Recordo o tema em discussão nos dois últimos posts: por que razão a Serra da Nogueira em 1910 e, cem anos depois, em 2009, está dominada por comunidades de Quercus pyrenaica «carvalho-negral» enquanto, a menos de 30 km de distância em linha recta, em a direcção norte, a Serra de Montesinho está coberta por urzais (matos baixos) de Erica australis subsp.aragonensis?
O comentário do João Pinho ao primeiro post da série identificou (e esgotou), numa penada, as causa das dissemelhanças entre as Serras de Montesinho e de Nogueira. Vale a pena reler o post para perceber a extraordinária erudição ecológica dos antigos florestais (e do J. Pinho). Também eles foram tocados pelo espírito das Luzes que permeou a elite cultural novecentista portuguesa.
Resumiria do seguinte modo a cadeia causal que explica a actual, e passada, paisagem vegetal destas serras. Na falda norte da Serra de Nogueira (a falda sul tem outra litologia) dominam rochas básicas muito tectonizadas (esmagadas pelas forças tectónicas) enquanto o Montesinho é uma serra granítica, como reconheceu o ZG. As rochas básicas dão origem a solos mais espessos e quimicamente férteis do que as rochas ácidas, sobretudo do que os xistos. A resiliência e resistência à perturbação dos carvalhais são máximas em solos fundos, ricos em bases de troca (e.g. cálcio) e com uma reserva mineral de fácil meteorização. A ruptura do ciclo das bases mediado pelo fogo de origem antrópica abre caminho à dominância dos urzais. Durante a primeira metade do Holocénico as Erica habitaram, principalmente, afloramentos rochosos; na segunda metade serviram-se do Homem para se expandir e perpetuar! As características da Serra de Nogueira impediram a persecução desta estratégia.
Como a rochas básicas são muito raras no quadrante W da Península Ibérica, os matos baixos da Serra de Nogueira estão insaturados, sendo constituídos por pequenos arbustos (e.g. Halimium e Helianthemum) quando o solo potencialmente suportaria plantas mais produtivas e maior biomassa.
Serra da Estrela: Nave de Stº António. O pastoreio com ovelhas transformou uma paisagem de matriz florestal produtiva e diversa numa rupideserta (sensu Brockmann-Ierosch & Rubel, 1930; ver aqui).
O Abade de Baçal trocou causas com efeitos. Os Beneditinos eram exímios criadores de gado e, certamente, excelentes classificadores de terras. Vieram para a Serra de Nogueira porque bons solos garantiam boas côngruas. Alguns autores recentes, que por motivos ideológicos se recusam a aceitar a importância das variáveis ambientais na estruturação e evolução dos sistemas tradicionais de exploração dos recursos naturais, continuam a insistir na “mão invisível do frade”!
Levantam-se agora novas questões. Concretamente, que características do substrato geológico condicionam o "assembling" das comunidades vegetais das duas Serras? Que dialéticas funcionais ocorreram entre a litologia e outros factores e condições ecológicas? Por exemplo, de que modo a litologia condicionou os usos pretéritos? De que modo a litologia impediu, ou retardou, a convergência das paisagens boscosas primitivas em paisagens sucessionais regressivas?
Um blogue não é o local certo para esta discussão. De qualquer há algo de muito importante e útil que emerge da comparação da vegetação nas duas Serras. O impacto da agricultura e da pastorícia foi maior nos ecossistemas naturais e nas biocenoses da montanha ácida do que nestes pequenos oásis de rochas básicas, ricas em nutrientes, de que é exemplo a Serra de Nogueira. A montanha ácida, mais de 11% do território continental português, é, talvez, a porção de Portugal mais alterada e degradada pela acção do homem. Os urzais de montanha são as escaras de milhares de anos pilhagem de nutrientes (“nutrient mining”) por uma agricultura e pastorícia ávida de nutrientes. E são um testemunho da miséria endémica que universalmente caracteriza as comunidades agrícolas tradicionais (esta tema fica desenvolver um destes dias).
Excelente texto! Sapiência profunda, como os solos ricamente básicos da Serra de Nogueira ou Rebordãos!!
ResponderEliminarabraço,
ZG
Vejo apenas agora, com agrado, a interessante discussão sobre as duas serras, pois num curto período de férias arredei-me em absoluto dos computadores. Lendo o primeiro post contribuiria para o repto, de facto dizendo que a mesotrofia dos solos da Nogueira em face dos oligotróficos de Montesinho justificariam o bloqueio sucessional desta ultima - dados usos do território e logo pressões sucessionais análogas.
ResponderEliminarCumprimentos a todos.
JC.