sábado, 25 de julho de 2009

Arceuthobium azoricum (Santalaceae)

Termino a minha "saison" de posts com uma foto do perturbador Vulcão do Pico (Ilha do Pico, Arquipélago dos Açores)...


e a foto de um invulgar endemismo açoriano, o Arceuthobium azoricum.


Encontrei este parasita obrigatório de Juniperus brevifolia «zimbro-dos-açores» (Cupressaceae), outro endemismo açoriano, na base do tremendo estratovulcão da Ilha do Pico.
Recentemente, foi proposta a transferência do género Arceuthobium para a família Santalaceae «família do sândalo».
Existe uma citação muito antiga de Arceuthobium oxycedri, a parasitar Juniperus oxycerdrus, em Portugal Continental; alvíssaras para quem o redescobrir :-)

A flora, a vegetação e as paisagens da Ilha do Pico são tão belas que até doi.

Volto em Setembro.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Plantas que mentem

A polinização cruzada, i.e. a troca de genes através do pólen entre distintos indivíduos da mesma espécie, tem muitas vantagens, dizem os livros. As duas mais importantes serão: 1) a redução do risco da expressão de genes que de algum modo reduzem o sucesso reprodutivo dos indivíduos (i.e. a sua fitness darwiniana); 2) a aceleração das taxas evolutivas. Teoricamente, as plantas alogâmicas (de polinização cruzada) solucionam com mais facilidade do que as autogâmicas a grande ameaça que paira sobre todos os seres vivos: a eterna mutabilidade deste mundo.

As plantas sendo imóveis durante a maior parte do seu ciclo de vida "encontraram" uma solução engenhosa para a trocarem genes entre si: através da oferta de recompensas alimentares cativaram animais (agentes de polinização) para realizar o transporte de pólen de flor em flor. O pólen e o néctar são os tipos de recompensa mais frequentes. Para sinalizarem a presença destes alimentos aos polinizadores as plantas "desenvolveram" sinais visuais (e.g. forma e cor das pétalas), tácteis (e.g. papilas) ou odoríferos (e.g. moléculas análogas às feromonas dos insectos fêmea) O mutualismo planta-polinizador acelerou as taxas evolutivas quer das plantas quer dos animais polinizadores, facto que explica, pelo menos em parte, o sucesso (a abundância) das plantas com flor e de alguns grupos de insectos (e.g. himenópteros).

A oferta de recompensas, i.e. o pagamento do serviço polinização é energeticamente muito caro. A edificação de nectários e estames, e o fabrico de néctar e pólen implicam produzir menos folhas, menos caules e menos raizes. Crescer menos arrasta o enorme risco de ser menos competitivo do que o vizinho do lado, um inimigo que combate, sem tréguas, por espaço e recursos. As plantas enfrentam um problema análogo ao nosso quando entramos num supermercado: gastar todo o dinheiro em peixe rico em omega 3 implica não ter batatas para engrossar a sopa ou pão para o pequeno-almoço. A polinização cruzada tem, portanto, um enorme custo de oportunidade evolutivo.

O elevado custo das recompensas incrementa a probabilidade do sucesso de soluções alternativas ao mutualismo planta-polinizador. A autogamia - por exemplo através do desenvolvimento de flores cleistogâmicas (que se fecundam a si próprias antes de abrirem ao exterior) - é uma solução frequente. Outra hipótese é optar por vectores físicos de polinização como o vento (novamente com enormes custos energéticos). Porém, melhor, melhor, é findo o serviço de polinização não pagar a conta. Por outra palavras: mentir aos polinizadores.

A polinização fundada na mentira é conhecida por polinização por engano. Os botânicos reconhecem dois tipos de polinização por engano:
· Polinização por engano sexual (“sexual deceit”) – as flores mimetizam as feromonas sexuais e/ou os sinais visuais e tácteis de insectos fêmeas; os insectos machos são usados como veículo de pólen quando visitam e tentam copular (pseudocópula), por engano, com a flor; sistema muito conhecido das orquídeas;
· Polinização por engano alimentar (“food deceit”) – as flores assinalam a presença de recompensas alimentares inexistentes; as espécies que seguem esta estratégia imitam a forma e os odores de espécies que oferecem recompensas.


