quinta-feira, 30 de abril de 2009

As subespécies de Pterospartum tridentatum (Fabaceae) «carqueja»

A Flora Iberica admite três subespécies de «carqueja» (Pterospartum tridentatum) em Portugal continental. A subsp. tridentatum tem uma distribuição litoral. As outras duas subespécies - subsp. lasianthum e subsp. cantabricum - dominam no interior.
Uma das questões que mais tem preocupado os fitossociólogos ibéricos tem sido a localização da fronteira entre as regiões biogeográficas Mediterrânica e Eurossiberiana. As subspécies subsp. lasianthum e subsp. cantabricum são extraordinariamente úteis na diferenciação destes dois territórios. A primeira subespécie tem uma distribuição mediterrânica; a segunda é eurossiberiana e, por conseguinte, com uma marcada preferência por territórios de macrobioclima temperado.
As duas subespécies Pterospartum tridentatum são fáceis de distinguir: as flores da subsp. lasianthum são ligeiramente maiores, de um amarelo um pouco mais escuro e o estandarte - a peça superior e de maior dimensão da corola - tem pêlos no dorso. O estandarte da subsp. cantabricum é glabro, i.e. não tem pêlos.

Pterospartum tridentatum subsp. cantabricum (Fabaceae) «carqueja»
N.b. estandarte sem pêlos [foto C.Aguiar]

Pterospartum tridentatum subsp. lasianthum (Fabaceae) «carqueja»
N.b. estandarte com pêlos no dorso [foto C.Aguiar]

Experimentem quando forem à Serra da Estrela ou atravessarem o Marão colher flores de carqueja num transecto W-E. Por exemplo, no Marão, a transição entre as duas subespécies praticamente coincide com a linha de festo da montanha: subsp. cantabricum para oeste, subsp. lasianthum para leste.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Primula acaulis (Primulaceae)

Nos prados semi-naturais de Portugal continental está a acabar, ou já terminou (nas terras baixas), a floração das «primaveras», também conhecidas por «pascoelas» (Primula acaulis, = P. vulgaris). Estas plantas observam-se, facilmente, amontoadas em grande número, na proximidade das agueiras (canais tradicionais de regadio) ou dos amieiros, dos freixos ou dos muretes que bordejam estes prados.

Primula acaulis (Primulaceae), flores de estames longos e pistilo curto [foto C. Aguiar]

Se as virem colham algumas flores de pés distintos e cortem-nas longitudinalmente com uma lâmina de barbear. Facilmente poderão constatar que nas populações naturais de P. acaulis coexistem indivíduos de estames longos e pistilo curto com indivíduos de estames curtos e pistilo longo. Sabe-se que nesta espécie as polinizações compatíveis se verificam, apenas, entre flores com anteras e estigmas do mesmo comprimento. As flores de estames longos e pistilo curto polinizam flores de pistilo longo e estames curtos, e vice-versa. Flores com a mesma morfologia são incompatíveis. Este fenómeno que leva o nome de distilia faz parte de um menú muito variado de processos que as plantas utilizam para evitar o cruzamento entre indivíduos geneticamente próximos, i.e. de promoção da alogamia.

Os livros de biologia da conservação reservam uma fatia importante dos seus capítulos a louvar as vantagens da alogamia. Cuidado, muitas situações há no mundo das plantas em que vale a pena fazer sexo consigo mesmo (autogamia), o que raramente acontece entre os animais! Um dia falaremos do assunto alongadamente.

terça-feira, 28 de abril de 2009

Árvores filogenéticas


Figura 1: laurissilva de Til na Madeira, com um grupo de botânicos (clicar para aumentar).

Figura 2: árvore filogenética da laurissilva do Til na Madeira (clicar para aumentar).

