domingo, 19 de setembro de 2010

Pisum sativum (Fabaceae)

A ervilheira foi uma das primeiras plantas domesticadas no Médio-Oriente e no SW da Ásia central (e.g. Turquemenistão), no final do Dryas recente ou no Holocénico inicial [o Dryas recente foi uma pequena pulsação fria ocorrida, aproximadamente, de 12800-11500 cal. BP (antes do presente, em datas calibradas), que marca o final do Pleistocénico].

Pisum sativum subsp. sativum «ervilheira-cultivada»

A ervilheira faz parte do "founder crops package" - conceito cunhado por Zohary & Hopf (Domestication of Plants in the Old World, 2000) - isto é do primeiro grupo de plantas domesticadas, que incluía cereais – Triticum monoccocum, T. diccocum e Hordeum vulgare «cevada» –, leguminosas para grão – Lens culinaris «lentilha», Cicer arietinum «grão-de-bico», Pisum sativum «ervilheira» e Vicia ervilia –, e uma fibra, o Linum usitatissimum «linho». Vale a pena referir que a combinação de plantas produtora de amido (cereais, raizes ou tubérculos) com leguminosas é um padrão comum a todos os centros de origem das plantas cultivadas, seja este conceito assumido como um território concreto ou uma grande região de fronteiras difusas. A explicação é simples: os cereais esgotam rapidamente o azoto do solo; as leguminosas refazem com maior ou menor eficiência essa pool de azoto determinante da produtividade vegetal.

Pisum sativum subsp. elatius «ervilheira-brava»

Ao contrário de outras plantas cultivadas (e.g. milho, o alho e a faveira) a ervilha ainda se assemelha muito ao seu ancestral - o Pisum sativum subsp. syriacum.
Em Portugal continental é relativamente frequente o P. sativum subsp. elatius, uma subespécie quase idêntica à oriental subsp. syriacum, própria de orlas de bosques pernifólios ou de escarpas bem conservadas, invadidas por matagal. Na Primavera, aqui em Trás-os-Montes, colhem-se no campo as vagens de P. sativum subsp. elatius, que se consomem como as ervilhas-de-quebrar.
Quando deparo com o P. sativum subsp. elatius, e admiro as suas enormes e apetitosas vagens, é-me inevitável pensar que na Ibéria mediterrânica abundam plantas "domesticáveis". Faltou um estímulo externo e um ambiente cultural adequado para que essa revolução de máxima grandeza que foi o Neolítico aqui tivesse tido início.

4 comentários:

  1. Pergunto-me sempre que vantagem (adaptativa) terá a produção de sementes tão grandes e ricas em nutrientes (como as de Pisum sativum e de muitas outras leguminosas herbáceas), em plantas cuja ecologia são locais mais ou menos abertos, orlas, sebes. Isso faria sentido em plantas tipicamente florestais, onde ter uma grande reserva nutritiva para iniciar a vida dá uma grande ajuda, num ambiente onde a luz é muito escassa. Assim temos as bolotas, as castanhas, avelãs...
    Mas para que é uma uma pequena erva como os Pisum, Lathyrus, Vicia, que ocorrem geralmente em locais abertos, precisarão de tantas reservas no início da vida? Além disso, estas reservas só tornam as sementes mais apetitosas para os predadores (alguém já encontrou uma vagem de Astragalus lusitanicus que não tivesse quase todas as sementes furadas por uma gorda larva?)
    Um abraço.
    Miguel

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  2. O pacote dos primeiros cultivos a chegar à Península Ibérica contém também outra leguminosa que poderá ter tido um papel bastante importante na agricultura e alimentação das comunidades Neolíticas: a fava (Vicia faba var. minor). Surge em contextos neolíticos do Norte de Portugal, nomeadamente no Buraco da Pala (Mirandela) e Bolada (Celorico de Basto). As datações mais antigas do Buraco da Pala são problemáticas, mas a julgar pelo segundo nível de ocupação deste sítio, assim como pela datação de Bolada, estamos a falar de datas em torno de 4500-4400 cal BC. Um pouco mais recente que as datas do Próximo Oriente...

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  3. Olá Miguel, tinha gravado em pdf, ainda por ler, um artigo de Valladares & Niinemets (Annu. Rev. Ecol. Evol. Syst., 2008) que discute as vantagens de produzir sementes grandes em condições de sombra.

    A argumentação destes autores é a seguinte:
    1) É senso comum entre os ecólogos que as plântulas (= plantas recentemente germinadas) das espécies esciófilas (= adaptadas a baixas intensidades luminosas), em habitats sombrios, têm taxas de crescimento relativo maiores, produzem mais área foliar por unidade de peso total (i.e. um índice de área foliar mais elevado) e têm folhas mais delgadas do que as plantas de sol. Pois parece que sucede precisamente o contrário, pelo menos nas regiões extratropicais. O sensu comum às vezes conduz-nos por caminhos errados.
    2) Crescer quanto antes, produzir caule e folhas, e ocupar o espaço é mais importante, é mais vantajoso, do que produzir um sistema fotossintético adaptado à sombra. Então, ter sementes grandes e por essa via construir rapidamente plântulas fortes e grandes tem um efeito mais positivo na redução das taxas de mortalidade e na captura do recurso luz do que a presença folhas com adaptações peculiares.
    3) Por esta razão é um padrão recorrente as plantas lenhosas de orla produzirem sementes grandes.

    Pela mesma ordem de razões, suponho, ter sementes grandes será igualmente vantajoso para as plantas de orla anuais, entre as quais se contam os ancestrais da maioria das actuais leguminosas para grão. Certamente haverá n artigos sobre o tema mas não tive tempo de os procurar e ler.
    Abraço

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  4. Uma boa notícia para ti, João. Tenho um pacotinho com quarenta e tal sementes de Vicia faba var. minor que vou semear um destes dias ao lado de favas-comuns. Vamos ver o que dá.
    Lá para o final da semana, se tiver tempo, publico uma foto da V. narbonensis (um dos putativos ancestrais da V. faba) e uma leitura de um artigo que para aqui tenho sobre a domesticação da faveira (Tanno & Willcox, 2006).

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