A Plumeria rubra (Apocynaceae), uma árvore centro-americana, não oferece recompensas às borboletas nocturnas polinizadoras, engana-as mimetizando o odor e a forma de outras espécies falaenófilas com recompensas [foto C. Aguiar, tirada nos belíssimos jardins de Goiânia, Goiás]

A mentira está generalizada na Natureza; compensa até ao momento que as vítimas aprendem a distinguir os impostores dos ingénuos que nunca enveredaram pelos caminhos do embuste. As relações mutualistas - por definição relações entre indivíduos de diferentes espécies com ganhos de parte a parte - geram tensões evolutivas que podem ser quebradas a qualquer momento. Mas a estratégia de polinização com vectores animais sem sexo nem comida também tem os seus riscos. Por alguma razão os caloteiros são menos frequentes do que os cumpridores da ordem estabelecida.

P.S. Robert Trivers oferece-nos uma fabulosa introdução a uma historia natural da mentira aqui

terça-feira, 21 de julho de 2009

Plantas primitivas

Figura1. Rhynia gwynne-vaughanii


Figura2. Psilotum nudum (foto: J.Capelo, 2009 no Jardim Botânico de Leiden, Holanda)


Todos temos fascínio pelo arcaico, o mais antigo, o primevo. No meu caso, foi numa colecção de cromos, que tinha quando era criança, que vi uma figura da planta vascular terrestre mais antiga conhecida: a Rhynia gwynne-vaughanii (figura 1). É um fóssil descrito em 1917 por Kidston e Lang, de quartzitos devónicos de Aberdeenshire, na Escócia. Trata-se de uma planta com caules simples, ramificados dicotomicamente e com esporângios terminais. As raizes correspondem a uma especialização subterrânea dos ramos. Uma planta lacustre, lembrando um junco, ainda próxima dos talófitos aquáticos (isto é das 'algas', digamos assim). A opinião corrente é que o parente mais próximo vivo seria Psilotum nudum (L.) Beauvois, um pteridófito apresentando uma estrutura superficialmente análoga a Rhynia: caules simples, ramificados em dicotomias e com esporângios sub-terminais. É certamente uma planta vascular muito primitiva, um fóssil vivo, como se dizia antes. Contemplá-la é contemplar a mais simples e arcaica planta que se conhece (pode representar uma simplificação evolutiva ulterior, mas a opinião mais recente é que é mesmo muito primitiva e mesmo que não fosse isso não lhe tira a emoção do arcaico). Na Europa apenas existe na Serra de Algeciras (Cadiz, Espanha) [P. nudum var. mollesworthii]. Em rigor, a relação taxonómica não é directa, Rhynia é um Rhyniophyta e Psilotum, um Pteridophyta. Separam-nas, portanto, a categoria de Divisão do reino Plantae. São suficientemente diferentes para tal distinção.

Esta planta fui-a encontrando de vez em quando. Vi a primeira numa exposição permanente do Museu, Laboratório e Jardim Botânico de Lisboa, num pavilhão que reconstroi o ambiente vegetal do Secundário, de forma agradavelmente ingénua e com objectivos didácticos (bem haja a quem montou a exposição, certamente já há vários anos e lá pôs o Psilotum nudum!). Talvez ainda lá esteja, com os seus dinossaurios pintados na parede...

Depois, no campo, vi-a em Moçambique numas rochas riolíticas junto á conhecida cascata da Namacha, assim que pús os pés fora do carro (houve uma telenovela que tinha muitas cenas nesta cascata). O encontro mais curioso foi num vaso no campus da Universidade da Madeira e ninguém fazia a mínima ideia de como lá foi parar.

Depois fui-a vendo em jardins botânicos, não é assim tão difícil de encontrar. A figura 2 é uma foto tirada no Jardim Botânico de Leiden, há 15 dias.
Gosto tanto desta planta.

domingo, 19 de julho de 2009

DOIS JARDINS



Figura 1. Frontispício do horto botânico de Carolus Clusius em Leiden, na Holanda (J. Capelo, 2009).


