sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Os garranos e a biodiversidade



Garranos a pastar no planalto da serra de Arga (foto: João Gomes)

O pastoreio de equídeos (garranos) no Norte de Portugal é resultado da nova política europeia de apoio às raças autóctones. Apesar de tudo não é algo novo, pois no século XIX eram milhares os animais que circulavam nas serras nortenhas. O seu número era mais controlado pelas populações humanas que iam periodicamente recolher os potros, do que pelo lobo, o predador típico destes animais. Os garranos pastavam livremente na serra durante o Inverno, sendo depois condicionados para as áreas marginais durante a primavera, quando os prados húmidos de maior qualidade eram necessários para o gado bovino. Ora os cavalos e as vacas pastam de maneira diferente, introduzindo oportunidades para espécies com diferentes características funcionais. Os cavalos comem essencialmente gramíneas fibrosas, evitando dicotiledóneas com grande presença de metabólitos secundários. Conseguem comer rente ao solo devido à sua dupla dentição, arrancado mesmo algumas ervas mais fibrosas como Agrostis curtisii e Nardus stricta. As vacas não conseguem pastar vegetação muito curta porque precisam de puxar a vegetação com a língua para a poderem cortar com os dentes, sendo menos seletivas em relação às plantas que comem. Este duplo regime criou pastagens muito diversas, sendo muito importante para um habitat em particular, o cervunal. Os cervunais têm uma diversidade florística muito grande, sendo essa diversidade dependente do tipo de pastoreio. As ovelhas produzem cervunais pobres em espécies, dominados pelo cervum (Nardus stricta), espécie que evitam devido à sua baixa palatabilidade e reduzido conteúdo nutricional. Isso é notório tanto nos cervunais da Escócia como nos da serra da Estrela. Cavalos e vacas produzem cervunais ricos em espécies quando em regime misto, ou seja, pastados por equídeos no inverno e bovinos no verão. O grande problema é que neste momento os cavalos são largados no monte sem qualquer tipo de seguimento, sendo que o controle das crias em muitos casos só é feito para ver se há baixas causadas pelo lobo. No século XIX, o garrano era muito importante na economia agrícola e pastoril, sendo muito utilizado pelas populações. Neste momento, representa para muitos um importante recurso apenas em termos de subsídio. Os garranos pastam durante o ano todo nos cervunais, provocando alterações muito significativas nas gramíneas dominantes. Se a isto for adicionado alterações provocadas pela adição de fosfatos ao sistema, devido à escorrência de cinzas resultantes dos incêndios, o caso torna-se ainda mais complicado. Na serra de Arga, é possível nalguns locais contar os pés de cervum, a gramínea que supostamente devia dominar estas comunidades. A Quercus tem em mãos um projeto que visa recuperar este habitat que é claramente moldado pelas atividades humanas, e que será um caso de estudo muito interessante nos anos vindouros.

4 comentários:

  1. Mais um post muito interessante!
    Abraço,
    ZG

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  2. Obrigado! Esqueci-me de referir que outro dos atributos que permite ao cavalos comer tão rente ao solo é o facto de conseguirem puxar os lábios para trás enquanto comem.
    Abraço.

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  3. JCapelo likes this. Abraço.

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  4. Não tinha lido Paulo. Agora sim. Gostei muito de ler.

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