domingo, 31 de outubro de 2010

Cemitério de cardos

Na passada quinta-feira, numa das muitas linhas de água que sulcam Trás-os-Montes, deparei-me com este viçoso cemitério de cardos:


Os cardais são dominados por asteráceas (= compostas) espinhosas anuais de grande biomassa, que por vezes se comportam como bienais. Alguns exemplos:

Centaurea calcitrapa (Asteraceae) e Carthamus lanatus (Asteraceae)

Onopordum acanthium (Asteraceae)

São também frequentes hemicriptófitos espinhosos [plantas bienais ou perenes que passam a estação desfavorável sob a forma de uma roseta foliar, rentes ao solo], muitas delas também pertencentes à família das asteráceas. Três exemplos fotografados no dito cardal:

Verbascum thapsus (Scrophulariaceae) e Eryngium campestre (Apiaceae

Dipsacus fullonum (Dipsacaceae)

Num post com quase um ano discuti brevemente a ecologia dos cardais (vd. aqui). 

sábado, 30 de outubro de 2010

Ctenopsis delicatula (Poaceae)

Na senda de um post anterior (aqui), mais um cadáver de uma gramínea anual de identificação automática. Pena é que esta planta seja tão rara em Portugal.


Ctenopsis delicatula (Poaceae) [rochas ultrabásicas do Monte de Morais, Macedo de Cavaleiros]. Fotos bem mais interessantes do que esta disponíveis aqui.

As espiguetas unilaterais (todas viradas para o mesmo lado) deste endemismo ibérico ocidental aproximam-no das vulgaríssimas Vulpia. De facto, nas árvores filogenéticas obtidas com dados moleculares Ctenopsis surge embebido com numerosas Vulpia num mesmo clado (vd. aqui).

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Allium ericetorum (Alliaceae)














Mais uma beldade de Outono: Allium ericetorum Thore, Essai Chloris 123. 1803
IPNI Plant Name Query Results
Esta planta rara pode encontrar-se no meio dos urzais, daí o seu nome: "ericetorum", próprio dos Ericeta, da classe Calluno-Ulicetea.
Allium ericetorum é um endemismo europeu que, em Portugal, apresenta uma área de distribuição claramente eurossiberiana, como se pode confirmar neste interessante artigo:
Silva Lusitana - <B>XXVIII: <I>Allium ericetorum</I>Thore e<I>Gentiana pneumonanthe</I> L. no Superdistrito Sadense, nova área de distribuição em Portugal continental</B>

domingo, 24 de outubro de 2010

Sobre as comunidades de plantas anuais

No mediterrâneo a maior parte das plantas anuais - não todas, atenção - germina com as primeiras chuvas outonais (vd. post anterior aqui). A flora continental portuguesa, como aliás toda a flora mediterrânica, é rica em plantas anuais. Por mais redundante que seja a ecologia destas plantas - a redundância é um daqueles temas clássicos e difíceis da ecologia das comunidades - é expectável que se organizem num leque variado de comunidades vegetais.
Pois bem, aqui estão três fotos com quinze dias, de outras tantas comunidades vegetais, que espécies em comum têm zero.

 Comunidade escionitrófila [de sombra e nitrófila] anual. Os fitossociólogos colocam este tipo de vegetação na classe Cardamino hirsutae-Geranietea purpurei. Foto proveniente de uma orla de azinhal; as plantas com cotilédones grandes são Geranium «gerânios» (Geraniaceae)

Comunidade patense anual fotografada numa clareira de esteval. Classe Helianthemetea guttatae. Dos três exemplo aqui reunidos é o mais diverso em espécies [alfa diversidade].

Comunidade infestante anual pertencente à classe Stellarietea mediae (e à ordem Aperetalia spicae-venti)

sábado, 23 de outubro de 2010

Psilurus incurvus e Taeniatherum caput-medusae (Poaceae)

Mesmo secas, em pleno Verão, as plantas não deixam de apelar à atenção do naturalista que gosta de botânica. Aqui, em Trás-os-Montes, é impossível não reparar nos cadáveres de duas interessantes gramíneas (= poáceas) anuais:

Psilurus incurvus (Poaceae). N.b. inflorescências filiformes, encaracoladas, que se fragmentam ao toque. Procurem-na nas orlas de esteval ou nos caminhos mais secos, mais pobres em nutrientes e expostos ao sol

Taeniatherum caput-medusae (Poaceae) «cabeça-de-medusa». Esta planta, embora xerófila, pede solos mais ricos em nutrientes do que a anterior. Uma análise cuidada da sua morfologia permite perceber que se trata de um parente próximo das cevadas (gén. Hordeum)