Figura 2. A secção do Jardim organizada de acordo com o APG II (J.Capelo, 2009)


Figura 3. Placa explicativa mostrando a posição das plantas na árvore filogenética APGII (J. Capelo, 2009)

O Jardim Botânico de Leiden, nos Países Baixos, para além de numerosas colecções de plantas e da actividade de investigação que suporta, tem duas secções que representam dois extremos, certamente significativos, na história da Sistemática das plantas superiores. Um deles é uma reconstituição in situ do horto botânico de Charles de l'Écluse (1526-1609), ou Carolus Clusius na forma de epítome latino. Terá sido, com intenções conscientemente científicas, um dos primeiros, senão o primeiro jardim botânico do Mundo (figura 1).

Sobre a grande importância deste botânico flamengo quinhentista não direi mais, pois justificaria mais que um simples post. Podem os leitores do blogue ver aqui um resumo biográfico. Diga-se apenas, que uma das obras que lhe grangeou fama foi Aromatum et simplicium aliquot medicamentorum apud indos nascentium historia de 1566. Trata-se, nada menos, que uma tradução para latim dos 'Colóquios' (*) de Garcia de Orta, publicado em Goa em 1563, um dos primeiros tratados científicos de botânica acerca de flora não-europeia.

No outro extremo, está a secção do jardim dedicada à Evolução através de um conjunto de canteiros organizado de acordo com o APGII (Angiosperm Phylogeny Group), que como se sabe, constitui a mais consensual e actualizada categorização filogenética das famílias de angiospérmicas. O sistema de classificação APG II representa a síntese do maior número de dados taxonómicos, incluindo marcadores moleculares, alguma vez conseguida (figura2). O artigo do APG II System está aqui, para os leitores mais interessados.

O mais interessante, é que os canteiros representando as ordens estão devidamente acompanhados por paineis explicativos onde a posição na árvore filogenética global é salientada e os aspectos gerais do grupo são resumidos (figura 3).

Ainda procurei a Amborella trichopoda, tida como a angiospérmica viva mais primitiva: aquela mais próxima da 'raiz' da árvore filogenética... mas não estava lá.


(*) Cujo nome completo é: Colóquios dos simples e drogas he cousas medicinais da Índia e assi dalgũas frutas achadas nella onde se tratam algũas cousas tocantes a medicina, pratica, e outras cousas boas pera saber.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Serra de Montesinho vrs. Serra de Nogueira III


Recordo o tema em discussão nos dois últimos posts: por que razão a Serra da Nogueira em 1910 e, cem anos depois, em 2009, está dominada por comunidades de Quercus pyrenaica «carvalho-negral» enquanto, a menos de 30 km de distância em linha recta, em a direcção norte, a Serra de Montesinho está coberta por urzais (matos baixos) de Erica australis subsp.aragonensis?
O comentário do João Pinho ao primeiro post da série identificou (e esgotou), numa penada, as causa das dissemelhanças entre as Serras de Montesinho e de Nogueira. Vale a pena reler o post para perceber a extraordinária erudição ecológica dos antigos florestais (e do J. Pinho). Também eles foram tocados pelo espírito das Luzes que permeou a elite cultural novecentista portuguesa.
Resumiria do seguinte modo a cadeia causal que explica a actual, e passada, paisagem vegetal destas serras. Na falda norte da Serra de Nogueira (a falda sul tem outra litologia) dominam rochas básicas muito tectonizadas (esmagadas pelas forças tectónicas) enquanto o Montesinho é uma serra granítica, como reconheceu o ZG. As rochas básicas dão origem a solos mais espessos e quimicamente férteis do que as rochas ácidas, sobretudo do que os xistos. A resiliência e resistência à perturbação dos carvalhais são máximas em solos fundos, ricos em bases de troca (e.g. cálcio) e com uma reserva mineral de fácil meteorização. A ruptura do ciclo das bases mediado pelo fogo de origem antrópica abre caminho à dominância dos urzais. Durante a primeira metade do Holocénico as Erica habitaram, principalmente, afloramentos rochosos; na segunda metade serviram-se do Homem para se expandir e perpetuar! As características da Serra de Nogueira impediram a persecução desta estratégia.
Como a rochas básicas são muito raras no quadrante W da Península Ibérica, os matos baixos da Serra de Nogueira estão insaturados, sendo constituídos por pequenos arbustos (e.g. Halimium e Helianthemum) quando o solo potencialmente suportaria plantas mais produtivas e maior biomassa.

