sábado, 4 de setembro de 2010

Os custos do generalismo

A flor é a estrutura mais diversificada, mais estudada e mais fascinante das plantas com flor (= angiospérmicas), passe a redundância. É também a fonte da maior parte dos caracteres taxonómicos usados em sistemática de angiospérmicas.
Como em tempos aqui referi (ver aqui), a flor é um ramo curto de crescimento determinado, com funções reprodutivas, muito modificado pelas forças da evolução. As folhas inseridas neste ramo desempenham muitas funções. Geralmente, as sépalas protegem a flor na fase de botão e desempenham a função fotossintética, as pétalas atraem os polinizadores, os estames produzem pólen, e os carpelos escondem no seu interior os primórdios seminais. Os carpelos, organizados em um ou mais pistilos, darão origem ao fruto após a fecundação dos primórdios seminais e o início da formação das sementes.
Muito bem, esta lenga-lenga, por vezes acompanhada de alguns erros (e.g. confundir carpelo com pistilo ou chamar flor à estrutura reprodutiva das gimnospérmicas), faz parte dos livros de biologia dos ensinos básico e secundário.
O tema do post é outro.

Quem se dispuser a observar numa manhã solarenga o trabalhos das abelhas forrageadoras (como se diz no Brasil) - estas abelhas estão tão empenhadas na recolecção de néctar e pólen que não reagem ao toque, não picam - poderá reparar que não se abstêm de visitar flores de várias espécies: a abelha é um polinizador generalista. O generalismo é mais frequente do que a priori supunham os biólogos, e atinge níveis mais elevados na relação planta-insecto polinizador do que na relação planta-insecto herbívoro. Atendendo ao que acabei de referir é expectável que o pistilo das flores entomófilas (polinizadas por insectos) que observamos no campo seja incensado com uma panóplia de grãos de pólen incapazes de germinar na sua superfície. Por conseguinte, surge naturalmente uma importante questão: o tapete de pólen que se cria na superfície do estigma pode prejudicar a fecundação dos primórdios seminais e a formação de sementes? Isto é, prejudica o sucesso reprodutivo (= fitness) das plantas com flor?

Não sou de perto nem de longe especialista na biologia e na evolução da flor. Porém, a internet tem destas coisas, esbarrei-me uma destas noites com um interessante paper sobre as consequências evolutivas da partilha de polinizadores, da autoria de Morales & Traveset (2008). Dizem-nos estes autores que sim, que tem custos, que muito pólen "entope" os estigmas e prejudica a germinação dos grãos de pólen. Mais ainda: que um insecto generalista ao visitar muitas plantas dilui os pólens e reduz a eficácia da recepção e doação do pólen ente indivíduos (plantas) da mesma espécie. Portanto, as plantas capazes de cativar polinizadores menos promíscuos, através de uma peculiar morfologia floral estão, aparentemente, em vantagem frente às plantas com flores polinizadas pelos tais generalistas. Este mecanismo evolutivo terá desempenhado um importante papel na evolução da flor e na diversificação das angiospérmicas; ajuda a explicar por que razão, à escala da comunidades de plantas, coexistem plantas com mecanismos de polinização por insectos muito diversificados.

Fico maravilhado como as perguntas de investigação se encadeiam em biologia: há sempre uma pergunta seguinte, uma questão que emerge pela lógica de conhecimentos prévios e que necessita de ser ser modelada e testada experimentalmente.
A curiosidade é um comportamento infantil, assim o diz Konrad Lorenz, mas sem dúvida uma causa fundamental no progresso da ciência.

Para decorar o post escolhi o Thymus caespititius (Lamiaceae), uma planta relativamente frequente no NW de Portugal. Lá estão as flores bilabiadas "pacientemente" à espera de um polinizador: pagam com néctar e para maior comodidade do polinizador oferecem uma elegante pista de aterragem (lábio inferior da flor).
As plantas e os animais têm uma biologia e uma ecologia muito, muito diferentes, mas assemelham-se na importância (evolutiva) que atribuem ao sexo.

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