Começou a estação das chuvas. As plantas anuais secas que escaparam incólumes ao pisoteio ou ao dente animal, à máquina agrícola ou ao efeito do vento estarão mineralizadas, incorporadas na matéria orgânica do solo ou serão consumidas por mamíferos herbívoros até à próxima estação seca. As primeiras chuvas outonais marcam, simultaneamente, o início do ciclo de vida e da decomposição do corpo da maioria das plantas anuais que povoam os nossos montes.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Celebrando o Outono (várias famílias)


















Ao contrário dos excelentes posts anteriores neste blog, acerca de Pináceas, este não é um post particularmente científico - antes pretende ser uma singela comemoração do Outono, essa estação que se pode considerar constituir uma segunda Primavera, depois dos calores tórridos do Estio.
Assim, apresentamos aqui algumas fotos de diversas angiospérmicas obtidas hoje (ou muito recentemente):
Celtis australis L. (Cannabaceae) (pronuncia-se "Kéltiss");
Olea europaea L. (Oleaceae), a oliveira;
Viburnum tinus L. (Adoxaceae);
Erica ciliaris L. (Ericaceae);
Pittosporum sp. (Pittosporaceae) e
Zanthoxyllum armatum DC. (Rutaceae), um arbusto ornamental espinhoso ("armado") relativamente pouco conhecido.

Para acompanhar, sugerimos "Gloria in excelsis Deo", do grande compositor veneziano António Vivaldi (Antonio Vivaldi - Wikipedia, the free encyclopedia), que se pode encontrar por ex. aqui: YouTube - Vivaldi: Gloria In D, RV 589 - Gloria In Excelsis Deo

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Distinguir Pinus (Pinaceae)

Os pinheiros mais frequentes em Portugal são fáceis de distinguir. Normalmente servimo-nos de caracteres simples para uma identificação positiva. O Pinus pinaster «pinheiro-bravo» tem pinhas grandes de escudo mucronado [com um pico]; o P. sylvestris «pinheiro-silvestre» apresenta um ritidoma [casca] alaranjado; o P. nigra subsp. laricio «pinheiro-larício» tem agulhas e pinhas mais pequenas que as do pinheiro-bravo, e ritidoma cinzento; a copa do P. pinea «pinheiro-manso» é arredondada, assemelhando-se a um guarda-chuva; as pinhas de P. halepensis «pinheiro-de-halepo» são marcescentes [ficam retidas na copa por muitos anos].

P. pinea e P. nigra subsp. laricio. O primeiro é indígena de Portugal, o segundo habita originalmente a Córsega, a Sicília e a Calábria.

A características dos gomos apicais durante o período de repouso vegetativo são uma forma alternativa e muito útil de os distinguir. Três exemplos:

Gomos de P. pinaster «pinheiro-bravo», P. pinea «pinheiro-manso» e P. nigra subsp. laricio «pinheiro-larício». No P. pinaster os catáfilos são revolutos [revirados para baixo], ao contrário dos de P. pinea e P. nigra subsp. laricio. Os gomos de P. nigra subsp. laricio são resinosos.

sábado, 16 de outubro de 2010

Abies nordmanniana (Pinaceae) e Pinus pinaster (Pinaceae)

Como referi no post anterior (vd. aqui), muitos géneros de pináceas apenas têm macroblastos, i.e. ramos longos de crescimento indeterminado. Um exemplo:
Abies nordmanniana (Pinaceae), um abeto de extraordinário efeito ornamental proveniente do Cáucaso. N.b. que no ramo fotografado se identificam três segmentos, da direita para esquerda, respectivamente, com 3, 2 e 1 anos.

Outros, como o Cedrus representado no post anterior, juntam macro e braquiblastos.

Os Pinus também possuem macroblastos [ramos normais] e braquiblastos [raminhos curtos, aliás muito curtos]. Nos braquiblastos inserem-se fascículos de folhas aciculares [agulhas] verdes, envolvidas, na base, por um número variável de catáfilos [folhas escamiformes, curtas e rijas, com função de protecção].

 Braquiblasto de Pinus pinaster com duas folhas aciculares (como os demais Pinus indígenas de Portugal)

Os braquiblastos, por sua vez, inserem-se na axila de folhas escamiformes sem clorofila (um braquiblasto por folha escamiforme). A queda dos braquiblastos deixa uma pequena cicatriz na superfície dos macroblastos.
A B
 Macroblastos de Pinus pinaster (Pinaceae). N.b. em A braquiblastos inseridos na axila de uma folha escamiforme sem clorofila e em B folhas escamiformes após a queda dos braquiblastos.

A morfologia dos Pinus é fantástica!