Serra da Estrela: Nave de Stº António. O pastoreio com ovelhas transformou uma paisagem de matriz florestal produtiva e diversa numa rupideserta (sensu Brockmann-Ierosch & Rubel, 1930; ver aqui).

O Abade de Baçal trocou causas com efeitos. Os Beneditinos eram exímios criadores de gado e, certamente, excelentes classificadores de terras. Vieram para a Serra de Nogueira porque bons solos garantiam boas côngruas. Alguns autores recentes, que por motivos ideológicos se recusam a aceitar a importância das variáveis ambientais na estruturação e evolução dos sistemas tradicionais de exploração dos recursos naturais, continuam a insistir na “mão invisível do frade”!

Levantam-se agora novas questões. Concretamente, que características do substrato geológico condicionam o "assembling" das comunidades vegetais das duas Serras? Que dialéticas funcionais ocorreram entre a litologia e outros factores e condições ecológicas? Por exemplo, de que modo a litologia condicionou os usos pretéritos? De que modo a litologia impediu, ou retardou, a convergência das paisagens boscosas primitivas em paisagens sucessionais regressivas?
Um blogue não é o local certo para esta discussão. De qualquer há algo de muito importante e útil que emerge da comparação da vegetação nas duas Serras. O impacto da agricultura e da pastorícia foi maior nos ecossistemas naturais e nas biocenoses da montanha ácida do que nestes pequenos oásis de rochas básicas, ricas em nutrientes, de que é exemplo a Serra de Nogueira. A montanha ácida, mais de 11% do território continental português, é, talvez, a porção de Portugal mais alterada e degradada pela acção do homem. Os urzais de montanha são as escaras de milhares de anos pilhagem de nutrientes (“nutrient mining”) por uma agricultura e pastorícia ávida de nutrientes. E são um testemunho da miséria endémica que universalmente caracteriza as comunidades agrícolas tradicionais (esta tema fica desenvolver um destes dias).

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Serra de Montesinho vrs. Serra de Nogueira II

O Abade de Baçal, o mais conhecido erudito bragançano, para explicar a abundância de árvores e bosques na Serra de Nogueira e em outras áreas geograficamente próximas, propõe nas suas "Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança" (Alves, 1909-1918) a seguinte hipótese (vd. este post):

“Numa larga facha de terrenos de mais de vinte quilómetros de comprimento e passante de cinco de largura, que, do ponto central de Castro de Avelãs, onde existiu o famoso mosteiro Beneditino, se estende às povoações de Oleirinhos, ..., Castro de Avelãs, Gostei, ..., Nogueira, Rebordãos, ... e Pinela, deixou o frade essa famosa mata de castanheiros bravos e enxertos que ainda hoje faz a riqueza da terra, a par de outras de carvalhos, também valiosas”; “nas mesmas condições está a mata de castanheiros-enxertos, entremeada de carvalhos, que se estende desde Vinhais por rio de Fornos, ... e Soutelo, com ramificações em Paçó, ... e Mofreita, tudo no concelho de Vinhais”; “Idem, idem a de Parâmio, ... e Ozeive ...”; “Verdadeiramente, não temos elementos para mostrar, embora existam muitos, que todas estas matas são obra de frade; no entanto é mui provável conjuntura ...”.

Mais uma imagem dos carvalhais de Q. pyrenaica da Serra de Nogueira [foto C. Aguiar]

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Serra de Montesinho vrs. Serra de Nogueira I

Na Ilustração Transmontana de 1910 encontrei um relato de uma visita de estudo dos alunos do Seminário de Bragança às serras que rodeiam a minha cidade de Bragança.
A parte mais interessante da narrativa é uma descrição comparativa do coberto vegetal das Serras de Nogueira e de Montesinho.
Diz o autor (Pereira, 1910):
Serra de Montesinho: “É certo que, com a nudez arborea que por este lado [Serra de Montesinho] nos descontenta, contrasta singularmente o aspecto das montanhas a oeste da cidade [Bragança], regularmente vestidas d’arvoredo. Desde o Castro [de Avelãs], seguindo pela Castanheira, Formil, Gostei, Donai, etc. a arborização ostenta-se, ora em macissos, ora esparsa, mas efeitando mais ou menos o terreno e embellezando a paysagem”.

