Infrutescência de Banksia sp. após fogo recente. Em cada folículo aberto é visível um septo caduco, e a asa de algumas sementes (este post é baseado em observação pessoal e não em bibliografia, algumas ideias podem estar erradas. Peço desde já desculpa pela extensão do post)
No sudoeste da Austrália, o clima também é mediterrânico. Também, como cá, as plantas aprenderam a sobreviver às grandes flutuações climáticas, em precipitação e temperatura, quer ao longo do ano, quer entre anos diferentes. Também, como cá, as plantas aprenderam a sobreviver ao fogo - mas cá, apenas algumas; lá, praticamente todas.
O fogo na Austrália mediterrânica faz parte do quotidiano das plantas, ao contrário de cá. Cá existem muitas comunidades que, após um fogo, acabam severamente alteradas na sua composição, podendo levar muitas décadas ou séculos a restabelecerem-se como eram - mas não vou entrar por aqui - ao passo que lá, mesmo as florestas dos eucaliptos gigantes - aqueles que atingem 90 metros de altura (karri,
Eucalyptus diversicolor e tingle,
Eucalyptus jacksonii) - mesmo estas florestas estão de alguma forma dependentes do fogo; a regeneração de semente não ocorre se não após um incêndio, a floresta "climácica" não é auto-sustentável sem esta perturbação. As árvores que fazem a floresta - vários eucaliptos - comportam-se, no fundo, como plantas pioneiras mas de vida longa.
Infrutescência de Banksia sp. antes do fogo. À direita, inflorescência de Banksia coccinea
A grande maioria das plantas arbustivas e arbóreas na Austrália possui uma estratégia que é raríssima cá: a serotinia, isto é, as sementes são apenas libertadas do fruto após um estímulo externo (e não na sua maturação, como é costume), que no caso australiano é quase sempre o fogo, quer directamente pelo calor e desidratação, quer indirectamente por matar a planta-mãe, o que resulta também na desidratação do fruto. O banco de sementes está, portanto, na copa das plantas, a salvo dos predadores, fungos e demais intempéries, e não no solo como cá acontece nas plantas a que costumamos chamar de
seeders.
Entre as mais fantásticas, estão dois géneros formidáveis,
Banksia e
Hakea (já consigo ouvir muitos portugueses a contorcerem-se quando disse este último nome...), ambos da família Proteaceae. As infrutescências de
Banksia são estruturas impressionantes. Imaginem um ananás de madeira compacta; é mais ou menos isso. Cada inflorescência de
Banksia produz largas centenas de flores (milhares nalgumas espécies como
B. grandis), mas só uma ínfima percentagem produz fruto. Contudo, todas as flores, polinizadas ou não, se mantém na infrutescência e endurecem, fazendo uma estrutura compacta e pesada. Uma estrutura tão compacta que não arde.
Fruto de
Hakea sp. (a referida no texto), totalmente "escancarado". Vêem-se as cavidades, uma de cada lado, onde estavam alojadas as 2 únicas sementes. 55g de "madeira", 2 sementes.
Tenho alguns dados concretos, mas são medidas únicas, não médias, devem ser vistos com cautela. Um "cone" de
Banksia grandis, que pesa 765g (peso
seco) tem cerca de 180 sementes (o peso das sementes é desprezável). Não parece nada de especial, mas comparem com uma pinha de pinheiro bravo, que tem cerca de 180 sementes e pesa ca. 95g. Mesmo assim, a
B. grandis não lhe fica muito à frente. Já uma
Banksia menziesii produz um cone com 100g e que contém 18 sementes... uma outra
Banksia, 190g para 18 sementes... e finalmente, uma
Hakea sp. (foto acima): um fruto que pesa 55g (peso seco sem as sementes), contém apenas 2 sementes... resumindo:
Pinus pinaster: 0.6 g/semente
B.nutans: 1.1 g/s
B.grandis: 4.25 g/s
B.menziesii: 5.6 g/s
B.sp. (nenhuma das fotografadas): 10.6 g/s
Hakea sp. (foto em cima): 27.5 g/s
Hakea victoria, uma das mais famosas. A planta vai reabsorvendo os pigmentos, ano a ano, das folhas velhas, o que provoca uma gradação de cores verde>amarelo>vermelho>senescência devido aos pigmentos que ficam. Segundo bibliografia, tal não acontece quando a planta cresce em solos férteis (raros), por motivos óbvios.
É um investimento brutal em carbono fixado que estas plantas fazem, para tão poucas sementes. O caso da
Hakea sp. é inacreditável. Tudo isto para garantir a sua protecção - contra o fogo e contra predadores terríveis como as cacatuas - ou para outro fins que agora não vislumbro.
As sementes, como já se depreende, permancem bem fechadas dentro dos frutos lenhificados (folículos) indefinidamente e são apenas libertadas por acção do fogo. Nada como fazer um churrasco de cones de
Baksia para observar este fenómeno, que é bastante rápido após o fogo passar.
A explosão de vida após um fogo, lá, é ainda mais intensa do que cá. Para além de
Banksia e
Hakea, muitos outros arbustos exibem serotinia, nomeadamente uma miríade de géneros da família Myrtaceae (
Melaleuca,
Beaufortia,
Calothamnus,
Eucalyptus e sei lá quantos mais...), que é altamente diversificada naquela região; e também da família Casuarinaceae (
Allocasuarina e
Casuarina). Todas estas sementes de todas estas espécies aproveitam o pós-fogo, numa apoteose de germinação, favorecida pela abundância de nutrientes acabados de libertar. Outras plantas só agora florescem, a sua floração é rara e praticamente só ocorre estimulada pelo fogo. Mas isso fica para depois.
Infrutescência de
Banksia grandis - 25 cm, 765g.
E termino por aqui, que já vai longo, mas ficou muita coisa por dizer. A partir desta base, que não é quase nada, podia-se abordar tantos outros temas. Em próximos posts, talvez, outras perspectivas!
Os frutos protagonistas.
Fotos: Ana Júlia Pereira e Miguel Porto