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Ochna multiflora (Ochnaceae)















Ainda não tinha surgido aqui nenhuma ocnácea, por isso pensámos em suprir essa falta: aqui fica a belíssima Ochna multiflora DC. in Ann. Mus. Par. xvii. (1811) 412 (IPNI Plant Name Query Results)
Esta planta tão ornamental tem origem africana, podendo encontrar-se no Centro e Sul do dito continente. Dentro da família Ochnaceae, pertence à subfamília Ochnoideae e à tribo Ochneae, como aqui se pode confirmar: Ochna multiflora information from NPGS/GRIN.
A família Ochnaceae, predominantemente lenhosa, pertence à classe Magnoliopsida e à ordem Malpighiales, incluindo cerca de 30 géneros e 450 espécies, de distribuição maioritariamente tropical, com especial abundância no Brasil (Mabberley's Plant-Book, 2008: 594).

domingo, 10 de outubro de 2010

Cedrus atlantica (Pinaceae)

Duas fotos outonais de Cedrus atlantica (Pinaceae):

Estróbilos [estruturas reprodutivas; cones] masculinos. Cada uma das escamas que constituem os cones masculinos tem dois sacos polínicos.

 Estróbilos femininos maduros [pinhas]. Estes estróbilos foram polinizados no ano anterior: nas gimnospérmicas a polinização, a fecundação e a libertação das sementes são muito espaçadas no tempo, podem demorar até dois anos.


O Cedrus atlantica é uma árvore monumental de origem norte-africana [Montes Atlas], certamente conhecida de muitos dos leitores deste blogue. O valor ornamental destas variedades de folhas glaucas [azuladas] é inegável.
Reparem em dois aspectos morfológicos característicos do género Cedrus: pinhas erectas [viradas para cima], que se desfazem na árvore quando maduras; folhas organizadas em braquiblastos [ramos curtos de crescimento determinado, semelhantes a pequenos penachos]. Saber reconhecer a presença de braquiblastos é essencial para distinguir os géneros de pináceas. Cedrus, Pinus e Larix têm braquiblastos; Pseudotsuga, Picea e Abies, não. Como se distinguem os braquiblastos e os macroblastos em Pinus será o tema do próximo post.

sábado, 9 de outubro de 2010

Cydonia oblonga (Rosaceae)

Porque está na época de os colher, uma foto de uma ...

... Cydonia oblonga (Rosaceae) «marmeleiro»

O marmeleiro é nativo do Cáucaso, do Norte do Irão e do Kopet Dag [linha de montanhas que separa o Irão do Turquemenistão, a leste do mar Cáspio]. Chegou à Bacia Mediterrânica tardiamente, já no Período Clássico.

O marmelo, a maçã, a pêra e a nêspera são pseudofrutos [porque derivados de um ovário ínfero] carnudos [com tecidos moles geralmente ricos em água]; para eles os botânicos reservaram o termo "pomo". Por terem origem num ovário ínfero são constituídos por tecidos de origem carpelar e receptacular. O marmelo tem uma notável particularidade: cada um dos seus cinco lóculos [cavidade carpelar que contem as sementes, fácil de observar cortando transversalmente o fruto] pode conter mais de duas sementes.

O marmeleiro propaga-se facilmente por estaca e é excelente para construir sebes. Dos frutos fazem-se óptimas compotas [a marmelada] e das cascas, sementes e tecidos carpelares mais internos [estrutura cartilaginosa que envolve as sementes] geleias. Os frutos consomem-se cozidos mas há quem goste deles em fresco. E, façam a experiência, provem as suas pétalas.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Spiranthes spiralis (Orchidaceae)




Já está em floração aquela que pensamos ser a única orquídea outonal portuguesa!
Spiranthes spiralis (L.) Chevall., Fl. Paris ii. 330 (1827) = Ophrys spiralis L., Sp. Pl. 2: 945. 1753 [1 May 1753] (IPNI Plant Name Query Results), chama-se esta planta encantadora, que se pode encontrar sobretudo em locais calcários, não só em Portugal mas também numa vasta área que inclui a Região Mediterrânica e uma parte significativa da Eurásia!
Mais informação sobre esta maravilha de Outono pode ser obtida aqui: http://www.floraiberica.es/floraiberica/texto/pdfs/21_189_08_Spiranthes.pdf

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Três aristolóquias (Aristolochiaceae)




Pensamos que não estava ainda representada neste blog a excelente família das Aristoloquiáceas - vamos assim tentar suprir essa falta com três beldades de distribuição predominantemente mediterrânica, pertencentes à dita família:
Aristolochia sempervirens L., Sp. Pl. 2: 961. 1753 [1 May 1753]
IPNI Plant Name Query Results

Aristolochia paucinervis Pomel, Nouv. Mat. Fl. Atl. 136.
IPNI Plant Name Query Results

