"E tu toma trigo, e cevada, e favas, e lentilhas, e milho miúdo, e espelta, e mete-os numa só vasilha, e deles faz pão. Conforme o número dos dias que te deitares sobre o teu lado, trezentos e noventa dias, comerás disso." Ezequiel 4:9
Esta belíssima passagem de Ezequiel atesta a importância da lentilha -
Lens culinaris - nos mediterrâneo oriental, nos meados do I mil. a.C.
Antes da generalização do uso de fertilizantes químicos azotados, a lentilha era também largamente cultivada na Ibéria na produção de grão para consumo humano, de feno para os animais ou como melhoradora da fertilidade do solo. Por exemplo, na Terra-Quente transmontana semeavam-se os olivais com lentilhas no Outono para serem fenadas na Primavera. O solo era demasiado escasso e as aldeias demasiado povoadas para deixar por cultivar as entrelinhas dos olivais tradicionais.
As lentilhas, há semelhança de tantas outras cultivadas, provêm do mediterrâneo oriental. Como referi
aqui, fazem parte do "founder crops package", do primeiro grupo de plantas domesticadas, no início do Holocénico no Crescente fértil.
O ancestral da lentilha já foi identificado -
Lens orientalis; as mais antigas evidências de domesticação datam de 11.000 BP (antes do presente).
Em Portugal temos duas espécies indígenas do género
Lens:
L. nigricans e
Lens lamottei (vd.
aqui).
Lens nigricans (Fabaceae), uma planta de orlas sombrias de bosques perenifólios sobre rochas ricas em cálcio. N.b. pedúnculo da inflorescência culminado por uma arista. O género Lens é muito próximo de Vicia - parece que a sua segregação não é sustentável - do qual se distingue pela presença de sementes lenticulares e cachos geralmente aristados [foto CA, Bragança]
Existem evidências de que a domesticação da
L. nigricans foi tentada, talvez por mais de uma vez, no SE da Europa. Alguns autores admitem que as vantagens agronómicas da
L. culinaris coarctaram a domesticação da
L. nigricans. Curioso, muito curioso.