domingo, 5 de dezembro de 2010

A neve e o frio, e as vacas, as ovelhas e as cabras

Estas fotos vêm da Serra de Montemuro, tiradas na semana que passou pelo meu amigo Tiago Henriques.


Semanas a fio de frio e neve eram frequentes há poucas décadas a trás. O isolamento pouco significava para as gentes da montanha, porque isolados eram por natureza os povoados do interior norte e centro de Portugal. Difícil sim era sustentar o gado com o monte coberto de neve. Uma vaca consome ca. de 15 kg de matéria seca por dia e uma ovelha ou uma cabra cerca de 1/6 deste valor. E a falta de alimento tem um enorme impacto na saúde e na performance produtiva dos herbívoros domésticos. O feno cuidadosamente armazenado em Julho/Agosto era a solução mais fácil para obviar a escassez alimentar. As folhas dos ramos de carrasco [nome dado à azinheira, Quercus rotundifolia, no NE de Portugal] amontoados debaixo do sobrado eram outra. Muitas vezes não havia alternativa a sair com as vacas para o cucuruto do monte limpo da neve pelo vento, armado de galochas de cano alto, capa de burel pelas costas e um balde sal grosso pendurado no braço. Em tempos ainda mais recuados calçavam-se socas de amieiro e vestia-se a croça [capa de palha]. Para aumentar a palatibilidade e a ingestão pelos animais aspergiam-se com sal os ramos das carquejas (Pterospartum tridentatum subsp. pl.) e as folhas dos carrascos, duas espécies com algum valor alimentar, particularmente resistentes aos efeitos do vento frio e da geada.
Bem mais fácil é escrever posts com os pés no quente, e o vento frio e a neve contidos do lado de fora da janela hermética de PVC.

3 comentários:

  1. Que post maravilhoso!
    Obrigado Carlos e Tiago!
    Nunca tínhamos visto a Serra de Montemuro assim!

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  2. A minha avó, com quase 90 anos, lembra-se de ter de sair com as vacas, aqui no Montemuro, para o cucuruto dos montes, à procura de carquejas, urgueiras e giestas com as pontas de fora da neve.
    Sobre espalhar sal nunca tinha ouvido, mas vou averiguar por aqui.
    Os mais velhos lembram-se de grandes nevões que permaneciam 15 dias no terreno. As vacas, em geral, não saíam com a neve, mas quando tinha de ser chegavam a cortar as patas no gelo que se formava.
    Por aqui não há azinheiras. O feno é a solução usual para a neve.
    Ah! Ainda há alguns homens aqui na aldeia que andam de socas! Com meias de lã de ovelha, fiadas e feitas enquanto se pasta o rebanho. As mulheres ainda usam muito a capucha de burel.
    Croças (e respectivas polainas), ainda há quem as saiba fazer (já muito poucos), mas já ninguém as usa. Aqui eram feitas com a palha do Juncus effusus.
    O nevão das fotos acabou por derreter hoje (nas cotas mais elevadas da serra ainda não). Durou praticamente uma semana!

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