terça-feira, 28 de dezembro de 2010

José Gomes Pedro [1915-2010]

Faleceu na manhã de ontem, em Azeitão, com 95 anos de idade o notável botânico Engº Agrónomo José Gomes Pedro.

O Engº Gomes Pedro é conhecido entre os naturalistas portugueses pelas suas publicações sobre a Flora da Serra da Arrábida. Muitos dos que com ele conviveram não saberão, porém, que antes de se dedicar à flora arrabidense o Engº Gomes Pedro foi Director-Geral da Agricultura de Moçambique e um exímio botânico tropical. Contou-me um dia que em Moçambique os carregadores lhe chamavam "o homem que sobe às árvores" - para colher flores, claro - numa língua indígena que não recordo.
Tempos heróicos estes. As excursões botânicas duravam meses. Dava tempo para semear o milho, colher as massarocas, e alimentar e criar as galinhas que faziam parte da companha. E cada planta colhida tinha boa probabilidade de vir a ser um tipo nomenclatural.
A África acabou para os botânicos portugueses, e a flora europeia não tem graça. Com menos graça ficou também a botânica portuguesa sem o Engº Gomes Pedro.

Carlos Aguiar

domingo, 26 de dezembro de 2010

Chrysothrix candelaris (Chrysothricaceae)














Ainda não tínhamos comemorado o Solstício de Inverno, momento que marca o início do Inverno, quando os dias começam a crescer e as plantas se começam a preparar para uma nova época de floração... por isso aqui fica um belo líquen dourado: Chrysothrix candelaris (L.) J.R. Laundon = Byssus candelaris L., um líquen arborícola bastante comum sobre a casca de diversas árvores e que se pode encontrar em todas as províncias portuguesas.
Aqui fica alguma informação sobre este líquen dourado:
Chrysothrix candelaris
Chrysothrix candelaris - Wikipedia, the free encyclopedia
Chrysothrix - Wikipedia, the free encyclopedia
Como acompanhamento musical, vamos sugerir a excelente abertura de Tannhäuser, de Wagner, que se pode encontrar por exemplo aqui:
YouTube - Tannhauser Overture-Wagner/Leibowitz/Part-1 of 2
ou aqui: YouTube - KARAJAN Wagner "Tannhäuser" Overture - Salzburg 1987 (1/2)

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Leontopodium nivale subsp. alpinum (Asteraceae)

















Para comemorar este Natal tão gelado, com votos de boas festas para todos os camaradas botânicos e bloguistas, nada como o bom velho Leontopodium nivale subsp. alpinum (Cass.) Greuter in Willdenowia 33: 244. 2003, bem conhecido como "edelweiss" - vocábulo germânico que significa "nobre brancura" ou "nobre pureza", como se pode confirmar aqui: Leontopodium alpinum - Wikipedia, the free encyclopedia.
Também se pode designar como "pé de leão" ou "flor da rainha", como nos informa a excelente enciclopédia acima citada. É um endemismo das montanhas europeias que, infelizmente, não se encontrou ainda em Portugal.
The Euro+Med Plantbase Project

Para acompanhar musicalmente esta maravilha, vamos sugerir, do grande compositor veneziano Antonio Vivaldi, Juditha Triumphans - Arma, caedes, vindictae, furores:
YouTube - Antonio Vivaldi - Juditha Triumphans - Arma, caedes, vindictae, furores
YouTube - Vivaldi: Arma, caedes, vindictae (Juditha Triumphans)
um fragmento de uma obra composta para comemorar a vitória da República de Veneza no então recente cerco de Corfu (1716):
Juditha triumphans - Wikipedia, the free encyclopedia

Cladoptose I

Nas plantas a produção de ramos e folhas e a expansão da copa para capturar luz é uma inevitabilidade: parar de crescer é morrer, literalmente. Nas plantas lenhosas a acumulação de ramos em grande número aumenta os gastos energéticos (as células vivas consomem energia), a resistência à deslocação das seivas, o risco de ensobramento e de lesões mecânicas nas folhas, e o risco de ruptura de ramos e pernadas por efeito do peso ou da acção mecânica do vento. Por conseguinte, a rejeição dos ramos em excesso na copa e a aquisição evolutiva de mecanismos para o efeito são potencialmente vantajosos.
Ramos de Platanus orientalis arrancados numa tarde de temporal. 

A libertação controlada - por iniciativa da árvore - de ramos chama-se cladoptose. Esta expulsão, facilitada ou não pelo vento, envolve a formação de zonas de abcisão, à semelhança do que acontece com as folhas, flores abortadas, frutos maduros ou sementes.
O peso e o vento forçam também a queda passiva dos ramos em excesso, seleccionando, preferencialmente, ramos ensombrados, doentes ou mal inseridos (os ramos cruzados e sobrepostos são mais resistentes à força do vento e, por isso, passíveis de serem arrastados pelos filetes de ar). As árvores servem-se do vento para limpar (podar) as suas copas. As ventanias e os temporais afinal podem ter um papel importante na saúde das árvores!

