domingo, 27 de maio de 2012

Mulches de ferro

Haja água e calor e qualquer solo, pobre ou fértil, é rapidamente colonizado por plantas. Nas fitocenoses naturais e semi-naturais, a morte das plantas anuais e a folhada mantêm uma cobertura orgânica, quase contínua, do solo. Grandes extensões de solo nú (n.b. a rocha nua não é solo), que não resultem da acção directa do homem, são raras nas nossas latitudes.
Nos sistemas de agricultura industriais, pelo contrário, mantém-se o solo nu para reduzir o efeito da competição das ervas-daninhas, e, assim, disponibilizar espaço e concentrar a água, nutrientes e luz nas  plantas cultivadas.
Cobrir o solo com resíduos vegetais, embora rara, era uma técnica praticada nos sistemas de agricultura tradicionais. Onde vivo, no NE de Portugal, cobriam-se com palha os alhos no final do Outono, ou as entrelinhas da batateira Primavera adentro, por exemplo. E não deixam de ser um tipo de mulch, os blocos de xisto que recobrem os solo das vinhas do Douro.
O mulch reduz-se as perdas de água por evaporação, elimina o efeito de splash (o poder de desagregação das partículas do solo) das gotas da chuva, ou da rega por aspersão, e o poder erosivo do escorrimento superficial da água das chuvas. Protegido o solo, a água da rega compacta menos, deprimem-se as infestantes, e as minhocas e outros organismos benéficos trabalham mais próximo da superfície do solo. Os mulches orgânicos, têm um efeito benéfico nos teores de matéria orgânica do solo. 
Muitas vantagens, uma grande desvantagem: o custo.

Na falda sul da Serra de Reboredo, Moncorvo, encontrei um extraordinário tipo de mulch, algo que nunca antes tinha visto: vinhas, olivais e amendoais cobertos por uma densa, espessa e contínua camada de calhaus de hematite, sem nesga de solo à vista. Extraordinário.

Não estou seguro como se formou este  manto de hematite, não sou geólogo. Vou arriscar, aqui vai uma hipótese. Durante milhões de anos, resvalaram, de lá de cima, dos afloramentos de ferro do topo da Serra do Reboredo, blocos de hematite, entretanto esborcelados e polidos pelo atrito e pela meteorização química. O arado e a charrua puxaram-nos à superfície.  A eliminação da vegetação pelo fogo, roça e mobilização amplificou o arrastamento das partículas finas do solo, por erosão laminar, da camada superficial do solo. Os óxidos de ferro produzidos pela meteorização química facilitaram o processo, porque rapidamente se desagregam e suspendem na água da chuva.
Poucas plantas conseguem sobreviver neste pavimento de pedras roladas, esbraseante nos dias de forte radiação solar, que se expande, contrai, move, com o calor e o frio.

4 comentários:

  1. Mais um post muito interessante!!

    ResponderEliminar
  2. Olá
    Espantoso; sendo eu de zona agrícola mas do NW, onde 'há solo'!,e mesmo nado na agricultura quase nada sei dessa 'arte';mas vendo este post e tendo já viajado/caminhado por algum desse interior (mas não por este),espanto-me como do 'quase nada',quase tudo pode ser obtido;certamente à força das mãos,à força da 'arte' e sem o atrevimento de tentar ir ao arrepio da geodiversiadade!
    Espantoso!
    Carlos M. Silva

    ResponderEliminar
  3. Muito notável, de facto.
    Nem conhecia a palavra "mulch"!
    (http://en.wikipedia.org/wiki/Mulch)

    ResponderEliminar
  4. Nas vinhas novas do Douro, sem socalcos, usa-se um mulching de pedra para evitar as perdas de solo - pelo menos foi o que me venderam nas aulas de 'Conservação do solo e da água' no ISA, há já alguns anos. Menos bonito do que este que nos mostras, Carlos :)

    ResponderEliminar