Eixo floral (= receptáculo) e fruto em formação de Magnolia grandiflora (Magnoliaceae) logo após a queda das tépalas. De baixo para cima identificam-se as cicatrizes das tépalas, as cicatrizes dos estames (reparar que estão dispostas em espiral, um carácter assumido como primitivo) e o fruto em formação. No fruto imaturo - fruto múltiplo de folículos - observam-se carpelos livres próprios de um gineceu apocárpico (outro carácter primitivo) com os estigmas já secos [foto C. Aguiar]. N.b. o adjectivo "primitivo" está fora de moda, foi banido entre outras razões porque é politicamente incorrecto!!!
Dominavam na altura as ideias de dois amigos improváveis – o soviético/arménio, Armen Takhtajan, e o estadunidense, investigador do Jardim Botânico de Nova York, Arthur Cronquist (que em plena guerra fria aprendeu russo para ler os textos dos botânicos soviéticos e se deliciava a cantar com voz de barítono áreas de óperas russas) – ambos influenciados por outro grande botânico estadunidense, C. Bessey [1845-1915].
Armen Takhtajan [1910-] e Arthur Cronquist [1919-1992] [foto extraída daqui]
As primeiras flores, defendiam estes autores, eram grandes, com muitas peças inseridas em espiral num eixo alongado, com as peças do perianto semelhantes entre si (i.e. com tépalas), estames pouco diferenciados e carpelos livres (vd. foto de M. grandiflora). A flor primitiva seria polinizada por escaravelhos (coleópteros) que em troca do serviço polinização se banqueteavam com tépalas e estames cheios de energia, provocando geralmente sérios estragos nas peças florais.
Com entrada em cena nas duas últimas décadas da filogenia molecular e dos métodos cladísticos a interpretação da flor primitiva evoluiu assinalavelmente. A continuação da narrativa fica adiada para um destes dias.
Com um pouco de abstracção conseguimos, olhando para uma flor de magnólia, perceber claramente como mesmo as peças florais mais diferenciadas das folhas — pétalas, estames e carpelo — ainda mantêm traços da estrutura foliar original donde provêm. Os carpelos, esses, sugerem claramente a imagem de uma folha que se dobrou e suturou para envolver a semente. Estrutura vegetativa lenhosa, peças florais não fundidas, simetria floral radial, ovários súperos, flores solitárias — ainda se está longe das sofisticações que as traqueófitas só mais tarde conquistariam: porte herbáceo, simetria zigomórfica das flores, peças florais soldadas entre si, ovários ínferos, flores agrupadas em capítulos… Maravilhoso o processo evolutivo que da magnólia fez descender a margarida.
ResponderEliminarNoutro aparte, reparo como há mulheres baptizadas de magnólia. Parece um nome intrinsecamente feminino… No entanto, mais não é do que uma homenagem ao sr. Pierre Magnol, botânico monspessulano do Iluminismo. A palavra "magnólia", em contrapartida, é tão eufónica que parece ter ganho vida própria: a flor já não tem nome de homem, é o homem que tem nome de flor.
Belo post de homenagem a estes dois grandes botânicos.
ResponderEliminarCarlos, corrijo — enviei o comentário de há pouco sob a conta de uma "Comissão de Estágios". Foi engano, era eu.
ResponderEliminarFormidável o empenho de Cronquist em conhecer a flora da União Soviética, então inacessível por motivos políticos aos botânicos ocidentais. Recordo-me que o Heinrich Walter também se lamentava, nos seus escritos, de pela mesma razão não ter podido explorar por conta própria a vegetação siberiana, tendo-se contentado com a leitura de relatórios científicos dos cientistas locais.
ResponderEliminarPor acaso nem se notava de quem se tratava nem nada... :-)
ResponderEliminarHumboldt também viu indeferido o seu pedido da coroa portuguesa para visitar o Brasil. a 'Narrativa' hoje teria sido sobre esse território. Mas a recusa portuguesa chega a ser infame pois aproximadamente na mesma altura o grande naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira explorou a mata brasileira, para descobrir no seu regresso a Lisboa, que a sua colecção apodrecia na Academia das Ciências ainda tal e qual tinha sido embalada. Maneiras distintas de tratar os cientistas, que fazem com que ninguém conheça A. R. Ferreira e toda a gente possa apreciar na íntegra as colecções de Darwin no British Museum.