Sobre a Terra, quaisquer dois organismos têm um antepassado comum. De ordinário, os diagramas expressando estas relações de parentesco têm a forma de árvores genealógicas. O esforço científico de obtenção destas 'árvores' por parte dos taxonomistas e que recebem a designação formal de árvores filogenéticas ou cladogramas, é antigo: começando com a famosa árvore 'I think...' do bloco de notas de Darwin (a primeira árvore filogenética). São construídas através da comparação de caracteres morfológicos, histológicos, bioquímicos,fisiológicos, funcionais e ecológicos. E mais recentemente a partir da análise molecular comparativa do ADN. Normalmente, os taxonomistas analisam a rede de parentesco, i.e. a filogenia, de um determinado grupo taxonómico: uma ordem, uma família, um género.

O gráfico da figura 2 é uma árvore filogenética das plantas que compõem uma única comunidade florestal da laurissilva temperada madeirense, dominada por til, Ocotea foetens (por isso mesmo, na nomenclatura fitossociológica das comunidades vegetais designada por Clethro arboreae-Ocoteetum foetentis - figura 1). Foi construída por mim a partir de dados moleculares publicados em bases de dados públicas e é apenas uma aproximação. Esta não é uma forma habitual de árvore filogenética, pois expressa a estrutura filogenética de uma comunidade e não de um grupo taxonómico. Como uma boa parte dos processos de evolução são de co-evolução no seio de comunidades, é altamente informativo obter estas árvores para comprender como se organizaram essas mesmas comunidades. Uma parte da comunidade é constituída por plantas pré-adaptadas ás condições do habitat e uma parte evoluiu para se adaptar. Percebe-se também quais foram espécies simplesmente ´filtradas' pelo habitat e quais as que evoluiram, assim como quais os caracteres morfologicos novos e antigos na comunidade.

Na foto 1, da esquerda para a direita, no meio de um sub-bosque dominado pelo pteridófito Diplazium caudatum (Athyriaceae): Jorge Capelo, Roberto Jardim, José Carlos Costa, Paulo Gouveia e Miguel Sequeira.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Nectários extraflorais: "não há almoços de graça"

A cerejeira, ou «cerdeiro», como bem entenderem, para além da sua importância como árvore de fruto é uma belíssima árvore indígena dos bosques higrófilos no norte e centro do país.
No início do Verão é fácil de distinguir das restantes árvores de fruto da família das rosáceas: dá cerejas :-) Reune, é claro, uma ampla combinação original de caracteres morfológicos que permite a sua identificação em qualquer altura do ano, e.g.: a casca, prateada, descataca-se por tiras horizontais; as flores são brancas, com numerosos estames inseridos na margem de um hipanto alargado, uma espécie de taça onde se acumula o néctar que escorre das suas paredes internas; o ovário é súpero com um único primórdio seminal; nas árvores jovens as pernadas e braças têm uma inserção verticilada (mais de uma por nó); na copa desenvolvem-se ramos grossos, rugosos, os mais velhos muito compridos e rectos, especializados na produção de flores e frutos, conhecidos em fruticultura por esporões.
Esporões com 3 anos em Prunus avium «cerdeiro» [foto C. Aguiar]

Queria, porém, chamar a vossa atenção para um interessante  pormenor que passa facilmente desapercebido nesta espécie: os nectários extraflorais. No «cerdeiro», como em muitas outras espécies (e.g. «salgueiros» e «maracujazeiros»), os nectários extraflorais situam-se no limbo ou no pecíolo das folhas. Segregam soluções açucaradas que servem de recompensa em relações mutualistas com insectos. Conforme o nome indica, os nectários extraflorais situam-se no exterior da flor, por conseguinte, não se destinam a "pagar" o serviço polinização. O mais provavel é que a suas secreções paguem aos batalhões de formigas que diariamente percorrem os seus ramos um serviço de defesa contra insectos herbívoros, sobretudo contra afídeos e lagartas de borboletas. Na Natureza "não há almoços de graça"!

