sexta-feira, 22 de maio de 2009

A flor das angiospérmicas II

Há 25 anos atrás aprendi que a flor das magnólias (género Magnolia, família Magnoliaceae) e de outras famílias afins (e.g. Winteraceae) eram um modelo apropriado da flor ancestral das angiospérmicas. I.e., as flores das primeiras plantas com flor (= angiospérmicas), “nascidas” algures no início de Cretácico quando os dinossauros pululavam pela Terra, seriam semelhantes àquelas plantas.

Eixo floral (= receptáculo) e fruto em formação de Magnolia grandiflora (Magnoliaceae) logo após a queda das tépalas. De baixo para cima identificam-se as cicatrizes das tépalas, as cicatrizes dos estames (reparar que estão dispostas em espiral, um carácter assumido como primitivo) e o fruto em formação. No fruto imaturo - fruto múltiplo de folículos - observam-se carpelos livres próprios de um gineceu apocárpico (outro carácter primitivo) com os estigmas já secos [foto C. Aguiar]. N.b. o adjectivo "primitivo" está fora de moda, foi banido entre outras razões porque é politicamente incorrecto!!!

Dominavam na altura as ideias de dois amigos improváveis – o soviético/arménio, Armen Takhtajan, e o estadunidense, investigador do Jardim Botânico de Nova York, Arthur Cronquist (que em plena guerra fria aprendeu russo para ler os textos dos botânicos soviéticos e se deliciava a cantar com voz de barítono áreas de óperas russas) – ambos influenciados por outro grande botânico estadunidense, C. Bessey [1845-1915]

Armen Takhtajan [1910-] e Arthur Cronquist [1919-1992] [foto extraída daqui]

As primeiras flores, defendiam estes autores, eram grandes, com muitas peças inseridas em espiral num eixo alongado, com as peças do perianto semelhantes entre si (i.e. com tépalas), estames pouco diferenciados e carpelos livres (vd. foto de M. grandiflora). A flor primitiva seria polinizada por escaravelhos (coleópteros) que em troca do serviço polinização se banqueteavam com tépalas e estames cheios de energia, provocando geralmente sérios estragos nas peças florais.
Com entrada em cena nas duas últimas décadas da filogenia molecular e dos métodos cladísticos a interpretação da flor primitiva evoluiu assinalavelmente. A continuação da narrativa fica adiada para um destes dias.

11 comentários:

  1. Com um pouco de abstracção conseguimos, olhando para uma flor de magnólia, perceber claramente como mesmo as peças florais mais diferenciadas das folhas — pétalas, estames e carpelo — ainda mantêm traços da estrutura foliar original donde provêm. Os carpelos, esses, sugerem claramente a imagem de uma folha que se dobrou e suturou para envolver a semente. Estrutura vegetativa lenhosa, peças florais não fundidas, simetria floral radial, ovários súperos, flores solitárias — ainda se está longe das sofisticações que as traqueófitas só mais tarde conquistariam: porte herbáceo, simetria zigomórfica das flores, peças florais soldadas entre si, ovários ínferos, flores agrupadas em capítulos… Maravilhoso o processo evolutivo que da magnólia fez descender a margarida.

    Noutro aparte, reparo como há mulheres baptizadas de magnólia. Parece um nome intrinsecamente feminino… No entanto, mais não é do que uma homenagem ao sr. Pierre Magnol, botânico monspessulano do Iluminismo. A palavra "magnólia", em contrapartida, é tão eufónica que parece ter ganho vida própria: a flor já não tem nome de homem, é o homem que tem nome de flor.

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  2. Amborella trichopoda22 de maio de 2009 às 12:00

    Belo post de homenagem a estes dois grandes botânicos.

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  3. Carlos, corrijo — enviei o comentário de há pouco sob a conta de uma "Comissão de Estágios". Foi engano, era eu.

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  4. Formidável o empenho de Cronquist em conhecer a flora da União Soviética, então inacessível por motivos políticos aos botânicos ocidentais. Recordo-me que o Heinrich Walter também se lamentava, nos seus escritos, de pela mesma razão não ter podido explorar por conta própria a vegetação siberiana, tendo-se contentado com a leitura de relatórios científicos dos cientistas locais.