Aristolochia baetica L., Sp. Pl. 2: 961. 1753 [1 May 1753]
IPNI Plant Name Query Results

Convém notar que, de acordo com a Med-Checklist vol. 1 (Greuter & al., 1984) e a Flora iberica vol. 1 (Castroviejo & al., 1986), a Aristolochia baetica e a A. sempervirens são endemismos exclusivos da Região Mediterrânica, enquanto que a A. paucinervis também se pode encontrar na Região Macaronésica.

domingo, 3 de outubro de 2010

Tuberaria guttata (Cistaceae)

O ano hidrológico foi inaugurado: começou a chover a meio da noite; está a cair a primeira chuva outonal verdadeiramente efectiva.
As plantas anuais que aguardaram sob a forma de semente por esta oportunidade vão iniciar o seu ciclo biológico. Primeiro germinam as sementes e logo a seguir emergem os cotilédones (nas plantas de germinação epígea) ou as primeiras folhas (nas plantas de germinação hipógea). Dentro de 1 semana - 15 dias as clareiras dos matos baixos, os taludes e as margens de caminhas estarão revestidos por um delgado manto verde, constituído por plantas reduzidas a meia dúzia de folhas conectadas por curtos entre-nós. Nesta frágil aparência suportarão, rentes ao solo, as agruras do Inverno que se aproxima.
Quando os dias crescerem, logo no início da Primavera, os meristemas produzirão mais folhas, entre-nós mais longos e, pouco depois, flores. A dita manta verde tomará cores e formas inauditas, para satisfazer a ânsia dos botânicos estiolados pelo defeso invernal.

A Tuberaria guttata é uma das plantas mais frequentes nos nossos prados oligotróficos (de solos pobres) anuais.


A Tuberaria guttata começou por se chamar Cistus guttatus e depois Helianthemum guttatum. O autor da revisão para a Flora Iberica descobriu um nome genérico anterior a Tuberaria, e a planta passou a ser conhecida por Xolantha guttata. Recentemente, o nome genérico Tuberaria foi fixado pelo Código Internacional de Nomenclatura Botânica (ver aqui), através da sua inclusão no anexo de Nomina Generica Conservanda et Rejicienda [nomes conservados e rejeitados], i.e., um anexo que recupera nomes de uso muito frequente incorrectos à luz Código.  A prática da Nomina Conservanda evita uma excessiva instabilidade nomenclatural na designação científica das plantas, que ninguém deseja. Conclusão: o bom e velho nome Tuberaria guttata está de volta.

sábado, 2 de outubro de 2010

Lens nigricans e L. culinaris (Fabaceae)

"E tu toma trigo, e cevada, e favas, e lentilhas, e milho miúdo, e espelta, e mete-os numa só vasilha, e deles faz pão. Conforme o número dos dias que te deitares sobre o teu lado, trezentos e noventa dias, comerás disso." Ezequiel 4:9

Esta belíssima passagem de Ezequiel atesta a importância da lentilha - Lens culinaris - nos mediterrâneo oriental, nos meados do I mil. a.C.
Antes da generalização do uso de fertilizantes químicos azotados, a lentilha era também largamente cultivada na Ibéria na produção de grão para consumo humano, de feno para os animais ou como melhoradora da fertilidade do solo. Por exemplo, na Terra-Quente transmontana semeavam-se os olivais com lentilhas no Outono para serem fenadas na Primavera. O solo era demasiado escasso e as aldeias demasiado povoadas para deixar por cultivar as entrelinhas dos olivais tradicionais.

As lentilhas, há semelhança de tantas outras cultivadas, provêm do mediterrâneo oriental. Como referi aqui, fazem parte do "founder crops package", do primeiro grupo de plantas domesticadas, no início do Holocénico no Crescente fértil.
O ancestral da lentilha já foi identificado - Lens orientalis; as mais antigas evidências de domesticação datam de 11.000 BP (antes do presente).

Em Portugal temos duas espécies indígenas do género Lens: L. nigricans e Lens lamottei (vd. aqui).


Lens nigricans (Fabaceae), uma planta de orlas sombrias de bosques perenifólios sobre rochas ricas em cálcio. N.b. pedúnculo da inflorescência culminado por uma arista. O género Lens é muito próximo de Vicia - parece que a sua segregação não é sustentável - do qual se distingue pela presença de sementes lenticulares e cachos geralmente aristados [foto CA, Bragança]

Existem evidências de que a domesticação da L. nigricans foi tentada, talvez por mais de uma vez, no SE da Europa. Alguns autores admitem que as vantagens agronómicas da L. culinaris coarctaram a domesticação da L. nigricans. Curioso, muito curioso.