sábado, 26 de setembro de 2009

Sapal externo I


Sapal externo no Estuário do Rio Sado. N.b. a baixa mar deixou a descoberto lamaçais desprovidos de vegetação vascular, e plataformas de sedimentos colonizadas por comunidades de sapal externo, dominadas por gramíneas ou amarantáceas [foto C. Aguiar]

Os sapais são ecossistemas semiterrestres (= anfíbios). Prosperam em zonas costeiras protegidas da agitação marítima, i.e. de baixa energia. Os sistemas de ilhas barreira (e.g. Ria Formosa), os sistemas lagunares (e.g. Vouga) e os estuários (e.g. Minho, Lima, Mondego, Tejo, Sado e Mira) são particularmente adequados à diferenciação de sapais.
A génese, dinâmica e alguns aspectos da ecologia do sapais estão diponíveis, por exemplo, aqui. Neste post explorei as diferenças entre sapal externo e sapal interno. Falta agora resolver os chamados sapal externo baixo, médio e alto.

O sapal externo é banhado por águas de origem sobretudo marítima, necessariamente com um elevado teor em sal. Por se situar na faixa intermareal, o sapal externo está, ao sabor das marés, sujeito a um ciclo bidiário de emersão-submersão. Na preia-mar inunda-se de água; na baixa-mar a água abandona o sapal externo através de uma intricada rede de canais.


Sapal externo e lamaçais no estuário do Tejo durante a baixa-mar. N.b. rede de drenagem [foto C. Aguiar, tirada durante uma viagem na carreira aérea Bragança-Lisboa]

A duração da submersão da vegetação de sapal depende de pequenas variações na altitude dos sedimentos, relativamente ao nível médio do mar. O sapal externo baixo situa-se a cotas muito próximas do nível médio do mar, consequentemente, está submetido a períodos de submersão muito prolongados. O sapal baixo contacta com lamaçais (colonizados ou não por plantas vasculares aquáticas marinhas) e com o sapal médio. O sapal médio está intercalado entre o sapal baixo e o sapal alto. Acima do sapal médio situa-se o sapal externo alto, uma estreita faixa de vegetação halófila fugazmente, ou raramente, atingida pela água das marés. Estes três tipos de sapal externo organizam-se, portanto, em bandas perpendiculares ao sentido da variação do gradiente "duração da submersão", a cotas progressivamente mais elevadas, nas plataformas de sedimentos de sapal (tema para um post um destes dias).

Geralmente, assume-se que as plantas de sapal externo, e implicitamente as suas socializações (comunidades), se organizam espacialmente ao longo do já referido gradiente microtopográfico, em função da sua tolerância à anoxia radicular (falta de oxigénio ao nível das raizes). Bem, não é assim tão simples. À medida que a cota aumenta, as raízes das plantas estão, de facto, sujeitas a menores períodos de anoxia , mas também a maiores oscilações da temperatura e do teor em sal do solo. A química do solo varia também acentuadamente na mesma direcção, mas este é um tema fracamente especializado.

Nos sapais mediterrânicos o teor em sal aumenta acentuadamente em direcção ao sapal alto. O mecanismo é simples. A água do solo evapora-se, por capilaridade mais água salgada atinge a superfície do solo evaporando-se em seguida; o sal que fica para trás concentra-se próximo da superfície do solo. No sapal de Castro Marim chegam a formar-se crosta de sal “salt pans”. As chuvas, por seu turno, provocam descidas bruscas na concentração de sal, rapidamente repostas por capilaridade.
Nos sapais atlânticos (de clima temperado) a acumulação de sais no sapal alto é relativamente lenta (porque faz menos calor e a insolação é menor do que nos sapais mediterrânicos) e as chuvas mais frequentes. As comunidades de sapal alto atlânticas estão, por isso, sujeitas a menores concentrações e a variações temporais menos intensas da concentração de sal no solo do que os sapais mediterrânicos. Como a mediterraneidade climática em Portugal continental aumenta de norte de para sul, existe um forte gradiente latitudinal nas características do solo do sapal alto e, consequentemente, na sua flora. Este gradiente latitudinal é menos nítido (o "turnover" latitudinal de espécies é menor) nos sapais baixo e médio, porque a intensidade da anoxia radicular é, provavelmente, o factor dominante na estruturação das comunidades de sapal baixo e médio.

Para quem gosta de botânica: a flora do sapal alto mediterrânico é maravilhosa; marcar quanto antes uma visita aos estuários a sul do Rio Mondego!

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