Pertencem ao subgénero Quercus dois conhecidos carvalhos: Q. robur «carvalho-alvarinho» e Q. pyrenaica «carvalho-negral". Dizem-nos os livros que estes são os únicos Querci caducifólios de Portugal. Bem, como veremos um dia, nenhum deles demonstra uma caducifolia "perfeita".
Os Quercus são espécies monóicas, i.e. os indivíduos dispõem de flores masculinas e femininas. As flores femininas diferenciam-se nos ramos do ano; as masculinas geralmente emergem de gomos especializados ou estão inseridas na base dos ramos do ano (vd. post Juglans regia I)
Flores de Q. robur. N.b. amento já seco de flores masculinas a emergir de um gomo hibernante (gomo do ano anterior); flores femininas localizadas extremidade de um longo pedúnculo por sua vez inserido num raminho do ano; galha de Neuroterus quercusbaccarum, uma pequena vespa da família Cynipidae (Hymenoptera), com a forma de uma pequena esfera [Stª Maria da Feira, 29-III-o9, foto C. Aguiar]
Amentos masculinos de Q. robur [Stª Maria da Feira, 29-III-o9, foto C. Aguiar]
Flores femininas de Q. robur. N.b. flores nuas com um conjunto de pequenas escamas na base que darão origem a uma estrutura em forma de taça (cúpula) que envolverá parcialmente os frutos maduros [Stª Maria da Feira, 29-III-o9, foto C. Aguiar]
Flores femininas de Q. pyrenaica localizadas na axila de folhas. N.b. as flores do Q. pyrenaica as flores são sésseis, i.e. não estão inseridas num pedúnculo como no Q. robur; flor feminina envolvida por uma cúpula (como no Q. robur); estípulas lineares muito longas que pronto tombarão no solo [Bragança, 16-V-09, foto C. Aguiar]
Fruto (glande) de Q. pyrenaica. N.b. cúpula em forma de taça revestida de escamas; restos do estilete na extremidade apical do fruto [foto C. Aguiar]
Além dos aspectos relacionados com a posição espacial das flores é importante reparar que a floração do Q. robur no litoral (e o abrolhamento das folhas) verifica-se cerca de dois meses mais cedo do que na montanha interior. Esta diferença deve-se ao efeito conjugado da altitude e da continentalidade e ao facto do Q. robur ter uma fenologia muito mais precoce do que a do Q. pyrenaica.
As geadas tardias, tão frequentes no interior e na montanha, têm um efeito devastador nos tecidos tenros dos raminhos do ano. O Q. pyrenaica protege-se das geadas atrasando o abrolhamento para os meados da Primavera ... mas não só.
A questão das diferentes épocas de abrolhamento dos carvalhos nortenhos é interessante, levantando outras interrogações: qual a explicação para a permanência a baixas altitudes do Q. pyrenaica? Embora dominado, surge aqui e acolá do Minho à Bairrada, por entre perenifólias e caducifólias temporãs, e não só em estações xerofíticas. Interferência humana? Ab. JPinho
ResponderEliminarJoão, a tua pergunta é pertinente mas de resposta difícil. Apenas te poderei oferecer uma hipótese de trabalho porque não tenho uma solução definitiva.
ResponderEliminarO carvalho-negral tem um óptimo, i.e., é dominante nos bosques climatófilos (de solos zonais) supramediterrânicos húmidos. Domina ainda o estrato arbóreo dos bosques mesomediterrânicos húmidos, por exemplo, no interior da superfície de erosão do Mondego, na Serra de S. Mamede e numa pequena faixa altitudinal da Serra Sintra. No andar bioclimático supratemperado submediterrânico oceânico co-existe com o Q. robur. Desce ao mesomediterrânico sub-húmido subordinado aos Querci perenifólios na Terra Quente transmontana.
Em condições de grande oceanidade, por exemplo no Minho, sob um bioclima mesomediterrânico sub-húmido, o Quercus robur é largamente dominante. Um aumento da continentalidade, declives mais intensos, exposições a sul reduzem a pujança do Q. robur e permitem um progressivo ganho de importância do Q. suber e do Q. pyrenaica. A continentalidade tem um papel particularmente neste processo.