Aldeia espanhola de Hermisende na Serra da Teixeira, mesmo ao lado da Serra de Montesinho. N.b. Paisagem vegetal dominada por urzais; árvores concentradas em torno do povoado; o povoado funciona como uma "ilha de fertilidade".


Serra de Nogueira: “É certo que por aquelle lado a árvore não escassêa [Serra de Nogueira]; mas mesmo por ahí se notam largas manchas d’ermo, que outr’ora foram mattas cerradas de carvalho, hoje, mercê do machado destruidor, reduzidas a vegetação rasteira.”

Serra de Nogueira. N.b. Paisagem vegetal de matriz florestal (de bosques autóctones). Em 1910 os carvalhais estavam reduzidos a toiças mais ou menos rasteiras; hoje mercê da redução dos cortes para lenha evoluíram para bosque de alto-fuste.


Peço agora a colaboração dos leitores deste Blog. Pedia-vos que propusessem hipóteses para explicar por que razão a Serra da Nogueira em 1910 e, cem anos depois, em 2009, está dominada por comunidades de Quercus pyrenaica «carvalho-negral» enquanto, a menos de 30 km de distância em linha recta, em a direcção norte, a Serra de Montesinho está coberta por urzais (matos baixos) assanhados de Erica australis subsp. aragonensis. A altitude e a precipitação são semelhantes nos dois maciços montanhosos. Não precisam de conhecer estas Serras, e muito menos a sua vegetação, para darem a vossa opinião, anonimamente, se o entenderem.
[fotos C. Aguiar]

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Os Trifolium repens (Fabaceae) nordestinos

O T. repens «trevo-branco» é muito frequente em prados temperados ou em prados mediterrânicos de solos de baixa, húmidos e meso-eutróficos (com algumas bases e fósforo). A sua identificação é muito fácil: plantas perenes enraizantes nos nós; folhas com três folíolos (como todos os trevos) glabros (sem pêlos); flores brancas, as polinizadas inflectidas em direcção ao solo. A sua presença é sempre bem-vinda porque os trevos incrementam o teor em proteína do pasto e, consequentemente, as taxas de crescimento e a condição corporal dos animais que o consomem.
No NE de Portugal ocorrem dois ecótipos de trevo-branco morfologicamente e ecologicamente muito distintos.
Os ecótipos de terras húmidas e fundas têm folhas grandes, totalmente glabras e flores brancas. Acompanham estas plantas as plantas características dos prados perenes de influência eurossiberiana, i.e. dos lameiros.


Nos prados de solos mais secos e compactados, intensamente pastoreados, em ambientes de montanha com uma estação seca relativamente longa, observam-se plantas, muito semelhantes ao T. repens var. nevadense, de folhas mais pequenas e escuras, com pecíolos peludos, pêlos estes por vezes estendendo-se à base da nervura média dos folíolos, e flores rosadas. Estas plantas geralmente estão acompanhas, entre outras plantas, por Poa bulbosa (Poaceae), T. subterraneum (Fabaceae) e T. micranthum (Fabaceae).


O comportamento dos T. repens das misturas comerciais de sementes nas áreas mediterrânicas é muito irregular, quando não desastrosa. Valia a pena multiplicar estes trevos-brancos adaptados a solos secos e compactados e oferecê-los à lavoura.
Temos literalmente à mão de semear, ecótipos autóctones de trevo-branco de elevado potencial agronómico para seleccionar, multiplicar e introduzir nas misturas comerciais de sementes. Por que razão importá-los da Austrália???

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Polinização em Ficus carica (Moraceae)

