quinta-feira, 16 de abril de 2009

O som da seara de centeio e o centeio do som da seara.

O centeio é um dos cereais praganosos mais precoces, um dos que cumpre mais rapidamente o ciclo de vida anual característico de todos os cereais. Pragana é uma designação caída em desuso de arista. Com o mesmo significado e também em desuso está o termo saruga, que Gonçalo Sampaio usa na sua Flora Portuguesa. O que é a arista e para que serve fica para o próximo post. Há que manter a audiência em “suspense” ;-)
Bom, continuando, as searas de centeio estão na fase de emborrachamento (subida das espigas pela bainha da última folha) ou está a decorrer a emergência da espiga. A floração aproxima-se.
Uma seara de centeio batida pelo vento num dia de frio de Primavera é uma daquelas sensações difíceis de descrever. As espigas agitam-se (e têm mesmo que se agitar porque o centeio é uma planta alogâmica polinizada pelo vento) e desenham ondas com diferentes tonalidades de verde. A cor das searas de centeio e de trigo é muito diferente. O trigo tem um verde brilhante, saudável, produtivo. O verde do centeio é sombrio, esbatido, importa algo dos solos escuros e ácidos onde é cultivado. E o som? A seara de trigo tem um som honesto, comedido, passa desapercebido. A seara de centeio restolha, abafa o piar das cias e das lavercas, incomoda.
Porquê?
Observem a imagem ...

Secale cereale
(Poaceae) «centeio [foto C. Aguiar]

A glumela inferior, uma das duas pequenas peças que protegem a flor, tem uns dentinhos que roçam nas peças das espiguetas vizinhas, e produzem som. Porquê? Nunca encontrei uma explicação para o facto. Uma boa hipótese, entre tantas outras, poderia ser a seguinte: os cereais são atacados por piolhos das plantas. Aliás, no centro e norte da Europa, aplicam-se aficidas ("mata-piolhos" de síntese) para os controlar. Será que estes dentinhos são uma espécie de pente anti-afídeo? A poesia agora é outra, a da evolução.

1 comentário:

  1. Poesia por poesia e divagação por divagação, comentarei que para um Lisboeta radicado em Trás-os-Montes, o ondular de uma seara de centeio num dia frio de primavera é a sensação mais próxima e verdadeiramente gostosa do marulhar! O ondular de uma seara de centeio que se adivinha pela cor até ao limite do horizonte substitui e preenche a ausência do mar. As espigas pendulas e despenteadas, agressivas ao tacto (devido aos dentinhos das glumelas) conferem-lhe irreverência e dão-lhe um carácter indomável, tal como pode ser o mar.
    O trigo moderno é bem diferente! O pretenso verde saudável esconde uma aliança obscura com factores de produção e melhoramento genético. O ar honesto, diria eu, que é mais rígido, altivo, intolerante, de quem sabe que será sempre protegido. O som comedido é o de quem não pode reclamar, porque se deixou dominar ao longo do tempo. Que o digam os seus irmãos e primos, há muito afastados e que tal como o centeio exibiam gloriosa pragana e glumelas denticuladas!
    Para além da cor, do som, da forma da espiga, o centeio pode ser considerado um símbolo da rusticidade e resistência e como diziam alguns agricultores «nesta terra (Trás-os-Montes), o centeio é rei e vale mais um mau centeio que um bom trigo».
    Mas o centeio, o trigo e os cereais são mote para muito mais que a mera divagação...

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