domingo, 25 de setembro de 2011

Gramíneas e diatomáceas I

O planeta Terra pode ser compreendido como um organismo vivo que, por uma qualquer razão inexplicável, foi sempre capaz de repor equilíbrios ameaçados em favor do biota (a totalidade dos seres vivos). Por poucas palavras, esta é a ideia fundamental da teoria de Gaia de James Lovelock, pelo menos na sua formulação original. Se a Terra, no seu todo, é um organismo, a capacidade de se manter em equilíbrio em torno de condições ambientais óptimas para a vida (homeostasia) teria que resultar de um processo interactivo de tentativa e erro, submetido a selecção. A selecção natural actua ao nível do gene e do indivíduo, como poderia, saltando os níveis de complexidade do ecossistema e do bioma, estender-se à escala do planeta? A noção teleológica do funcionamento do sistema Terra que assiste a teoria de Gaia não é aceitável em ciência. A teoria de Gaia é uma metáfora.
A Terra tem, ainda, vida porque assim foi; calhou. O facto de a vida ser na Terra, e de uma espécie terráquea, a nossa, deter a capacidade de a conceptualizar e explorar, tolda-nos a razão, fazendo-nos crer que a existência é, por si só, um argumento suficiente da necessidade de ser. A vida pode até ter povoado os planetas Marte e Vénus, mas ambos foram "incapazes" de a manter. Retroacções positivas poderão ter causado a evaporação para o espaço dos oceanos de Marte, e a subida da temperatura da atmosfera de Vénus, a valores incompatíveis com a vida. Sem água líquida e temperaturas compatíveis com a química do carbono dificilmente poderá ocorrer vida. A leis físicas que explicam a retenção da vida na Terra, são as mesmas que explicam a sua não presença, ou extinção, em Vénus e Marte. Se há vida na Terra, então a vida poderá acontecer noutro local do universo. A regras que explicam a vida estão na Terra e fora dela, o que, no meu entender, torna um pouco interessante, quase irrelevante, a busca de vida extraterrestre.
James Lovelock, dizem tanto os seus seguidores como os seus detractores, teve um papel fundamental na compreensão das relações atmosfera-litologia-vida à escala geológica. A vida, desde a sua emergência há mais de 3,7 mil milhões de anos, interage com a atmosfera e com as rochas; a atmosfera e os substratos rochosos, por sua vez, interferiram na evolução da vida. As bactérias fotossintéticas e as plantas verdes foram determinantes na composição química da atmosfera, na meteorização das rochas e na formação de depósitos geológicos; os animais tiveram um papel por regra passivo, limitaram-se a obedecer às plantas, adaptando-se.
Gosto desta designação: "Grande Oxidação". Refere-se a um evento ocorrido há 2,4 mil milhões de anos, no início do Proterozóico (éon que decorre 2,5 mil milhões - 542 milhões de anos). No Hadeano e no Arqueano, éons anteriores ao Proterozóico, a atmosfera manteve-se fortemente redutora (diz Lovelock que este facto é essencial para explicar a emergência da vida). A maquinaria fotossintética das bactérias azul-esverdeadas produz um temível subproduto: o oxigénio. A paulatina acumulação deste gás na atmosfera - supõe-se, sem evidência directa, que pela acção das bactérias azul-esverdeadas (os mecanismos envolvidos na grande oxidação não são consensuais, alguns autores defendem que a explicação encontra-se na tectónica de placas, outros na produção bacteriana de metano) - redundou numa mudança catastrófica da química da atmosfera. Um dos efeitos mais dramáticos da acumulação atmosférica de oxigénio foi a precipitação do ferro suspenso nos mares arqueanos em extensos depósitos de ferro de grande valor económico. O oxigénio tem uma importante propriedade química: o oxigénio é um fortíssimo oxidante, aliás poucas substâncias são mais oxidantes do que o oxigénio. O oxigénio de rédea solta, sem controlo bioquímico, pode destruir as estruturas celulares, oxidando-as. Se dominado pela respiração, o mecanismo inverso da fotossíntese, permite extrair mais energia da matéria orgânica do que a fermentação. Com mais energia os animais podem ser maiores (as despesas energéticas são proporcionais à dimensão), e as plantas também. A Grande Oxidação abriu o caminho à explosão da vida animal nos mares câmbricos e, um pouco mais tarde, no Devónico, à conquista da Terra emersa, primeiro pelas plantas e logo a seguir pelos animais.
Perdi-me na escrita. Inicialmente queria discutir a forma como as gramíneas controlaram a composição do fitoplâncton marítimo e a evolução dos mamíferos herbívoros no Cenozóico. As gramíneas são apenas um dos muitos actores da vida na Terra que influenciaram e se deixaram influenciar pelas suas extraordinárias capacidades, pelo seu extraordinário sucesso evolutivo. Sem um contexto um pouco mais lato, recuando até à Grande Oxidação, poderia parecer que as gramíneas foram únicas a manipular os macro-caminhos da evolução. Sem compromissos de datas, essa história fica para depois.

8 comentários:

  1. A terra tem vida porque deus quis. Não percebo porquê tanta conversa...
    :)

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  2. Olá Carlos Aguiar
    A minha Biologia é a do fim do secundário a que acresce a abundante literatura que ao longo dos anos fui colecionando e lendo principalmente da 'mágica' colecção Ciência Aberta.
    Qualquer comentário a este post levar-me-ia a divagar (como te aconteceu!) por todos esses livros que li o que manifestamente não está no meu propósito nem deste blog.
    De toda a maneira o comentário atrás obriga-me a deixar o seguinte:
    As opiniões (sustentadas ou não) são livres e ainda bem.
    A minha vai em sentido oposto, se é que pode haver oposto nisto: 'Deus está cá(?)'(na cabeça de cada um!) por que simplesmente a vida e a sua evolução a isso levou, nestes exemplares que chegaram à escrita e a tudo o mais que nos atribuímos. Tão só.
    Abraço e cá espero a tua contribuição para um quadro de compreensão de como talvez tudo (passe o exagero!) tenha acontecido.
    'Meu deus': são tão só 'ervas'; mas são 'ervas'!
    Carlos Silva

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  3. A Grande Oxidação parece uma expressão de carácter quase religioso! Não nos lembrávamos de ter ouvido falar nesse extraordinário evento!!

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  4. Olá a todos. Mesmo a propósito deste tema, alguém já leu 'The Emerald Planet' de David Beerling?

    JC.

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  5. Sim, Jorge. Este post é baseado na leitura do "The Emerald Planet" e de um outro livro, um pouco mais recente, o "Eating the Sun" do Oliver Morton. O "The Emerald Planet" é particularmente interessante para os botânicos; os fisiologistas não podem deixar de ler o "Eating the Sun".

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  6. Só para um apontamento quase 2 meses depois.
    Obrigado pela sugestão de leitura ('The Emerald Planet'). Não conhecia (nem era de esperar que conhecesse não sendo dessas áreas do conhecimento). Ainda não acabei mas além de bem escrito, acho, constato conter informações que não sabia existirem, relacionadas com, p.e., as marcas do tempo geológico/climatológico em esporos fossilizados. E a sua interpretação na história do planeta. Obrigado.
    Carlos M. Silva

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  7. E dois meses depois: de nada, só partilhei o que achei um belo livro. Saudações. JCapelo

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