Folhas de Prunus avium «cerdeiro» [foto C. Aguiar]. N.b. nectários extraflorais no encontro do pecíolo com o limbo da folha.

sábado, 25 de abril de 2009

Plantas silvestres comestíveis: idiossincrasia de pastores, brincadeira de crianças ou suplemento alimentar…

A propósito do texto Cytinus hypocistis (Cytinaceae) do Carlos Aguiar, ocorre-me uma boa maneira de corresponder ao seu convite para participar neste blogue.
Deambulando pela Terra-Fria Transmontana (Vinhais, Bragança e Miranda) para inventariar o conhecimento etnobotânico (levantamento de espécies, saberes, usos e práticas) encontramos referências ao uso de várias espécies silvestres que, tal como o Cytinus hypocistis, eram frequentemente consumidas em cru. Folhas, caules aéreos e subterrâneos, botões florais, flores e frutos podem ser chupados ou mastigados, libertando adocicados sucos ou oferecendo uma consistência fibrosa e durável, fazendo concorrência apreciável às actuais “gomas” e “pastilhas elásticas”.
E de facto, é assim que muitos informantes (as pessoas que participam num estudo etnobotânico e fornecem informação) gostam de apresentar este tipo de aproveitamento das plantas silvestres, isto é, como sendo uma brincadeira de crianças ou uma faceta temperamental associada aos pastores e contrabandistas, tidos como pessoas de convívio nem sempre fácil.
Idiossincrasias e jogos de crianças à parte, muitos informantes mais velhos recordam que nos tempos da sua meninice, a alimentação era pobre, pouco variada e com uma única refeição quente diária, o jantar. Durante o dia “enganavam a fome” com um naco de pão, queijo e um punhado de frutos secos. Assim sendo, nos intervalos da escola ou enquanto ajudavam nas tarefas agrícolas, procuravam alternativas para saciar a fome na natureza que os rodeava. E a verdade é que esses alimentos informais que recolhiam, além de satisfazerem a vontade de comer, funcionavam como suplementos alimentares e vitamínicos.
Considerando apenas as espécies consumidas durante a Primavera, ficando para outra oportunidade os frutos silvestres do Verão e Outono, listamos alguns exemplos de plantas silvestres comidas (chupadas ou mastigadas) em cru e da respectiva designação popular, registados nas regiões de Bragança, Miranda do Douro e Vinhais.

«Agreichos, puniqueijos, riqueijões» – Tubérculos de Conopodium majus subsp. marizii (Apiaceae)
«Azedas» – Caules e folhas de várias espécies de Rumex (Polygonaceae)
«Botas, botainas» – Caules intumescidos de Hypochoeris glabra (Asteraceae)
«Canastras, sapatetas, zapatetas» – Vagens imaturas de Astragalus pelecinus (Fabaceae)
«Chupa-méis» – Caules e flores de Lamium purpureum (Lamiaceae)
«Corniços, corneichos, corniçoilos» – Vagens imaturas de Astragalus cymbaecarpos (Fabaceae)
«Fogaças, tortas» – Frutos imaturos de Malva sylvestris (Malvaceae)
«Maias, mimos» – Flores de Cytinus hypocistis (Cytinaceae)
«Pipotes, bercegos, vercegos» – Rebentos jovens de Celtica (Stipa) gigantea (Poaceae)
«Rabos de gato» – Caules de Trifolium sp.pl. (Fabaceae)
«Sargaço branco» – Botões florais e cápsulas de Halimium lasianthum subsp. alyssoides (Cistaceae)

Uma curiosidade: outras partes de algumas destas espécies eram, ou são ainda, usadas na confecção de saladas, sopas e verduras para acompanhamento de pratos cozinhados e como plantas medicinais na preparação de remédios caseiros.


