses!!
    (http://pt.wikipedia.org/wiki/F%C3%A9lix_de_Avelar_Brotero;
    http://es.wikipedia.org/wiki/F%C3%A9lix_de_Avelar_Brotero;
    http://it.wikipedia.org/wiki/F%C3%A9lix_de_Avelar_Brotero;
    http://ru.wikipedia.org/wiki/%D0%91%D1%80%D1%83%D1%82%D0%B5%D1%80%D1%83,_%D0%A4%D0%B5%D0%BB%D0%B8%D0%BA%D1%81_%D0%B4%D0%B8_%D0%A1%D0%B8%D0%BB%D0%B2%D0%B0_%D0%90%D0%B2%D0%B5%D0%BB%D0%B0%D1%80)

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  8. Excelente post !!! Parabéns !

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  9. Carlos, nesse caso todas as populações meridionais de Quercus robur mereceriam esse estatuto. Não nos podemos esquecer que o Quercus robur tem uma distribuição alargada:
    "Among the European white oaks (subgenus Lepidobalanus), the species with the highest economic importance and therefore those which have been most intensively studied are Quercus robur L. and Q. petraea (Matt.) Liebl. Several other taxa have been described and found in natural forests over Europe (mainly eastern and southern Europe): Q. dalechampii Ten., Q. polycarpa Schur., Q. pedunculiflora C. Koch. In many floras (Greece, Rumania, Serbia, etc., even in Flora Europaea; Schwarz, 1964), these taxa are listed as separate species but there is no general agreement about their taxonomic status among botanists, since great intraspecific morphological variation makes them difficult to distinguish. Thus, they are frequently included in either Q. robur or Q. petraea. Even the taxonomic status of these species sensu lato is an issue of controversy, since they are interfertile (Steinhoff, 1997) and the frequency of individuals with intermediate morphology is high. Some authors even conclude that they should be considered ecotypes or subspecies within one composite species of Q. robur (Kleinschmit et al., 1995; Steinhoff, 1997)."

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  10. Deseo objetar a la teoria de la hibridacion q por muy cierto q sea q los quercus se hibridan si aplicamos esa maxima en todas las ocasiones llegariamos a la equivocada conclusion de que solo hay dos especies de quercus en el mundo y que todo lo demas son representantes de un gradiente.
    Q petraea mas asi como Q pauciradiata Q orocantabrica por supuesto Q canariensis y Q estremadurensis existen y exhiben caracteres inequivocos ademas su descendencia presenta los mismos caracteres no solo q sus progenitores sino iguales a los del lectotipo.
    Otras especies o subespecies como alpestris lusitanica o broteroana son para mi de muy dificil identificacion y diferenciacion taxonomica pero cuentan con la unanimidad de la comunidad cientifica pero es cuestion de estudio e investigacion el llegar a conocerlas bien

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