quinta-feira, 6 de janeiro de 2011
O fim da biodiversidade litoral
Rhynchospora modesti-lucennoi (foto: Duarte Silva)
Apesar de as áreas classificadas da Rede Natura ocuparem 21% do território Nacional, estamos longe de ter a perda de biodiversidade sob controlo. Em primeiro lugar, classificado não é a mesma coisa que protegido. Basta pensar no empreendimento da Barragem do Sabor e no caso A24 que atravessa a melhor área de carvalhal do sítio Alvão/Marão. Em segundo lugar, a maior parte das áreas classificadas estão em zonas do interior do país, onde a desertificação humana está a promover o restauro ecológico da paisagem. Mas olhando para as zonas litorais, o panorama é completamente diferente. A erosão costeira, a eutrofização excessiva e a construção sem ordenamento estão a transformar para sempre a paisagem litoral. E se fosse feito um Livro Vermelho da Flora Vascular neste momento algumas das plantas mais raras estariam em áreas litorais. Resolvi então falar de algumas dessas plantas e da sua situação no Norte de Portugal, para pintar um pouco do retrato da conservação vegetal em Portugal em comparação com os nossos vizinhos Espanhóis. Rhynchospora modesti-lucennoi (Em perigo critico no Livro Vermelho da flora vascular Espanhola) está a desaparecer nas zonas das lagoas de Quiaios devido a eutrofização das mesmas. Recentemente foi descoberta uma população perto de Ponte de Lima. Genista ancistrocarpa (Em Perigo Critico no Livro Vermelho da flora vascular Espanhola) possui algumas boas populações em Ponte de Lima e Viana do Castelo e Chaves mas foi extinta no resto da área. Euphorbia uliginosa (Em Perigo Critico no Livro Vermelho da flora vascular Espanhola) encontra-se provavelmente extinta no norte de Portugal, tendo algumas boas populações no Centro de Portugal. Cheirolophus uliginosus (Em Perigo Critico no Livro Vermelho da flora vascular Espanhola) ocorre num local em Vila Nova de Gaia, tendo algumas boas populações no Centro de Portugal. Succisella carvalhoana, Selinum broteri, Dryopteris guanchica e Linkagrostis juresii estão classificados como vulneráveis em Espanha mas a sua situação em Portugal é uma incógnita. Estas plantas estão quase todas associadas a ambientes oligotróficos litorais que se tornaram raros devido a uma política agrícola comum que promoveu uso excessivo de fertilizantes.
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Caro Paulo, infelizmente, acho que estás cheio de razão. Abraço. JC.
ResponderEliminarEssas são todas plantas de arrepiar. Acrescento ainda o Cirsium welwitschii ao pacote de candidatos à extinção, talvez seja um dos mais próximos.
ResponderEliminarA Genista ancistrocarpa anda aqui pelo sul nalguns sítios; embora localmente possa ser abundante, regionalmente vai de mal a pior, muito pouco sobra. E o Linkagrostis juresii é ainda mais preocupante, ao nível do C.welwitschii.
O Cheirolophus uliginosus felizmente aqui pelo sul ainda vai aparecendo, mas é preciso tomar cuidado.
Estas e outras plantas mereciam um esforço conjunto de unificação do conhecimento que anda disperso por todos nós, para se fazer um state-of-the-art das populações que ainda existem.
E o mais engraçado é que nenhuma delas está nas listas da Directiva. As politicas europeias ao serviço da biodiversidade...
ResponderEliminarNem estas nem tantas outras... mais uma grave que também anda esquecida: Centaurea exarata.
ResponderEliminarMas quando é que há uma revisão da Directiva? Isso já urge.
Temos de acelerar primeiro a redacção do Livro Vermelho porque uma revisão das listas da Directiva é um processo muito complicado em termos burocráticos…
ResponderEliminarUma situação preocupante... e mais um excelente post!!
