sábado, 21 de novembro de 2009

Vale da Vilariça (Moncorvo)

O chão transmontano é pouco propício a uma agricultura capitalista intensiva. Os solos são ácidos e pobres em nutrientes. A boa terra agrícola reduz-se a pequenas nesgas alongadas de coluvião de fundo de encosta comprimido entre a linha de água e a aldeia, ou a algum depósito de cobertura neogénico (com uma idade inferior a 23 milhões de anos). Quando faz calor escasseia a água, como é próprio do clima mediterrânico. No Inverno a chuva por vezes é tanta que os cereais não enraízam em profundidade o suficiente para adequadamente suportarem as primaveras mais secas. A natureza do solo e o relevo movimentado obviam o desenvolvimento do regadio, e explicam a dominância das culturas de sequeiro de baixa produtividade nos sistemas regionais de agricultura.


Vale da Vilariça (Moncorvo). No centro da imagem, pelo monte acima, o fantástico azinhal-zimbral da Quinta da Terrincha.

Os planaltos ácidos e oligotróficos e os exíguos coluviões que caracterizam a paisagem agrária transmontana são interrompidos por dois vales neotectónicos profundos (de formação recente, à escala de tempo geológica, claro) - o Vale da Vilariça e a Veiga de Chaves - preenchidos com solos de grande aptidão agrícola. Estes vales simbolizam, de algum modo, aquilo que Trás-os-Montes nunca foi: uma terra úbere, benevolente para com os seus povoadores.

Na Vilariça além do mosaico policultural, só de si digno da atenção do naturalista que gosta de plantas, sobressaem os fabulosos bosques mistos de azinheira e zimbro da Quinta da Terrincha.


Bosque misto de Quercus rotundifolia (Fagaceae) «azinheira» e Juniperus oxycedrus (Cupressaceae) «zimbro», um importante habitat prioritário Rede Natura 2000 ("9560 Florestas endémicas de Juniperus sp.", vd. aqui). Uma parte significativa do bosque da Terrincha ocupa mortórios, i.e. solos cultivados com vinha até à crise da filoxera, na segunda metade do séc. XIX (vd.este post). N.b. a copa avermelhada (efeito das folhas senescentes) de Pistacia terebinthus (Anacardiaceae) «cornalheira», uma das raras espécies caducifófias do nosso bosque perenifólio, passe a aparente contradição; as árvores despidas de folhas são choupos híbridos (Populus x canadensis, Salicaceae) de plantação recente.






Churra-badana (em cima) [foto Amândio Esteves] e Churra-da-terra-quente (em baixo) [foto C. Aguiar]

Conta-me o meu bom amigo Manuel Cardoso, ilustríssimo médico veterinário e escritor de Macedo de Cavaleiros, que a raça ovina Churra-da-terra-quente, também conhecida por ovelha Terrincha, "nasceu" de um cruzamento experimental entre a rústica Churra-badana, uma raça trasmontana seriamente ameaçada de extinção (o efectivo não ultrapassa os 3000 animais), e a produtiva Mondegueira, realizado na Quinta da Terrincha, no séc. XIX.

4 comentários:

  1. As churras são realmentem belíssimas, assim como o azinhal/zimbral e o Vale da Vilariça!!

    zg

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  2. enganozinho... Populus - Betuláceas? Não quererão dizer Salicáceas!

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  3. Sim, claro. A noite têm destas coisas ;-)

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  4. Belo artigo, Carlos.
    JCapelo

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