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  5. Por acaso nem se notava de quem se tratava nem nada... :-)

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  6. Humboldt também viu indeferido o seu pedido da coroa portuguesa para visitar o Brasil. a 'Narrativa' hoje teria sido sobre esse território. Mas a recusa portuguesa chega a ser infame pois aproximadamente na mesma altura o grande naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira explorou a mata brasileira, para descobrir no seu regresso a Lisboa, que a sua colecção apodrecia na Academia das Ciências ainda tal e qual tinha sido embalada. Maneiras distintas de tratar os cientistas, que fazem com que ninguém conheça A. R. Ferreira e toda a gente possa apreciar na íntegra as colecções de Darwin no British Museum.

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  7. Pedro, as imagens são fortes. Uma folha - o carpelo - com primórdios seminais na margem que se dobra pela nervura média. A margens dessa folha "primitiva" com funções reprodutivas coalescem e acabam por se soldar encerrando os primórdios seminais numa nova estrutura que toma o nome de pistilo (e não carpelo, como se lê em alguns livros de texto de biologia, e.g. 6º ano). É provável que assim tenha sucedido, dizem os livros, mas as provas impressas nos registo fóssil são circunstanciais.

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  8. Agradeço a chamada de atenção quanto ao termo "carpelo" versus "pistilo". Tenho por hábito usar esses termo segundo a primeira acepção que dele aprendi no velhinho "Noções sobre a Morfologia Externa das Plantas Superiores", de Carvalho e Vasconcelos (1944): "entende-se por pistilo cada carpelo ou conjunto de carpelos, constituindo um ovário". O mesmo autor também usa "folha carpelar" como sinónimo de "carpelo".

    Na descrição das Magnoliáceas, autores contemporâneos como Heywood e López-González recorrem ao termo carpelo para designar essas peças básicas (chamemos-lhes assim para evitar redundâncias, por ora) do gineceu.

    Sendo assim, que faremos da palavra "carpelo", doravante? Dar-lhe-emos uma acepção distinta da de "pistilo"? Abandoná-la-emos, substituindo-a sempre e definitivamente pelo termo "pistilo"? Que texto tomaremos por normativo, nesta questão lexical?

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  9. Pedro, não estava a chamar a tua atenção porque o teu post, como sempre acontece, estava correctíssimo. Confrontei os dois conceitos - carpelo e pistilo - porque tinha acabado de detectar uma pequena imprecisão nas páginas de botânica do livro texto do 6º ano de uma das minhas filhas.
    A questão que levantas é, como sabes, recorrente nos livros da especialidade.
    O conceito de carpelo é claro: uma folha modificada com funções reprodutivas. O carpelo é um antófilo fértil.
    O termo pistilo tem sido usado com vários significados. É um "nome dúbio" :-) Ainda assim creio que o conceito está a estabilizar. Tendencialmente, chama-se pistilo a uma estrutura reprodutiva feminina fechada, geralmente com a forma de uma pequena garrafa, que isola os primórdios seminais do exterior. Por conseguinte, o pistilo é exclusivo das angiospérmicas.
    Um pistilo pode ter um único carpelo ou ser pluricarpelar (2 ou mais carpelos concrescentes). Nos gineceus monocarpelares e nos gineceus pluricarpelares apocárpicos (de carpelos livres, como nas magnólias) o pistilo coincide com o carpelo; nos pluricarpelares não.
    No dito livro uma seta aponta para um ovário de um Lilium com a legenda: carpelo. A legenda é incorrecta porque o pistilo das Liliaceae tem três carpelos. Mais adiante refere que o carpelo é constituído por ovário, estilete e estígma. Estas três partes são, na realidade, características da maioria (não de todos) os pistilos.
    Esta discussão é um bocado bizantina. Mas a imprecisão conceptual é fracamente prejudicial em qualquer ciência. Que o digam os ecólogos.

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  10. Parabéns por saber desse tanto de coisa ! NOTA 10

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  11. Concordo inteiramente com o Carlos Aguiar quanto aos conceitos de carpelo e pistilo e tb/ foi sempre assim que ensinei nas minhas aulas. Quanto às magnólias é patente a estrutura algo primitiva dos seus órgãos florais e nota-se alguma semelhança com as Gimnospérmicas donde provieram na evolução.José Ribeiro.

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