ResponderEliminarO litoral da região do Porto registou nas últimas décadas perdas avassaladoras. É trágico, por exemplo, visitar o herbário da FCUP (que o Paulo conhece tão bem) e ver as coisas que eram recolhidas na Boa Nova, em Perafita, no Cabo do Mundo, e que, por razões que todos nós conhecemos, é inconcebível encontrar hoje nos mesmos sítios. Que é feito das zonas húmidas, dos charcos, dos regatos, dos prados à beira-mar? Mesmo do litoral de Gaia (em comparativo bom estado, apesar da muita construção) essas coisas também desapareceram quase totalmente (uma pequena excepção é a Poça da Ladra, em Francelos).
ResponderEliminarE gostava de lembrar uma planta que em Portugal anda desaparecida há meio século (há boatos sobre a sua ocorrência na Mata da Margaraça e no Buçaco, mas não têm fundamento). Trata-se da Epipactis palustris, uma orquídea que já foi abundante em Ílhavo - outro lugar onde a expansão urbana não poupou nada.
Se alguém souber do paradeiro dela, que levante o braço.
De todas as fascinantes espécies aqui referidas, suponho conhecer apenas a Euphorbia uliginosa...
ResponderEliminarQuando eu era garoto, estas plataformas litorais pontuadas por charcos estacionais e arrefecidas pelas nortadas de Verão pouco mais tinham do que secas de bacalhau. Primeiro chegou a refinaria da Boa Nova; logo a seguir as casas. O gosto pela praia atraiu novos empreendimentos imobiliários, com a conivência dos municípios, cujo financiamento depende da construção civil. Mas já antes as charcas dunares haviam sido drenadas com a plantação de Pinus. Tens a razão do teu lado: sobra pouco, e afinal o NW estava pejado de plantas raras finícolas ou endémicas litorais.
ResponderEliminarA Directiva Habitats, ao fixar a atenção dos decisores numa lista imprópria de espécies, acaba por ter um efeito perverso na conservação. Duvido que Bruxelas se atreva a alterá-la. Os engulhos com a actual lista já são tantos!
Paulo, soma se quiseres à tua lista ainda as estranhas Linaria que habitavam as areias ribeirinhas do rio Douro, próximo do Porto, a Potentilla anserina ou o Eryngium viviparum. Um pena, uma enorme pena.
Carlos, se não tivesses encontrado o Eryngium viviparum na serra de Nogueira era uma espécie perdida para a flora Portuguesa já que não tem locais onde crescer em Francelos, Gaia. Ou a Succisella carvalhoana em Lavadores. Do mesmo modo já não existe Carex durieui em Valongo nos locais onde existia abundantemente. Na verdade é que é complicado fazer passar a mensagem que a conservação da Natureza não se deve fazer só nos ermos onde ninguém vai mas também no nosso “quintal”. Um abraço.
ResponderEliminarAqui fica música apropriada para este tema, do grande George Harrison (1970):
ResponderEliminarYouTube - All Things Must Pass
YouTube - Isn't It A Pity
Portugal também não pode limitar a protecção da sua biodiversidade ao que emana das Directivas Comunitárias.
ResponderEliminarA verdade é que para os decisores as prioridades são outras e estas questões não dão votos, e se não fossem as obrigações comunitários enm termos de protecção ambiental, em geral e da biodiversidade, em particular, não sei como estaria Portugal.
Agora transportando a coisa para sul do país, o panorama também não é animador. A pressão urbanística no litoral algarvio reduziu drasticamente as áreas de habitat favorável a espécies como Tuberaria major, Scilla odorata, Armeria macrophylla, Armeria velutina e Armeria gaditana (alguém tem notícias recentes destas últimas ?)
ResponderEliminarAC
PS. Excelente temática aqui levantada. A comunidade botânica terá que fazer algo urgentemente para chamar a atenção da opinião pública e dos decisores políticos para este problema real da perda de diversidade. Há muito por onde começarmos.
A propósito de Rhynchospora modesti-lucennoi, esta planta (ainda) existe nas raras turfeiras do Sado. No entanto, o destino das turfeiras sadense é incerto: continuam a ser drenadas e devassadas com fins de 'ordenamento', mormente charcas para abeberamento de caça e gado e coisas que não se percebe para que são.
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