O «Monte Buda», olhando o mar.
Foi um dia estranho, aquele. Depois de uma subida custosa de um eucaliptal pesado, estávamos finalmente na cumeada da Serra do Cercal, Baixo Alentejo. O «Monte Buda» via-se de todo o lado, era um afloramento rochoso imenso e imponente. Tinha de ter qualquer coisa, só não sabíamos o quê (embora várias vezes o pensamento tenha passado pelas Armerias).
Ainda andámos largos minutos de nariz pelo chão e pelas fendas da rocha sem frutos muito intensos. A expectativa e esperança já estavam em fase decrescente, dez minutos passados. Mas é justamente quando oiço a frase "Acho que vi Davallia..." [ninguém "acha que vê Davallia", pois não há confusão possível... a dúvida morreu antes de ter nascido]
E ali estávamos, no meio do Baixo Alentejo, num local aparentemente tão seco, quente, inóspito, sobre um afloramento impressionante que de um momento para o outro passou a ser mágico. Não podíamos negá-lo: as fendas estavam repletas de Davallia canariensis, um feto que estamos habituados a ver nos carvalhais húmidos e musgosos, sobre os troncos sombrios - e também em fendas de granitos é certo - mas isso no norte do país e em Sintra, não aqui!
A explicação deverá estar nas características particulares deste afloramento. O «Monte Buda» é a primeira grande elevação em frente ao mar, e a sua "face" está perfeitamente virada para o oceano. E, com certeza, todas as noites os ventos do mar trazem a humidade que condensará nesta rocha, fria enquanto noite, mesmo no verão.
Mas mais do que isso, estou convencido que o que hoje vemos no «Monte Buda» é um resto do que existiria na Serra do Cercal antes desta ser quase totalmente plantada com eucalipto. Estou convencido que nos sobreirais e carvalhais que lá existiriam, a Davallia canariensis cobria os ramos dos sobreiros em bosques fantásticos, tal como ainda faz em Sintra. Seria a Serra do Cercal como uma Sintra no sul?
Só me resta a pergunta: como pode ser que não haja Davallia em Monchique? Parece que esta é provavelmente a única população portuguesa a sul do Tejo, a cerca de 130 km de distância da população mais próxima... mas Monchique é uma serra tão particular, tão Sintra; o que haverá de "errado"?
Só me resta a pergunta: como pode ser que não haja Davallia em Monchique? Parece que esta é provavelmente a única população portuguesa a sul do Tejo, a cerca de 130 km de distância da população mais próxima... mas Monchique é uma serra tão particular, tão Sintra; o que haverá de "errado"?
Pormenor de uma colónia de Davallia. Nestas fendas, juntamente com Davallia, cresciam também Dianthus lusitanus (estranha companhia...) e Sedum brevifolium
Frente da parte superior do afloramento, notar as colónias de Davallia dispersas pelas fendas (clique para ampliar)
[Fotos: Ana Júlia Pereira e Miguel Porto]
Fantástico! - num monte Budista um feto tão maravilhoso e tão raro!
ResponderEliminarQue belo post, à medida que ia lendo, parecia que estava a ver um filme... Só é pena não podermos "rebobinar" umas boas décadas para trás no tempo, e ficarmos a saber como eram estas serras antes da fúria das plantações.
ResponderEliminarUm conto, quase policial, com um desfecho misterioso. Boa!
ResponderEliminarRavishing, indeed!
ResponderEliminarOlá Miguel, em 2006 e novamente em 2009, também observei Davallia na serra do Cercal. Não sei se terá sido no mesmo local, mas pelas fotos, pelo menos parece ter sido perto. Essa área é um pequeno oásis de diversidade.
ResponderEliminarAbraço.
AC
Um post muito bonito!
ResponderEliminarAbraço,
ZG