quarta-feira, 16 de junho de 2010

Welwitschia mirabilis subsp. mirabilis (Welwitschiaceae)

Nos desertos, as comunidades vegetais perenes são abertas ou descontínuas. Consequentemente, uma parte significativa da superfície do solo não está coberta pela vegetação ou por resíduos orgânicos de origem vegetal.
Os geobotânicos (i.e. os especialistas em vegetação que sabem flora) geralmente reconhecem três tipos de deserto: o subdeserto, o eudeserto (deserto s.str.) e o hiperdeserto.
Nos subdesertos a precipitação é suficiente para sustentar formações vegetais pouco abertas, dominadas por arbustos ou mesmo pequenas árvores. Nos eudesertos, embora de forma esparsa, ocorrem plantas perenes, arbustivas ou herbáceas, fora das zonas de fisiografia depressionária.
Nos hiperdesertos a vegetação perene apresenta-se contraída em zonas depressionárias de solos arenosos, não salinos. Nestes biótopos, sob uma camada de solo seco de espessura variável, acumula-se água em profundidade que pode sustentar uma significativa biomassa de folhas transpirantes. Nos euclimatopos, i.e. nos solos próprios dos desertos mais ou menos próximos da horizontalidade, onde a concentração da água das chuvas ou o escorrimento superficial são pouco significativos, a vegetação é estritamente anual, e a germinação das plantas depende de eventos raros de precipitação efectiva, por vezes intervalados por mais de uma década.
A ecologia da vegetação desértica foi magistralmente descrita por Henrich Walter, no conhecido Vegetation of the Earth, reformulado em 2002 pelo Prof. Siegmar Walter Breckle, sob o título Walter's Vegetation of the Earth: the Ecological Systems of the Geo-Biophere.

Aproveito 4 fotos de W. mirabilis subsp. mirabilis oferecidas pelo Prof. José Carlos Costa para tecer alguns comentários avulsos sobre a ecologia desta espécie e da vegetação desértica.

W. mirabilis subsp. mirabilis, Deserto do Namibe, perto do Namibe (antiga Moçâmedes). Recentemente foi descrita mas a sul, na Namíbia, a subsp. namibiana.

Plantas femininas de W. mirabilis subsp. mirabilis.
N.b. a W. mirabilis é uma planta dióica, i.e. as populações naturais são constituídas por indivíduos masculinos e femininos; a W. mirabilis tem 2, raramente 3, folhas persistentes, frequentemente rasgadas até à base mais do que uma vez, que se alongam durante toda a vida da planta; em ambas as fotos emergem caules curtos (determinados) encimados por estróbilos femininos (= cones femininos), no bordo de um caule lenhoso em forma de disco.

Planta masculina de W. mirabilis subsp. mirabilis.
N.b. estróbilos masculinos já desorganizados (mais informação sobre W. mirabilis disponível aqui) [fotos J. C. Costa].

Diz-me o Prof. J.C. Costa que a W. mirabilis subsp. mirabilis coloniza leitos arenosos de cursos água temporários no Deserto do Namibe. Muito provavelmente as plantas retratadas nas fotografias, todas elas provenientes da mesma população, germinaram de semente e estabeleceram-se num curto período favorável, resultante da conjugação de uma toalha freática anormalmente próxima da superfície, com o humedecimento das camadas superficiais do solo por chuvas torrenciais. Os ecólogos dizem que as plantas equiénias (com a mesma idade), estabelecidas mais ou menos ao mesmo tempo, pertencem à mesma coorte.
Logo após a germinação estas Welwithscia emitiram uma raiz profundante especializada em perseguir e bombear a água acumulada em profundidade, parte dela certamente proveniente das áreas subdesérticas e dos planaltos situados a leste do Namibe. A W. mirabilis é, portanto, uma planta freatófila, i.e. exigente em águas freáticas, de modo algum adaptada a securas extremas.
Admirável planta, a W. mirabilis!

7 comentários:

  1. A Welwitschia era um dos meu mitos de infância, na altura não havia internet, tudo que eu tinha para admirar era uma foto de 3 cm de largura numa enciclopédia...
    Uma planta alienígena sem dúvida, mas nunca tinha ouvido falar da sua ecologia estar relacionada com linhas de água temporárias! Muito interessante, explica a raiz aprumada que tem fama de ser gigantesca.
    Um facto que (acho eu) corrobora o que afirmas "(...) de modo algum adaptada a securas extremas" é ela ter os estomas em ambas as páginas das folhas! (e, penso eu, que não têm nenhuma configuração especial para os protegerem, como têm as folhas do Nerium ou da Ammophila... acho que as folhas da Welwitschia são bem lisas.)
    É muito curioso estas plantas que têm "nichos de regeneração" tão fugazes, que só acontecem uma vez em décadas, estão inteiramente dependentes da incerteza. Creio que a nossa Corema também é um bom exemplo desta estratégia, e, de uma forma mitigada, talvez até várias outras plantas comuns como a Pistacia lentiscus, o carrasco, o medronheiro... plantas que só muito raramente vemos a germinar de semente, e em geral só em bosques bem desenvolvidos. De resto, grande parte desses carrascais das zonas calcárias existem apenas devido à perenização dos mesmos indivíduos ao longo dos séculos, através das robustas toiças que escondem por baixo, e creio que muitos dos "indivíduos" são clones dos vizinhos. Não sei se alguma vez vi regeneração de semente (das espécies estruturantes) num carrascal.
    Gosto deste novo layout!
    Abraço.

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  2. Uma planta absolutamente espantosa, sem dúvida nenhuma!!

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  3. As plantas com ciclos de vida muito longos podem dar-se ao "luxo" de dependerem de nichos de regeneração com períodos de recorrência temporal também muito longos. Nos desertos esta estratégia deverá ter sido favorecida pela antiguidade de muitos destes ecossistemas. Curiosamente, as plantas anuais com sementes dormentes podem seguir a mesma estratégia de regeneração. Por exemplo, nunca vi tantos Trifolium como este ano; certamente muitos permaneceram anos e anos sob a forma de semente no solo, à espera da sua oportunidade, à espera do momento certo.
    A nossa esperança média de vida, e a intensidade com que vivemos a nossa curta vida (à escala da árvore milenar, claro) enviesa a forma como interpretamos as estratégias reprodutivas das plantas. As plantas são demasiado serenas, demasiado impassível para a nossa mente animal.

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  4. "As plantas são demasiado serenas, demasiado impassível para a nossa mente animal."

    Muito bem observado!!

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  5. Realmente, nós somos frenéticos, quase como roedores, as plantas possuem a serenidade, a discrição e a impassibilidade de um sábio!!

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