Astragalus cymbaecarpos, exemplar seco [foto de A.M. Carvalho]

Astragalus pelecinus, exemplar seco [foto de A.M. Carvalho]

Halimium lasianthum subsp. alyssoides [foto de A.M. Carvalho]

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Cytinus hypocistis (Cytinaceae)

Cytinus hypocistis é uma das plantas parasitas mais fáceis de identificar e de encontrar em Portugal continental. Os Cytinus emergem do solo nos primeiros meses da Primavera, geralmente próximo do colo de estevas (Cistus sp.pl.) e sargaços (Halimium sp.pl.), muitas vezes disfaçados sob a manta morta de folhas secas, negras e encarquilhadas que recobre o solo dos estevais.
Estas plantas não têm clorofila: alimentam-se das substâncias orgânicas e dos minerais produzidos ou bombeados do solo pelos seus hospedeiros. As flores do C. hypocistis  são relativamente grandes, de pétalas amarelas e unissexuais. Agrupam-se em cachos densos semelhantes a capítulos (capituliformes). Nas inflorescências as flores externas são femeninas e as internas masculinas.
As Floras tradicionais colocam o género Cytinus nas Rafflesiaceae, a família da maior flor do mundo, a Rafflesia arnoldii. Recentemente, Daniel L. Nickrent, o mentor do"The parasitic plant connection" (vd. http://www.parasiticplants.siu.edu/) descobriu que afinal os Cytinus, e a sua família Cytinaceae, são evolutivamente próximos da tropical Muntingiaceae e das Thymelaeaceae, a família do conhecido trovisco (Daphne gnidium). Os parentes próximos da Rafflesia são outros, mas ainda não está esclarecido quais.
O ovário do Cytinus hypocistis tem um líquido mucilaginoso comestível, assim o dizem os pastores da região de Bragança. Em Trás-os-Montes chamam-lhes «pútegas»; um  bom trunfo para recuperar uma assembleia adormecida numa daquelas longas conferências de divulgação de botânica ou de conservação da natureza ;-) 

Cytinus hypocistis (Cytinaceae) [foto C. Aguiar]

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Antirrhinum lopesianum (Plantaginaceae) II

A descoberta e a descrição do A. lopesianum têm uma história interessante.
Esta espécie foi colectada pela primeira vez por Manuel Ferreira, um colector do Jardim botânico de Coimbra, enviado pelo Professor Julio Henriques às serranias nordestinas, nos longínquos anos de 1877 e 1879. Mais tarde, em 1956, Werner Rothmaler, um botânico alemão refugiado em Portugal durante a II Guerra, descreve-o e dedica-o ao Padre Miranda Lopes, um amador de botânica, pároco em Vimioso.
O Padre Miranda Lopes é um dos personagens menos conhecidos da botânica portuguesa. Vale a pena ler as suas "aventuras" botânicas dispersas nos fascículos do Boletim da Sociedade Broteriana entre 1926 e 1933. Digo aventuras porque, bem ao estilo da época, o Padre Miranda Lopes descreve as suas observações botânicas, ao mesmo tempo que louva a paisagem transmontana com descrições gongóricas cheias de cor, refere os perigos dos caminhos e agradece a paciência e a boa companhia do seu fiel cavalo, companheiro de tantas aventuras. Uma pequena curiosidade. O Padre Miranda Lopes enviava as plantas que colhia ao Prof. Pereira Coutinho. Em determinada altura, não sei o motivo, o Prof. Gonçalo passou a receber e a identificar as plantas do Padre Miranda Lopes. Parece, assim me disse o Prof. Jorge Paiva, que esta terá sido uma das causas da conhecida desenvença que dividia os dois mais importantes botânicos portugueses da primeira metade do séc. XX.

Antirrhinum lopesianum (Plantaginaceae) I

O Antirrhinum lopesianum é um endemismo ibérico exclusivo de Trás-os-Montes, com duas populações documentadas no lado espanhol das arribas do rio Douro internacional. A morfologia desta espécie é única. As folhas estão revestidas por longos pêlos brancos, um tanto viscosos. Os ramos são muito frágeis, partem-se com maior facilidade, e dispõem-se num complexo emaranhado aderente à rocha. Visto de longe o A. lopesianum parece uma aranha gigante. As flores são em tudo semelhantes às conhecidas «boca-de-lobo» (Antirrhinum majus): flores grandes, vistosas, sem esporão, com um palato a fechar a entrada no tubo da corola.
O A. lopesianum tem uma ecologia é extraordinária! Coloniza fendas de rochas xistosas onde ressumam águas ricas em carbonatos e, frequentemente, se formam pequenas crostas calcáreas. Sendo o Nordeste de Portugal um território largamente dominado por rochas ácidas, com umas nesgas calcárias (e.g. Minas de Santo Adrião, Vimioso), tem, ainda assim, um endemismo calcícola!

