segunda-feira, 13 de julho de 2009

Serra de Montesinho vrs. Serra de Nogueira I

Na Ilustração Transmontana de 1910 encontrei um relato de uma visita de estudo dos alunos do Seminário de Bragança às serras que rodeiam a minha cidade de Bragança.
A parte mais interessante da narrativa é uma descrição comparativa do coberto vegetal das Serras de Nogueira e de Montesinho.
Diz o autor (Pereira, 1910):
Serra de Montesinho: “É certo que, com a nudez arborea que por este lado [Serra de Montesinho] nos descontenta, contrasta singularmente o aspecto das montanhas a oeste da cidade [Bragança], regularmente vestidas d’arvoredo. Desde o Castro [de Avelãs], seguindo pela Castanheira, Formil, Gostei, Donai, etc. a arborização ostenta-se, ora em macissos, ora esparsa, mas efeitando mais ou menos o terreno e embellezando a paysagem”.

Aldeia espanhola de Hermisende na Serra da Teixeira, mesmo ao lado da Serra de Montesinho. N.b. Paisagem vegetal dominada por urzais; árvores concentradas em torno do povoado; o povoado funciona como uma "ilha de fertilidade".


Serra de Nogueira: “É certo que por aquelle lado a árvore não escassêa [Serra de Nogueira]; mas mesmo por ahí se notam largas manchas d’ermo, que outr’ora foram mattas cerradas de carvalho, hoje, mercê do machado destruidor, reduzidas a vegetação rasteira.”

Serra de Nogueira. N.b. Paisagem vegetal de matriz florestal (de bosques autóctones). Em 1910 os carvalhais estavam reduzidos a toiças mais ou menos rasteiras; hoje mercê da redução dos cortes para lenha evoluíram para bosque de alto-fuste.


Peço agora a colaboração dos leitores deste Blog. Pedia-vos que propusessem hipóteses para explicar por que razão a Serra da Nogueira em 1910 e, cem anos depois, em 2009, está dominada por comunidades de Quercus pyrenaica «carvalho-negral» enquanto, a menos de 30 km de distância em linha recta, em a direcção norte, a Serra de Montesinho está coberta por urzais (matos baixos) assanhados de Erica australis subsp. aragonensis. A altitude e a precipitação são semelhantes nos dois maciços montanhosos. Não precisam de conhecer estas Serras, e muito menos a sua vegetação, para darem a vossa opinião, anonimamente, se o entenderem.
[fotos C. Aguiar]

9 comentários:

  1. Ocorrem-me duas razões, que não passam de meros palpites: pastoreio e fogo (geralmente a ele associado). Seria interessante comparar dados históricos acerca do número de rebanhos numa e outra serra.
    Ana.

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  2. Embora as condições naturais sejam sensivelemente as mesmas, o factor que mais influência terá sido diferente(como afirma o Pequete).

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  3. Caríssimo Carlos

    Na serra de Montesinho as rochas são ácidas (granitos, suponho), enquanto q na serra de Rebordãos ou Nogueira predominam as rochas básicas, que parecem ser perfeitas para o carvalhal -também nos Alpes e em muitos outros locais (Barrocal Alg., Serra de Aire, por ex.) as rochas básicas possuem flora e vegetação riquíssimas.
    Já as rochas ultrabásicas possuem uma vegetação mais modesta...
    Para além destas grandes diferenças litológicas, bem conhecidas, porém, não sei explicar quais os mecanismos químicos ou fisiológicos responsáveis...

    Um grande abraço,
    ZG

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  4. Qual o regime de pastoreio nos dois espaços? Como é a regeneração natural de Qp na serra da Nogueira?
    Atentamente,

    João Bicho

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  5. Actualmente, a Serra de Nogueira não é pastada. A Serra de Montesinho só por vacas, basicamente restringidas às áreas de pastagem. Não é fácil especular sobre o pastoreio no passado histórico.
    Exceptuando as terras agrícolas ou as áreas de abandono muito recente, a Serra de Nogueira é um carvalhal quase contínuo. A maioria das áreas de alto fuste resulta da evolução de carvalhiças, i.e. carvalhais arbustivos explorados para lenha.

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  6. Eu penso que a solução do mistério tem que estar na natureza dos solos! - uma característica tão importante e, ao mesmo ttempo, tão misteriosa!!!

    zg

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  7. Ora aqui vai mais um alvitre, baseado na sabedoria dos pioneiros que tentaram avaliar as potencialidades agrológicas de Portugal.

    Para este desafio nada melhor do que consultar o primeiro relatório “florestal” moderno, o de 1864. Lá, quando é descrito o “2.º tracto” da Provincia de Traz-os-Montes, é referido (passo a citar): “Os schistos, grauwackes e calcareos crystallinos constituem a maior parte d’este tracto para o norte de Villas-Boas e de Chacim, sendo atravessados pelos granitos na vertente noroeste da serra de Bornes, entre os Cortiços e Mirandella, nos contrafortes da serra de Nogueira perto de Rebordainhos, em Torre-de-D.-Chama, etc. São, porém, profundamente e em vastas extensões alterados pelas rochas dioriticas, entre Chacim e Izeda, nas vizinhanças de Macedo, em Valle-de-Nogueira, entre Rebordãos e Bragança, e d’esta cidade para Vinhaes, tendo influído essencialmente esta alteração para a formação em muitos pontos de um solo vegetal mais fundo e productivo.”

    Já o Projecto de Arborização do Perímetro Florestal da Nogueira, de 1939, também reconhece que “os terrenos que constituem a área a arborizar são em geral de bôa qualidade, regularmente profundos, consequência do seu pequeno declive e presença de abundante vegetação”. A sua actualização dos anos 50 reconhece esta superior qualidade, porém discriminando as “2 realidades” da serra da Nogueira, uma de solos “muitíssimos pobres” outra de “solos bons” ocupados por carvalhal espontâneo e muitas outras espécies florestais.

    Parece-me ser esta a explicação para a discrepância das paisagens da Nogueira (maior parte) e das serranias envolventes – diferentes fisiografia e geologia, diferentes potencialidades agrárias, diferentes sistemas agrários, diferentes organizações do uso do solo para melhor suportar o povoamento humano – aliás, provavelmente, menos denso em Montesinho. Aqui, os ecossistemas desde há muito regrediram até aos últimos estádios (matos baixos e pastagens pobres), evolução característica da generalidade dos ecossistemas serranos declivosos, siliciosos e chuvosos do Norte e Centro.

    Abraço, JPinho

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  8. Uma resposta brilhante!!

    abraço,
    zg

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  9. outra diferença: estando em Bragança, a face de Nogueira é virada a Norte e Montesinho a Sul....

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