Já escrevi algures sobre este tema neste blogue. Hoje quero insistir numa pequena história que mostra que a botânica, como todas as outras ciências, não está livre da mordaça das ideias dominantes (dos paradigmas de Kuhn, para os aficionados em epistemologia).
A história é a que se segue.
Os primeiros pólens de angiospérmicas datam do Valingiano (Cretácico Inferior, ca. 135 M.a.). Os dados moleculares, consoante os autores, antecipam a sua origem para o Triássico Superior-Jurássico Inferior (199-167 M.a.), ou para o Triássico (170-229 M.a.).
As datas não batem certo, portanto.
O que é normal por três razões: 1) podem existir depósitos mais antigos de pólen fóssil de angiospérmicas por descobrir; 2) as primeiras populações de uma dado grupo taxonómico são por natureza escassas, e podem não ter tido a oportunidade de fossilizar; 3) as primeiras angiospérmicas poderiam ter um pólen semelhante ao das gimnospérmicas.
A recente sequenciação da Amborella trichopoda, a mais basal das angiospérmicas atuais, mostra que a gimnospérmica ancestral de todas as angiospérmicas, sofreu uma duplicação do seu genoma no Triássico Superior (214 M.a.). Os genes então duplicados puderam evoluir, desempenhar novas funções e codificar novas estruturas características das angiospérmicas.
As datações moleculares começam a ganhar consistência.
Wang et al. (2007) comprovaram em Schmeissneria sinensis, um fóssil do Jurássico Inferior, dois critérios fundamentais para distinguir positivamente uma angiospérmica: 1) presença de sementes encerradas num fruto; 2) extremidade do ovário fechada ao exterior antes da polinização. A Schmeissneria aparentemente pertence a um grupo extinto de angiospérmicas, anterior às angiospérmicas atuais, esporádico em comunidades vegetais dominadas por gimnospérmicas. Sendo correta esta interpretação, a Schmeissneria atira a origem das angiospérmicas para o Triássico Superior.
A informação fóssil e molecular parecem convergir.
O interessante nisto tudo é que os fósseis de Schmeissneria alteram de tal maneira a história oficial das angiospérmicas que foram sistematicamente desvalorizados nas mais recentes revisões sobre a origem das angiospérmicas. As minhas últimas leituras mostram que finalmente as coisas estão a mudar.
A general view of female structures, leaf, and short shoot. a. A general view of two female structures (a, b) and one leaf (c) on the same slab. The specimen A is the holotype, and specimens B and C are the paratypes. Specimen numbers 8604a, 8604b, and 8604c. Bar = 2 cm. b. A detailed view of specimen B in Fig. 1a. Note the twisted axis of the female structure and the attached female organs. Specimen number 8604b. Bar = 1 cm. c. A detailed view of the short shoot. Note the leaf cushion (black arrow) and the axis of the connected female structure (white arrow). Specimen number 8604a. Bar = 2 mm (Wang et al. BMC Evolutionary Biology 2007 7:14)
Maravilha de post.
ResponderEliminarAqui fica o agradecimento de um aficionado da epistemologia.
Boa, Carlos. Afinal os ginkgófitos são muito mais importantes do que tem parecido.
ResponderEliminarJCapelo