O padrão é sempre o mesmo em todo o mundo. Nas fronteiras bioclimáticas a presença e a abundância das espécies dominantes das formações climácicas é controlada por factores ecológicos irrelevantes no “core” (no óptimo) da área de distribuição dessas espécies.
No entanto, uma combinação bioclimática favorável é insuficiente para garantir a presença do Q. pyrenaica, ou de qualquer outra planta. Evidentemente, é necessário que ela faça parte da “pool” regional de espécies, i.e. que esteja disponível. No Minho e na Beira Litoral o efeito da proximidade das montanhas é evidente na penetração do Q. pyrenaica nas terras baixas. Ainda assim, num país pequeno como Portugal, as vicissitudes paleo-históricas e as vias de migração e, por conseguinte, a posição biogeográfica, têm um efeito pouco marcado na distribuição das árvores (temos pouco espaço para a vicariância).
Em resumo, julgo que a explicação do fenómeno que descreves é eminentemente bioclimático. O efeito do homem pode localmente ter algum significado porque o Q. robur foi, muitos vezes, seleccionado negativamente.
Olá Carlos, obrigado pela resposta, com a qual não posso deixar de concordar. Julgo que o carácter arboricida do lusitano e a Pequena Idade do Gelo terão (nos últimos séculos) criado as condições de abertura do coberto para que os gaios das faldas das serras da Freita e do Caramulo irem com sucesso semeando negrais nas cotas mais baixas...
ResponderEliminarAbraço e um bom Dia Mundial da Conservação das Plantas! JPinho
que lind0
ResponderEliminaro blog está o máximo, com informações super interesantes.
ResponderEliminarparabens!
juliana-go
O blog é de facto muito bom, e para quem gosta de plantas autóctones como eu e em especial de arvores(fagaceas).
ResponderEliminarNo entanto lanço uma pergunta, e que um dos intrevinientes do blog vai conhecer quem sou.
Que vegetação(quercus) se encontrava a norte da soleira dos pianos, em areias do plistocénico em que essas areias e cascalheiras já consolidadas mais concretamente no mucifal, assafora, e em algumas partes de magoito, e de onde existe agua no seu subsolo; e em que o clima nesta zona de Potugal quee devido à orientação da costa que é no sentido sudoeste nordeste e que se preconiza com grande ocorrencia de nevoeiros, muito similar com a Serra de Sintra, com a excepção da precipitação.
Que tipo de quercus existiriam aqui nestas areias, pois se encontram na Azoia(Sintra) e no mucifal(aqui em grés superiores) quercus pyrenaica?
Esqueci-me são as fagaceas mas do genero quercus
ResponderEliminarO Q. pyrenaica tb vive no piso termomediterrânico, onde o ombrótipo em simultâneo com a descida da continentalidade jogam um papel importante. Isto porque os nevoeiros de advecção transformam-se em precipitação oculta, que durante o verão é favorável a estes bosques marcescentes, nomeadamente em àreas mediterrânicas. Tanto no Sul do País como na Extremadura Espanhola chegam a existir carvalhais de Q. pyrenaica com orlas de Asparago Rhamnion! São curiosos os povoamentos perto do mar, onde provavelmente alguma dessecação do vento possa impedir que sejam dominados por Q. robur...Efectivamente nas areias plistocénicas litorais a norte de Lisboa podemos ter Carvalhais de Q. pyrenaica nas cascalheiras consolidades, mas creio que o dominio climácico pertencerá a Q. robur.
ResponderEliminarTambém os povoamentos co-dominados por Q. pyrenaica no Distrito Monchiquense por Q. marianica deixam antever que existirá em determinadas situações edáficas (grau de trofia ou outra) um potencial para Q. pyrenaica, ou por outro lado tenha vindo a "perder terreno" para outros Querci marcescentes. Esta dicotomia em substratos siliciosos com Q. marianica e Q. broteroi é um interessante caso de estudo, pois repete-se largamente no Oeste Ibérico.
Apenas uma opinião
Carlos Vila-Viçosa
Viva Carlos,
ResponderEliminarSempre me intrigou a ausência de Quercus petraea em Portugal. Há alguma razão óbvia para esta ausência?
Descobri estes posts só agora em 2014, espero que não se importe de voltar anos depois de o ter publicado!
Obrigado,
Pedro Lérias