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Cyphostemma uter (Vitaceae) II

Um presente de Natal do meu querido amigo José Carlos Costa:


Mais uma imagem da Cyphostemma uter, uma vitácea [família da videira] fotografada na semana passada do deserto do Namibe, que em tempos apresentei neste blogue (aqui). Diz-me o José Carlos Costa que esta espécie é acidófila sendo substituída pela C. currorii em substratos calcários.
Aqui mostrei outras árvores-garrafa das áreas subdesérticas do SW de Angola, mas esta bate qualquer uma das outras aos pontos!

domingo, 19 de dezembro de 2010

Viscum album (Santalaceae) II
















Em época pré-natalícia, dificilmente alguma planta parecerá mais adequada do que o visco: Viscum album L., Sp. Pl. 2: 1023. 1753 [1 May 1753]:
IPNI Plant Name Query Results
Viscum album - Wikipedia, the free encyclopedia

Este belíssimo arbusto parasito, o "mistletoe" dos ingleses, tão comum na Europa -"Habitat in Europae arboribus, parasitica", segundo o grande Lineu (l.c.)-, parece infelizmente estar extinto no nosso País, embora a Flora iberica aponte a possibilidade de ele existir em duas províncias: Mi e E:
http://www.floraiberica.es/floraiberica/texto/pdfs/08_102_01%20Viscum.pdf

Outra espécie congénere, Viscum cruciatum Sieber ex Boiss., o visco das oliveiras, também terá existido rm Portugal, no AAl, mas estará actualmente já extinto, de acordo com a excelente Flora iberica.

Como acompanhamento musical para o visco, parece-nos particularmente apropriada esta bela canção de Natal de Buck Ram, Kim Gannon e Walter Kent I'll Be Home for Christmas - Wikipedia, the free encyclopedia, aqui brilhantemente interpretada pelos Carpenters: "I'll Be Home For Christmas"
YouTube - Carpenters "I'll Be Home For Christmas"

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Pandorea ricasoliana (Bignoniaceae) e Cuphea micropetala (Lythraceae)














Perdoem os estimados leitores a fraca qualidade da segunda foto aqui apresentada, mas as plantas nela representadas parecem-nos bem interessantes: a bela Bignoniácea Pandorea ricasoliana "Baill." ex K.Schum. -- Nat. Pflanzenfam. [Engler & Prantl] iv. 3b (1894) 230 IPNI Plant Name Query Results;
e Cuphea micropetala Kunth, ou «flor-cigarro» (Lythraceae):
Cuphea - Wikipedia, the free encyclopedia.

Estas duas beldades ornamentais arbustivas foram encontradas em floração hoje mesmo em ambiente urbano, o que torna particularmente apropriado o seguinte acompanhamento musical, de extraordinária beleza:
YouTube - The Go-Betweens - Streets Of Your Town Version 1,
dos infelizmente já desaparecidos Go-Betweens:
The Go-Betweens - Wikipedia, the free encyclopedia

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Conopodium majus subsp. marizianum (Apiaceae)

















Aqui fica mais um dos nossos preciosos endemismos: Conopodium majus (Gouan) Loret subsp. marizianum (Samp.) López Udias & Mateo, Anales Jard. Bot. Madrid 57(2): 473. 2000 [1999 publ. Jan 2000] IPNI Plant Name Query Results
= Conopodium marizianum Samp., Ann. Sci. Nat. Porto x. 77 (1906) IPNI Plant Name Query Results, um endemismo ibérico conhecido pela curiosa designação vernácula «castanha-subterrânea-menor», como se pode verificar na excelente Flora iberica, vol. X: http://www.floraiberica.es/floraiberica/texto/pdfs/10_129_31%20Conopodium.pdf.
Para acompanhamento musical desta bela umbelífera endémica, escolhemos a excelente abertura do Meistersinger von Nürnberg:
YouTube - Wagner Die Meistersinger von Nürnberg; Prelude to Act I; Solti
Dos mestres cantores de Nuremberg, o mais famoso terá sido possivelmente Hans Sachs: Hans Sachs - Wikipedia, the free encyclopedia

sábado, 11 de dezembro de 2010

Mandragora officinarum (Solanaceae)


















Depois de um post extraordinariamente interessante e belo, aqui fica um muito mais modesto. A planta aqui apresentada, contudo, é bem fascinante: a Solanácea Mandragora officinarum L., Sp. Pl. 1: 181. 1753, conforme se pode encontrar por exemplo aqui IPNI Plant Name Query Results ou aqui: Mandrake (plant) - Wikipedia, the free encyclopedia.
Citando o grande Lineu (l.c.), esta bela planta pode encontrar-se na Região Mediterrânica, desde as Penínsulas Ibérica e Itálica até Creta e as Ilhas Cíclades.
Este endemismo mediterrânico também foi recentemente encontrado na Turquia, como se pode verificar neste excelente artigo:
http://www.academicjournals.org/AJB/PDF/pdf2009/4Aug/Fakir%20and%20%C3%96z%C3%A7elik.pdf

Como acompanhamento musical vamos sugerir 'Til I Die, do genial Brian Wilson:
YouTube - The Beach Boys - 'Til I Die