Antirrhinum lopesianum (Plantaginaceae) [foto C. Aguiar]

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Canárias, os extremos da mediterraneidade

Foto3. Andar oromediterrânico na base do vulcão do Teide (aprox. 2400 m de altitude): Juniperus cedrus subsp. cedrus, um dos zimbros das Canárias; S. Mesquita, 2003)


Foto2. Floresta de til (Ocotea foetens, Gomera, Canárias; S. Mesquita, 2003).


Foto 1. Euphorbia canariensis, Tenerife, Canárias (S. Mesquita, 2003)


Alexander von Humboldt
(1769-1859), o naturalista viajante mais brilhante do final do século XVIII, princípios de XIX, descreve na Narrativa Pessoal de uma Viagem às Regiões Equinociais do Novo Continente (1814-1825) a sua primeira paragem fora da Europa continental e relata o seu espanto com o contraste climático da ilha de Tenerife, nas Canárias: desde o nível do mar até ao cume da alta montanha vulcânica do Teide (3.718 m de altitude) sucedem-se quase todos os andares bioclimáticos possíveis no clima mediterrânico, desde o infra-mediterrânico desértico nas baixas altitudes com vegetação megatérmica de caules suculentos (foto1); passando, á vez, pelo mesomediterrânico hiper-húmido com laurissilva mesofítica na zona das nuvens (foto 2); à vegetação oromediterrânica semi-árida já acima do nível altitudinal das nuvens (foto 3). A ilha de Tenerife é de facto um paradigma bioclimático e vegetacional da mediterraneidade. Independentemente da quantidade total de precipitação em cada andar, existe um traço comum ao ritmo da precipitação: seja qual for a quantidade de chuva anual, o Verão é sempre seco. A resposta vegetacional compõe-se a partir de uma pool de espécies simultaneamente herdada da vegetação tropical do Terciário pré-mediterrânica e também numa especiação muito intensa desde então, aliás uma característica de todas as ilhas.
Como este é também um blogue de pessoas, eu apareço empoleirado num til (Ocotea foetens).

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Para que servem as aristas das gramíneas?

Na extremidade ou no dorso das peças que constituem as espiguetas das gramíneas (= poáceas)observa-se, frequentemente, uma estrutura delgada, mais ou menos longa e rígida, conhecida por arista.
Para que serve?
A arista tem um importante papel no enterramento da semente no solo. Nas espécies de aristas com um pequeno cotovelo (aristas geniculadas, e.g. Avena «aveias») as sementes, encerradas em estrutura especiais que não interessa agora discutir, são facilmente retidas nas pequenas irregularidades do solo. Ciclos de embebição e secagem geram movimentos circulares na arista os quais, por sua vez, empurram a semente para o interior do solo. A vibração induzida nas aristas pelo vento também auxilia o enterramento das sementes. Um tufo de pêlos localizado na base de uma pequenas peças que envolvem a semente, chamadas glumelas, ou na sua proximidade, funciona de forma análoga a um anzol, dificultando o arranque da semente do solo.
A arista, consoante as espécies, poderá ainda precaver a herbivoria (e.g. as aristas dificultam o corte, o arranque e a deglutição das plantas), auxiliar a dispersão (e.g. sementes suspensas no pêlo dos mamíferos) e, já no solo, auxiliar a queda de algumas das peças que envolvem a semente e facilitar germinação e o estabelecimento das plantas.




Gaudinia fragilis (Poaceae) em flor. Planta muito frequente em prados naturais (lameiros) de coluviões medianamente húmidos. Na figura identificam-se os estames característicos das poáceas (grandes e em forma de X) e as aristas situadas no ápice das glumelas inferiores (uma das duas peças que envolve a flor) [foto C. Aguiar]

quinta-feira, 16 de abril de 2009

O som da seara de centeio e o centeio do som da seara.