ResponderEliminarPedro, as imagens são fortes. Uma folha - o carpelo - com primórdios seminais na margem que se dobra pela nervura média. A margens dessa folha "primitiva" com funções reprodutivas coalescem e acabam por se soldar encerrando os primórdios seminais numa nova estrutura que toma o nome de pistilo (e não carpelo, como se lê em alguns livros de texto de biologia, e.g. 6º ano). É provável que assim tenha sucedido, dizem os livros, mas as provas impressas nos registo fóssil são circunstanciais.
ResponderEliminarAgradeço a chamada de atenção quanto ao termo "carpelo" versus "pistilo". Tenho por hábito usar esses termo segundo a primeira acepção que dele aprendi no velhinho "Noções sobre a Morfologia Externa das Plantas Superiores", de Carvalho e Vasconcelos (1944): "entende-se por pistilo cada carpelo ou conjunto de carpelos, constituindo um ovário". O mesmo autor também usa "folha carpelar" como sinónimo de "carpelo".
ResponderEliminarNa descrição das Magnoliáceas, autores contemporâneos como Heywood e López-González recorrem ao termo carpelo para designar essas peças básicas (chamemos-lhes assim para evitar redundâncias, por ora) do gineceu.
Sendo assim, que faremos da palavra "carpelo", doravante? Dar-lhe-emos uma acepção distinta da de "pistilo"? Abandoná-la-emos, substituindo-a sempre e definitivamente pelo termo "pistilo"? Que texto tomaremos por normativo, nesta questão lexical?
Pedro, não estava a chamar a tua atenção porque o teu post, como sempre acontece, estava correctíssimo. Confrontei os dois conceitos - carpelo e pistilo - porque tinha acabado de detectar uma pequena imprecisão nas páginas de botânica do livro texto do 6º ano de uma das minhas filhas.
ResponderEliminarA questão que levantas é, como sabes, recorrente nos livros da especialidade.
O conceito de carpelo é claro: uma folha modificada com funções reprodutivas. O carpelo é um antófilo fértil.
O termo pistilo tem sido usado com vários significados. É um "nome dúbio" :-) Ainda assim creio que o conceito está a estabilizar. Tendencialmente, chama-se pistilo a uma estrutura reprodutiva feminina fechada, geralmente com a forma de uma pequena garrafa, que isola os primórdios seminais do exterior. Por conseguinte, o pistilo é exclusivo das angiospérmicas.
Um pistilo pode ter um único carpelo ou ser pluricarpelar (2 ou mais carpelos concrescentes). Nos gineceus monocarpelares e nos gineceus pluricarpelares apocárpicos (de carpelos livres, como nas magnólias) o pistilo coincide com o carpelo; nos pluricarpelares não.
No dito livro uma seta aponta para um ovário de um Lilium com a legenda: carpelo. A legenda é incorrecta porque o pistilo das Liliaceae tem três carpelos. Mais adiante refere que o carpelo é constituído por ovário, estilete e estígma. Estas três partes são, na realidade, características da maioria (não de todos) os pistilos.
Esta discussão é um bocado bizantina. Mas a imprecisão conceptual é fracamente prejudicial em qualquer ciência. Que o digam os ecólogos.
Parabéns por saber desse tanto de coisa ! NOTA 10
ResponderEliminarConcordo inteiramente com o Carlos Aguiar quanto aos conceitos de carpelo e pistilo e tb/ foi sempre assim que ensinei nas minhas aulas. Quanto às magnólias é patente a estrutura algo primitiva dos seus órgãos florais e nota-se alguma semelhança com as Gimnospérmicas donde provieram na evolução.José Ribeiro.
ResponderEliminar