As plantas do género Ficus (Moraceae) servem-se de um sistema particularmente engenhoso e complexo de polinização que envolve uma simbiose com pequenas vespas sem ferrão da família Agaonidae. Em Portugal existe uma única espécie de Ficus, a F. carica, a vulgar figueira.
As plantas selvagens de F. carica do Mediterrânico Oriental, conhecidas por «caprifigos», são monóicas (têm flores ♂ e ♀) e polinizadas por uma única espécie de vespa, a Blastophaga psenes. Grande parte dp interior do sícono (figo imaturo) destas plantas está revestido por flores de estilete curto; as flores concentram-se na vizinhança do ostíolo, um pequeno poro situado na extremidade distal do figo imaturo.
Os machos da B. psenes são ápteros e nunca abandonam o sícono. Emergem dos pistilos das flores dos «caprifigos» no início da Primavera (Abril), fecundam as fêmeas ainda imaturas retidas no interior das flores e morrem pouco depois sem ver a luz do dia. As vespas ♀, já fecundadas, ao abandonarem o figo são “carregadas” de pólen pelas flores . Uma vez no exterior, embora só consigam parasitar flores de estiletes curtos, tanto podem visitar, e polinizar, «caprifigos» como «figueiras-doméstica». As «figueiras-selvagens» produzem figos em três épocas do ano, consequentemente, a B. pesenes tem três gerações anuais. As fêmeas de B. pesenes de uma dada época de figos polinizam e põem ovos nos figos da época seguinte.
A domesticação da F. carica logo no início do Holocénico (um destes dias escreverei sobre o assunto), resultou em dois grupos de plantas seguindo dois modelos distintos de biologia da reprodução. As plantas selvagens de F. carica, como referi, produzem flores ♀ e ♂ e reproduzem-se sexuadamente. As inflorescências das «figueiras-domésticas» (os síconos), pelo contrário, são unissexuais e, hoje em dia, maioritariamente partenocárpicas (os frutos formam-se a partir de flores não polinizadas). As variedades não partenocárpicas, os «figos-de-esmirna», são pouco cultivados, entre outra razões porque precisam de caprifigos da vizinhança para fornecerem pólen e polinizadores.
As flores ♀ das «figueiras-domésticas» têm estiletes longo. Por conseguinte, potencialmente, todas elas poderão evoluir para fruto porque o ovipositor da B. psenes é demasiado curto para atingir o ovário de flores de estiletes longos a partir do estigma. Os síconos dos «caprifigos» não são edíveis porque a maioria das flores é parasitadas pela B. psenes; i.e. “produzem” mais vespas do que frutos.

Inflorescência (sícono) de «figueira-doméstica». N.b.: todas as flores são ♀ e de estilete longo; a abertura do figo ao exterior (ostíolo) no lado direito da foto; o figo é uma infrutescência constituídas por numerosos frutos (cada flor dá origem a um pequeno fruto) e um tecido carnudo esbranquiçado de origem caulinar [foto C. Aguiar]


Como referi, as variedades comerciais de «figueira-doméstica», regra geral, possuem apenas flores partenocárpicas não necessitando, por isso, de ser polinizadas. O mesmo acontece com as «figueiras-domésticas» assilvestradas que encontramos um pouco por todo o país. Esta é uma importante prova de que a F. carica não é indígena de Portugal.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Musschia isambertoi (Campanulaceae)

Um grupo de 4 investigadores, liderados pelo Prof. Miguel Sequeira (Univ. Madeira) e pelo Dr. Roberto Jardim (Jardim Botânico da Madeira), descreveram recentemente nos "Anales del Jardín Botánico de Madrid" a M. isambertoi, um novo endemismo da Deserta Grande, um ilha inabitada visível ao largo da Madeira, a sudeste da Ponta de S. Lourenço.
O género Musschia é endémico do Arquipélago da Madeira; fica agora enriquecido com uma terceira espécie para além das celebradas M. wollastonii e M. aurea.


É incrível como uma planta tão grande, com uma morfologia tão marcante (e.g. grandes folhas numa roseta basal e flores de pétalas esverdeadas), havia escapado aos "olhos" treinados de R.T. Lowe e de C. A. Menezes!
[foto Magda Silva]

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Vaccinium padifolium & V. cylindraceum (Ericaceae)

Vaccinium cylindraceum, planta açoreana (foto: J.Capelo, 2003; clique para aumentar)

Vaccinium padifolium, planta madeirense (foto: J. Capelo, 2006; clique para aumentar)

Vaccinium padifolium Sm. é um arbusto da família das ericáceas, frequente nos urzais de Erica platycodon subsp. maderincola, até aos 1500 m.s.m. na Ilha da Madeira. Vaccinium cylindraceum Sm. é do arquipélago dos Açores, de urzais de Erica azorica. Foram ambos descritos por James Edward Smith (1759-1828). O primeiro tem a corola campanulada e o segundo a corola tubulosa. Ambos servem para fazer doces e geleias ou para ser comido crú, como o seu congénere continental, o mirtilo: V. myrtillus L. Os três são plantas com antepassados paleo-temperados arto-terciários (circumpolar). Mesmo na Madeira não é tudo sub-tropical thetysiano. Outros exemplos são: Sorbus maderensis na Madeira e Juniperus cedrus nos Açores!