O centeio é um dos cereais praganosos mais precoces, um dos que cumpre mais rapidamente o ciclo de vida anual característico de todos os cereais. Pragana é uma designação caída em desuso de arista. Com o mesmo significado e também em desuso está o termo saruga, que Gonçalo Sampaio usa na sua Flora Portuguesa. O que é a arista e para que serve fica para o próximo post. Há que manter a audiência em “suspense” ;-)
Bom, continuando, as searas de centeio estão na fase de emborrachamento (subida das espigas pela bainha da última folha) ou está a decorrer a emergência da espiga. A floração aproxima-se.
Uma seara de centeio batida pelo vento num dia de frio de Primavera é uma daquelas sensações difíceis de descrever. As espigas agitam-se (e têm mesmo que se agitar porque o centeio é uma planta alogâmica polinizada pelo vento) e desenham ondas com diferentes tonalidades de verde. A cor das searas de centeio e de trigo é muito diferente. O trigo tem um verde brilhante, saudável, produtivo. O verde do centeio é sombrio, esbatido, importa algo dos solos escuros e ácidos onde é cultivado. E o som? A seara de trigo tem um som honesto, comedido, passa desapercebido. A seara de centeio restolha, abafa o piar das cias e das lavercas, incomoda.
Porquê?
Observem a imagem ...

Secale cereale
(Poaceae) «centeio [foto C. Aguiar]

A glumela inferior, uma das duas pequenas peças que protegem a flor, tem uns dentinhos que roçam nas peças das espiguetas vizinhas, e produzem som. Porquê? Nunca encontrei uma explicação para o facto. Uma boa hipótese, entre tantas outras, poderia ser a seguinte: os cereais são atacados por piolhos das plantas. Aliás, no centro e norte da Europa, aplicam-se aficidas ("mata-piolhos" de síntese) para os controlar. Será que estes dentinhos são uma espécie de pente anti-afídeo? A poesia agora é outra, a da evolução.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Condenadas a crescer

Ao contrário dos animais, as árvores, assim como a maioria das plantas lenhosas, têm um crescimento indeterminado: crescem até morrer, com interrupções nos períodos desfavoráveis, demasiado frios ou demasiado secos. Porquê? Duas explicações.
As peças que compõem o corpo das árvores têm que ser ciclicamente substituídas. Os feixes vasculares cavitam ou entopem, o sistema fotossintético degrada-se pela acção da luz, os herbívoros comem as folhas, as brocas perfuram os caules, os fungos (bem, nem todos serão fungos, às Phythophtora nem sei o que lhes hei-de chamar! algas sem clorofila?) aniquilam as raízes e o vento quebra os ramos e rompe as folhas. Por outro lado, as plantas são uma espécie de "construção lego", de poucas peças (e.g. um entre-nó com uma, ou mais, folhas a axilar um meristema), impossíveis de reparar (a parede celulósica não é desmontável), reiteradas de vastas formas no espaço e no tempo.
Quanto se esgotam os recursos os animais deslocam-se, mudam de lugar. E as plantas? Que opções tem uma árvore quando uma vizinha a ameaça com a sua sombra ou os nutrientes e água escasseiam, e se esgotam? A solução é alongar e ramificar os ramos e as raízes ... e perseguir os recursos. Mudar de lugar, para as árvores, chama-se crescer.


Pinus halpensis (Pinaceae) [foto C. Aguiar]

Erythronium dens-canis (Liliaceae)

O E. dens-canis (Liliaceae) «dente-de-cão» é sem dúvida uma das plantas mais fotogénicas da flora de Portugal continental.


