sábado, 25 de abril de 2009

Plantas silvestres comestíveis: idiossincrasia de pastores, brincadeira de crianças ou suplemento alimentar…

A propósito do texto Cytinus hypocistis (Cytinaceae) do Carlos Aguiar, ocorre-me uma boa maneira de corresponder ao seu convite para participar neste blogue.
Deambulando pela Terra-Fria Transmontana (Vinhais, Bragança e Miranda) para inventariar o conhecimento etnobotânico (levantamento de espécies, saberes, usos e práticas) encontramos referências ao uso de várias espécies silvestres que, tal como o Cytinus hypocistis, eram frequentemente consumidas em cru. Folhas, caules aéreos e subterrâneos, botões florais, flores e frutos podem ser chupados ou mastigados, libertando adocicados sucos ou oferecendo uma consistência fibrosa e durável, fazendo concorrência apreciável às actuais “gomas” e “pastilhas elásticas”.
E de facto, é assim que muitos informantes (as pessoas que participam num estudo etnobotânico e fornecem informação) gostam de apresentar este tipo de aproveitamento das plantas silvestres, isto é, como sendo uma brincadeira de crianças ou uma faceta temperamental associada aos pastores e contrabandistas, tidos como pessoas de convívio nem sempre fácil.
Idiossincrasias e jogos de crianças à parte, muitos informantes mais velhos recordam que nos tempos da sua meninice, a alimentação era pobre, pouco variada e com uma única refeição quente diária, o jantar. Durante o dia “enganavam a fome” com um naco de pão, queijo e um punhado de frutos secos. Assim sendo, nos intervalos da escola ou enquanto ajudavam nas tarefas agrícolas, procuravam alternativas para saciar a fome na natureza que os rodeava. E a verdade é que esses alimentos informais que recolhiam, além de satisfazerem a vontade de comer, funcionavam como suplementos alimentares e vitamínicos.
Considerando apenas as espécies consumidas durante a Primavera, ficando para outra oportunidade os frutos silvestres do Verão e Outono, listamos alguns exemplos de plantas silvestres comidas (chupadas ou mastigadas) em cru e da respectiva designação popular, registados nas regiões de Bragança, Miranda do Douro e Vinhais.

«Agreichos, puniqueijos, riqueijões» – Tubérculos de Conopodium majus subsp. marizii (Apiaceae)
«Azedas» – Caules e folhas de várias espécies de Rumex (Polygonaceae)
«Botas, botainas» – Caules intumescidos de Hypochoeris glabra (Asteraceae)
«Canastras, sapatetas, zapatetas» – Vagens imaturas de Astragalus pelecinus (Fabaceae)
«Chupa-méis» – Caules e flores de Lamium purpureum (Lamiaceae)
«Corniços, corneichos, corniçoilos» – Vagens imaturas de Astragalus cymbaecarpos (Fabaceae)
«Fogaças, tortas» – Frutos imaturos de Malva sylvestris (Malvaceae)
«Maias, mimos» – Flores de Cytinus hypocistis (Cytinaceae)
«Pipotes, bercegos, vercegos» – Rebentos jovens de Celtica (Stipa) gigantea (Poaceae)
«Rabos de gato» – Caules de Trifolium sp.pl. (Fabaceae)
«Sargaço branco» – Botões florais e cápsulas de Halimium lasianthum subsp. alyssoides (Cistaceae)

Uma curiosidade: outras partes de algumas destas espécies eram, ou são ainda, usadas na confecção de saladas, sopas e verduras para acompanhamento de pratos cozinhados e como plantas medicinais na preparação de remédios caseiros.


Astragalus cymbaecarpos, exemplar seco [foto de A.M. Carvalho]

Astragalus pelecinus, exemplar seco [foto de A.M. Carvalho]

Halimium lasianthum subsp. alyssoides [foto de A.M. Carvalho]

5 comentários:

  1. Também na serra do Montemuro se consumiam os tubérculos do Conopodium majus subsp. marizianum. Naquelas terras, porém, tais tubérculos são conhecidos por feijões-bêbedos, dado que o consumo dos mesmos provoca a sensação de se estar bêbedo. Deve, portanto, ter-se algum cuidado com o consumo deste endemismo do oeste peninsular.

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    1. Tenho 72 anos e em criança comi muitas "APUTICAS" apareciam nas raízes de certas plantas no mato, no principio do verão,se não estou em erro eram vermelhas e tons amarelados, retiramos uns invólucros que espremidos, e apresentavam uma massa branca gostosa, comi muito mas esse efeito de bebedo,nunca dei por isso.

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  2. Apesar do tom ligeiro com que se fala de plantas silvestres alimentares e medicinais, sobretudo nas revistas de divulgação e nos programas televisivos, há que ter a noção clara de que o consumo indiscriminado e excessivo de algumas destas espécies acarreta riscos para a saúde. Muitas delas são plantas tóxicas em algum momento do seu desenvolvimento ou têm órgãos que acumulam compostos tóxicos. De qualquer modo, disso têm consciência perfeita muitos dos informantes mais velhos, que as conhecem bem, e que quando descrevem ou recomendam o seu uso, também enumeram as respectivas contra indicações ou cuidados a ter relativamente à preparação e consumo.

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  3. Quaria dar os parabéns por tão interessante blog.
    Não sendo um botânico, sou um apaixonado por plantas e jardinagem e procuro aprender o máximo possível àcerca destes assuntos.Tenho um jardim que é uma espécie de jardim botânico e toda a informação é bem vinda.
    Bem hajam !

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