sábado, 4 de julho de 2009

Ranunculus bupleuroides (Ranunculaceae)

Ranunculus bupleuroides numa pequena clareira de um talude de estrada [foto C. Aguiar]

Uma foto de R. bupleuroides um quase-endemismo (está citado para o sul da Galiza) do NW de Portugal, descrito em 1804 por Felix Avellar Brotero na sua Flora Lusitanica.
Esta espécie tem por habitat pinhais abertos, urzais-tojais secos, taludes e plataformas rochosas com uma pequena camada de terra.
Caracteres diagnóstico (no âmbito do género Ranunculus): planta perene de toiça robusta e folhas inteiras; folhas da base ovadas ou elípticas.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Anarrhinum longipedicellatum (Plantaginaceae)

O A. longipedicellatum foi descrito pela Prof. Rosette Batarda Fernandes em 1959. Este endemismo lusitano tem uma morfologia tão peculiar, tão evidente, que a sua tardia descrição só pode ser explicar pelo facto de habitar uma região até então pouco visitada pelos botânicos.
O "core" da sua área de distribuição situa-se na parte média da bacia hidrográfica do Rio Vouga, entrando pelo vale do Paiva até ao Douro.
Trata-se de um endemismo acidófilo (de solos derivados de rochas ácidas, sobretudo xistosas), que habita fendas e plataformas terrosas em escarpas rochosas e, ainda, taludes, clareiras abertas pelo fogo e orlas de bosque.

[foto C. Aguiar]

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Flores de Castanea sativa «castanheiro» (Fagaceae) II

As flores masculinas de C. sativa apresentam-se agrupadas em inflorescências muito contraídas (flores com pedicelos muito curtos), com 6-7 flores na axila de uma bráctea (folhas modificadas situadas nas inflorescências).
O comprimento dos filetes dos estames tem algum interesse para distinguir as cultivares. Podem ser curtos, e os amentos parecem ao longe quase lisos, a longos, atribuindo um aspecto entufado aos amentos.


Flores masculinas de C. sativa de filetes longos

As flores femininas merecem ser observadas com detalhe à lupa. Surgem em grupos de três envolvidas por um conjunto de peças foliáceas (o seu conjunto designa-se por cúpula) que acabarão por coalescer no ouriço.
Acima da cúpula, separando cuidadosamente as flores com um estilete, observa-se um perianto rudimentar de 6-8 peças (tépalas) em forma de espátula, emarginadas por longos pêlos esbranquiçados.
Raras são as Floras que referem a presença de estames nas flores femininas de C. sativa embora esta condição seja dominante nas variedades portuguesas de castanheiro. Estes estames são pequenos, frágeis e aparentemente não funcionais, porém foi provado por investigadores da Estação Florestal Nacional que o seu pólen pode ser viável. Por conseguinte, as flores ditas femininas de C. sativa são, na realidade, flores hermafroditas funcionalmente femininas.
O ovário é ínfero e pluriovulado (mais de um primórdio seminal). Os estiletes são rígidos e salientes, em número variável (já contei 4 a 8), coincidente com o número de carpelos. A superfície estigmática está concentrada no ápice dos estiletes. Muito interessante: os estigmas são receptivos (ao pólen) um de cada vez.
Cada flor dá origem a uma castanha (fruto) com uma única semente (castanha descascada com camisa). Portanto, em cada flor evolui para semente apenas um primórdio seminal.


Inflorescências femininas de C. sativa. N.b. inflorescências com três flores envolvidas por uma cúpula; estiletes salientes. Na última foto observa-se um ovo (de cor verde) de um crisopídeo (Insecta, Neuroptera, Chrysopidae) inserido no ápice de um estilete; estes ovos possuem um pé muito longo e delgado que tem por função impedir que as ninfas recém-eclodidas comam as suas irmãs (as larvas crisopídeos são carnívoras)

[fotos C. Aguiar]