Erythronium dens-canis (Liliaceae) (Fotos C. Aguiar)

Com facilidade pode ser observado a emergir da folhada dos carvalhais nas montanhas do norte de centro. Floresce na segunda quinzena de Março. Quando as árvores abrolham a formação do fruto já vai adiantada.
O E. dens-canis propaga-se vegetativamente através pequenos tubérculos produzidos na extremidade de rizomas delgados com um único nó. Uma forma elegante de evitar que as plantas-filhas, no ano seguinte, compitam intensamente umas com as outras. Na maior parte das plantas bulbosas os bolbos ou bolbilhos-filho formam-se na proximidade da planta-mãe (e.g. tulipas e narcisos).

domingo, 12 de abril de 2009

Murbeckiella sousae (Brassicaceae)

Murbeckiella sousae (Brassicaceae) [foto TMH]

Murbeckiella sousae (Brassicaceae) [foto TMH]

Junto, então, algumas imagens da Murbeckiella sousae.
Esta pequena população, que existia (em 2005) num talude da estrada de Arouca para a Serra da Freita, foi infelizmente destruída, com o alargamento da referida estrada.


Murbeckiella sousae (Brassicaceae) [foto TMH]

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Potentilla neumanniana (Rosaceae)

As plantas mais interessantes pela sua raridade, forma, o quer que seja, podem conviver lado a lado connosco, competir pelos mesmos espaços e, ainda assim, passarem desapercebidas. Aqui vai um exemplo.
Fazendo fé nas etiquetas do herbário PO (Faculdade de Ciências do Porto) o Prof. Gonçalo Sampaio colheu plantas na região de Bragança entre 1903-1909. Numa das suas excursões pela região encontrou na Serra de Nogueira, uma fabulosa serra (um dia destes explicarei o porquê) situada a menos de 10 km a WSW de Bragança, uma Potentilla invulgar hoje conhecida por Potentilla neumanniana. 50 anos mais tarde, nos anos 60 do séc. XX, o Engº Pinto da Silva tentou em vão reencontrar a mesma planta. De facto é preciso ter sorte para "tropeçar" na P. neumanniana nas clareiras de carvalhal mais abertas e livres da competição de gramíneas, porque o seu período de floração é muito curto e precoce.


Como podem confirmar na fotografia em anexo os relvados da Escola Superior Agrária de Bragança cobrem-se de P. neumanniana na segunda-terceira semana de Março. Suponho que esta seja a população mais numerosa da espécie em Portugal. Mas não é a única planta rara nestes relvados adubados, regados e aparados com corta-relva. No início de Março, bem encostadinha aos lancis de granito, floresce a Viola suavis (Violaceae).

A que se deve esta invulgar combinação florística de Lolium perenne, Trifolium repens e espécies RELAP? A explicação é simples. Em Bragança quem precisa de "terra vegetal" pega numa pá e parte numa carrinha de caixa aberta para Serra de Nogueira. Fica mais barato do que a turfa e a terra tem mais nutrientes.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Phalacrocarpum oppositifolium (Asteraceae)

Se, um destes dias, descerem o vale do Zêzere a montante de Manteigas (Serra da Estrela), poderão reparar que mesmo sem pingo chuva há mais de um mês, duas plantas teimam em florir pontuando os taludes de amarelo e branco. A flores amarelas são um narciso que se dá pelo nome de Narcissus rupicola (Amaryllidaceae). Os pontos brancos correspondem aos capítulos do Phalacrocarpum oppositifolium (Asteraceae).
O Ph. oppositifolium tem muito que se lhe diga. Entre outros pormenores morfológicos tem folhas opostas (duas folhas por nó), um carácter raro nas asteráceas holárticas. Depois, o género Phalacrocarpum é um dos poucos géneros endémicos da Península Ibérica.
No Parque Natural de Montesinho, na Serra de Nogueira e nas margens da Barragem do Azibo (Macedo de Cavaleiros) pode ser observado um outro endemismo ibérico ocidental - o Ph. hoffmannseggii. Esta espécie distingue-se do Ph. oppositifolium por ter folhas menos recortadas. Curioso, o Ph. oppositifolium prefere granitos, o Ph. hoffmannseggii só em xistos.




Phalacrocarpum oppositifolium (Asteraceae) (foto C. Aguiar)

terça-feira, 7 de abril de 2009

Murbeckiella sousae e M. boryi (Brassicaceae)

No último post referi a Murbeckiella sousae. Como não sei onde tenho as fotos desta planta, em troca, aqui vai uma M. boryi.


