No pequeno MPEG que se segue tentei capturar uma interessantíssima peculiaridade do carvalhal do Reboredo:
Conseguem ver, logo no início do vídeo, um zimbro (Juniperus oxycedrus, Cupressaceae)? E não é o único! O carvalhal do Reboredo está apinhadinho de zimbros! Se a combinação sobreiro e zimbro é incomum à escala do mediterrânico (vd. aqui), então que dizer deste "carvalhal-zimbral"!
Antes de explorar as causas desta combinação florística tão original convém saber que este bosquete foi, recentemente, sujeito a uma cuidadosa limpeza (eliminação mecânica da vegetação arbustiva), que as suas árvores são todas muito jovens, e que os zimbros, quer adultos quer juvenis, são intolerantes à sombra.
O árvores retratadas no filme certamente, evoluíram a partir de carvalhiças (carvalhos arbustivos, baixos, com grande densidade de caules), secularmente submetidas a pastoreio e corte. Somente após os fluxos migratórios de 60-70 (séc. XX), e a generalização do uso de derivados de petróleo na cozinha e no aquecimento, as carvalhiças tiveram a oportunidade de progredir para alto fuste, i.e. de tomar um porte arbóreo. A paisagem de matriz arbórea visível nas fotos do post anterior (clicar aqui) tem uma génese muito recente (voltarei a este tema para a semana).
O carvalho-negral emite poulas radiculares com grande facilidade (rebentos caulinares com origem em gomos adventícios diferenciados em raízes próximas da superfície do solo). Graças a este mecanismo, sob regimes de perturbação (e.g. corte e fogo) de baixa intensidade, consegue rapidamente recolonizar grandes espaços, por via vegetativa, a partir de um reduzido número de indivíduos iniciais. Por conseguinte, o crescimento vertical das árvores (evolução para alto fuste) foi acompanhado pela expansão horizontal do carvalhal, e pela eliminação das clareiras.
As duas hipóteses aventadas nos parágrafos anteriores - a juvenilidade e a origem do carvalhal do Reboredo a partir de carvalhiças muito abertas e intensamente pastoreadas - sustentam-se nas seguintes observações (os inquéritos estruturados e a fotografia aérea seriam a forma mais apropriada e simples de testar estas hipóteses, mas não tive tempo):
- árvores pequenas e equiénias (da mesma idade)
- abundância de troncos de pequeno diâmetro mortos ou dominados (não visíveis no filme)
- baixa diversidade específica de plantas herbáceas vivazes de orla (plantas características da classe Trifolio-Geranietea)
- presença abundante de Cytisus striatus, uma giesta pioneira, no sub-bosque (nas orlas dos carvalhais mais maduros esta espécie é substituída pelo C. scoparius subsp. scoparius)
A janela de oportunidade oferecida pela redução da pastorícia e da recolha de lenhas terá sido aproveitada pelo zimbro, uma espécie na época frequente em afloramentos rochosos de difícil acesso no vale do Sabor, e disseminada com grande eficiência a longa distância pelas aves. A canópia (i.e. a copa) do carvalhal, entretanto, fechou, e o zimbro ficou aprisionado no seu interior. Por outro lado, a expansão do carvalhal eliminou as clareiras impedindo a regeneração do zimbro, e de muitas outras espécies heliófilas (e.g. Cytisus striatus).
O estrato arbóreo dos bosques misto de carvalho e zimbro caracteriza-se, então, por uma combinação florística fortuita e transiente, condenada ao insucesso (à escala temporal das árvores, é claro). O filme retrata uma árvore condenada à morte pelos Quercus: um violento e impudente assassinato, com uma lentidão e requinte próprios do mundo vegetal. Não faz sentido, por isso, descrever um novo tipo de carvalhal na Serra do Reboredo. Os bosques mistos de zimbro e carvalho são uma curiosidade tão rara, como temporária.
P.S. dedico este post aos meus alunos do CET (curso de especialização tecnológica) "Defesa da Floresta Contra Incêndios", organizado pelo IPB (Instituto Politécnico de Bragança) em Torre de Moncorvo. Nunca é tarde de mais para voltar a estudar!