quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A Marquesa de Alorna e a botânica

Leonor de Almeida Portugal [1750-1835], Marquesa de Alorna, teve uma vida tão longa como acidentada. Sofreu as perseguições do Marques de Pombal, e refugiou-se por duas vezes exilada no estrangeiro. Assistiu ao terramoto de 1755, à primeira fase da decadência dos Braganças, às invasões francesas, à guerra civil e à instauração da monarquia constitucional. A adolescência passou-a desterrada num mosteiro, em Chelas, não sem o convívio de visitadores masculinos. Casou com um alemão que, como era e ainda é hábito na nação, dado o berço alóctone, subiu meteoricamente no poder e na escala social indígena. Aparentemente, esteve envolvida no assassinato de um general francês. Uma filha foi amante de Junot; um filho acompanhou os exércitos de Napoleão à Rússia. Conviveu com a nata da nobreza europeu e o melhor da elite cultural portuguesa. Acabou os seus dias, bem, numa quinta apalaçada nos arredores de Lisboa.
Mulher de densa cultura, estupenda inteligência e incontida petulância aristocrática, pintou e foi autora de traduções e de uma obra poética vasta. Um dos seus livros de poesia tem por título "Recreações botanicas". Conheço dois artigos sobre o livro, ricos de comentários e transcrições, da autoria de Luis de Pina (1953) e da Prof. Maria Helena Rocha Pereira (1983). Da sua leitura percebo que além de um acurado conhecimento teórico da ciência botânica e da sua história - leu Lineu e Tournefort, louva Correia da Serra e Brotero e recomenda a botânica como fonte de prazer e elevação - a Marquesa de Alorna percepcionou a forma das plantas, entendeu o sistema sexual lineano, e conhecia de facto as plantas e o seu uso.
Atentem nestes dois trechos de poesia.
Sobre as leguminosas:

Quantos legumes saborosos cobre
Uma silica branca! Com que graça
Verde e branco o faval recrêa a vista!
Como a luzerna, que viçosa cresce
D'esmeraldas os campos alcatifa!
Quantas mais com profusos dons contentam
Homens, aves, quadrupedes, insectos!
As artes, a saúde, a economia,
Implorando os aureílios desta Classe,
Sem as plantas que pródiga concede
Talvez parcos triunfos obteriam.

Medicago orbicularis (Fabaceae), uma luzerna anual, frequente nas áreas de clima mediterrânico de Portugal continental, com algum interesse nas misturas de sementes de pastagens ricas em leguminosas

E das labiadas:

As labiadas são familia illustre
Que a Natureza distinguiu vaidosa,
Pela forma do calix, pelas bracteas,
Pela corolla as reconhece as eschola.
Destas plantas cheirosas as virtudes.
Combatem as tristeza, a dôr, e a morte:
...

Teucrium heterophyllum (Lamiaceae), um soberbo endemismo madeirense e canarino

Ficam pela certa bem a abrir uma dissertação sobre metabolitos secundários e substâncias aromáticas ou, então, um panegírico dirigido às leguminosas, ao rizóbio e à nitrogenase. O último servia também um livro de agricultura biológica, não fora a natureza alternativa da política de muitos dos seus praticantes.
[fotos C.Aguiar]

6 comentários:

  1. O Teucrium heterophyllum é espantoso!!

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  2. Bem, que artigo fantástico Carlos!
    A marquesa, as plantas... o Teucrium é de facto maravilhoso! A marquesa ficaria contente com o teu trabalho... eh eh.

    Quando vi o Medicago pelo canto do olho, pareceu-me ver um caracol em cima da planta! Especulando: aqueles frutos devem enganar muito pássaro, que os leva para o ninho a pensar que o almoço é carne... e sai-lhe um prato vegetariano! É claro que o deita fora e contribui para a distribuição da espécie... e mesmo por baixo do ninho... onde a adubação é abundante e gratuita.

    Desculpem-me o devaneio quase-poético...

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  3. «Especulando: aqueles frutos devem enganar muito pássaro, que os leva para o ninho a pensar que o almoço é carne... e sai-lhe um prato vegetariano! É claro que o deita fora e contribui para a distribuição da espécie... e mesmo por baixo do ninho... onde a adubação é abundante e gratuita.»

    Muito bem observado! Poderá realmente acontecer.

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