Murbeckiella boryi (Brassicaceae) [foto C.Aguiar]


A M. boryi é um endemismo Ibérico e Norte Africano presente, em Portugal continental, na Serra da Estrela. A M. sousa é uma vicariante ocidental da M. boryi, endémica das serras da Lousã, Marão e Freita. Ambas espécies são plantas rupícolas acidófilas de sombra. Distinguem-se facilmente, uma da outra, através do recorte das folhas da base e do comprimento das pétalas e dos frutos.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Asplenium septentrionale (Aspleniaceae)

O A. septentrionale é um pequeno feto, embora à primeira vista não o pareça, rupícola silicícola (i.e. de afloramentos de rochas ácidas).
O A. septentrionale é um forte candidato ao título de feto mais raro de Portugal Continental. Embora tenha uma área de distribuição muito lata (a área de distribuição prolonga-se pela Ásia e atinge a América do Norte), no Continente, só é conhecido da Serra da Estrela e de algumas das elevações que envolvem a cidade de Bragança. Está também citado para a Ilha da Madeira.
Esta espécie é um bom pretexto para alertar para o risco que representam os estudos de impacte ambiental de parques eólicos "por correspondência". A selecção dos locais onde se implantam as torres e os respectivos acessos deve ser antecedida de uma cartografia minuciosa da flora. Com um pouco de cuidado facilmente se pode evitar a destruição de uma população de A. septentrionale, de Murbeckiella sousae, de Festuca summilusitana, ou de qualquer outra planta rara adaptada a habitats rochosos.

Asplenium septentrionale (Aspleniaceae) [foto C. Aguiar]

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Pterospartum tridentatum (Fabaceae) «carqueja»

A carqueja é um pequeno arbusto muito frequente com três subespécies em Portugal que, a seu tempo, apresentarei.
A infusão das flores da carqueja cura todas as maleitas, assim o dizem, e um coelho-manso transmuta-se, no pote, em coelho-bravo com a ajuda de um pequeno ramo desta planta. Porém o mais fascinante da carqueja está na sua morfologia. As plantas dos género Pterospartum têm caules alados, i.e. com duas asas longitudinais que desempenham a função fotossintética. As folhas estão reduzidas a um curto triângulo rematado por um pequeno espinho. Ladeiam a folha duas estípulas, também de forma triangular, intimamente soldadas à folha na base. Como geralmente acontece nas plantas com flor, na axila das folhas encontra-se um gomo, na figura prestes a abrolhar.


Pterospartum tridentatum (Fabaceae) «carqueja» [foto C.Aguiar]

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Cardaria draba (L.) Desv. (Brassicaceae)


Cardaria draba num biótopo viário em Lisboa (J.Capelo, telemóvel, 2009)


Nem só de plantas raras vivem os botânicos. A Cardaria draba (L.) Desv. é uma brassicácea (crucífera) circum-mediterrânica sub-nitrófila que está florida agora. É considerada - entre muitas outras importadas do Velho Mundo - uma perigosa e agressiva invasora de arrelvados naturais e pastagens nos E.U.A. O nome vulgar: 'erva-fome' talvez se refira essa característica destrutiva das pastagens. A globalização das plantas começou logo quando a primeira caravela largou ferro em praias americanas.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Myosotis personii (Boraginaceae)

Este Myosotis é bem fácil de identificar no campo. É a única espécie peninsular que combina flores amarelas com a presença de umas pequenas folhas modificadas na inflorescência (brácteas).
Quem já tentou identificar plantas do género sabe que os Myosotis são uma "dor de cabeça". Felizmente, a Flora Iberica disponibilizou um tratamento, com muitas novidades, destas pequenas boragináceas em http://www.floraiberica.es/floraiberica/texto/borradores/vol_XI/11_138_21_Myosotis.pdf.

Myosotis personii (Boraginaceae) [foto C.Aguiar]