Acerca desta pérola musical, encontra-se abundante informação aqui:
'Til I Die - Wikipedia, the free encyclopedia

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Apologia do fogo - uma divagação sem rumo


Infrutescência de Banksia sp. após fogo recente. Em cada folículo aberto é visível um septo caduco, e a asa de algumas sementes
(este post é baseado em observação pessoal e não em bibliografia, algumas ideias podem estar erradas. Peço desde já desculpa pela extensão do post)

No sudoeste da Austrália, o clima também é mediterrânico. Também, como cá, as plantas aprenderam a sobreviver às grandes flutuações climáticas, em precipitação e temperatura, quer ao longo do ano, quer entre anos diferentes. Também, como cá, as plantas aprenderam a sobreviver ao fogo - mas cá, apenas algumas; lá, praticamente todas.
O fogo na Austrália mediterrânica faz parte do quotidiano das plantas, ao contrário de cá. Cá existem muitas comunidades que, após um fogo, acabam severamente alteradas na sua composição, podendo levar muitas décadas ou séculos a restabelecerem-se como eram - mas não vou entrar por aqui - ao passo que lá, mesmo as florestas dos eucaliptos gigantes - aqueles que atingem 90 metros de altura (karri, Eucalyptus diversicolor e tingle, Eucalyptus jacksonii) - mesmo estas florestas estão de alguma forma dependentes do fogo; a regeneração de semente não ocorre se não após um incêndio, a floresta "climácica" não é auto-sustentável sem esta perturbação. As árvores que fazem a floresta - vários eucaliptos - comportam-se, no fundo, como plantas pioneiras mas de vida longa.

Infrutescência de Banksia sp. antes do fogo. À direita, inflorescência de Banksia coccinea

A grande maioria das plantas arbustivas e arbóreas na Austrália possui uma estratégia que é raríssima cá: a serotinia, isto é, as sementes são apenas libertadas do fruto após um estímulo externo (e não na sua maturação, como é costume), que no caso australiano é quase sempre o fogo, quer directamente pelo calor e desidratação, quer indirectamente por matar a planta-mãe, o que resulta também na desidratação do fruto. O banco de sementes está, portanto, na copa das plantas, a salvo dos predadores, fungos e demais intempéries, e não no solo como cá acontece nas plantas a que costumamos chamar de seeders.
Entre as mais fantásticas, estão dois géneros formidáveis, Banksia e Hakea (já consigo ouvir muitos portugueses a contorcerem-se quando disse este último nome...), ambos da família Proteaceae. As infrutescências de Banksia são estruturas impressionantes. Imaginem um ananás de madeira compacta; é mais ou menos isso. Cada inflorescência de Banksia produz largas centenas de flores (milhares nalgumas espécies como B. grandis), mas só uma ínfima percentagem produz fruto. Contudo, todas as flores, polinizadas ou não, se mantém na infrutescência e endurecem, fazendo uma estrutura compacta e pesada. Uma estrutura tão compacta que não arde.

Fruto de Hakea sp. (a referida no texto), totalmente "escancarado". Vêem-se as cavidades, uma de cada lado, onde estavam alojadas as 2 únicas sementes. 55g de "madeira", 2 sementes.

Tenho alguns dados concretos, mas são medidas únicas, não médias, devem ser vistos com cautela. Um "cone" de Banksia grandis, que pesa 765g (peso seco) tem cerca de 180 sementes (o peso das sementes é desprezável). Não parece nada de especial, mas comparem com uma pinha de pinheiro bravo, que tem cerca de 180 sementes e pesa ca. 95g. Mesmo assim, a B. grandis não lhe fica muito à frente. Já uma Banksia menziesii produz um cone com 100g e que contém 18 sementes... uma outra Banksia, 190g para 18 sementes... e finalmente, uma Hakea sp. (foto acima): um fruto que pesa 55g (peso seco sem as sementes), contém apenas 2 sementes... resumindo:
Pinus pinaster: 0.6 g/semente
B.nutans: 1.1 g/s
B.grandis: 4.25 g/s
B.menziesii: 5.6 g/s
B.sp. (nenhuma das fotografadas): 10.6 g/s
Hakea sp. (foto em cima): 27.5 g/s

Hakea victoria, uma das mais famosas. A planta vai reabsorvendo os pigmentos, ano a ano, das folhas velhas, o que provoca uma gradação de cores verde>amarelo>vermelho>senescência devido aos pigmentos que ficam. Segundo bibliografia, tal não acontece quando a planta cresce em solos férteis (raros), por motivos óbvios.

É um investimento brutal em carbono fixado que estas plantas fazem, para tão poucas sementes. O caso da Hakea sp. é inacreditável. Tudo isto para garantir a sua protecção - contra o fogo e contra predadores terríveis como as cacatuas - ou para outro fins que agora não vislumbro.
As sementes, como já se depreende, permancem bem fechadas dentro dos frutos lenhificados (folículos) indefinidamente e são apenas libertadas por acção do fogo. Nada como fazer um churrasco de cones de Baksia para observar este fenómeno, que é bastante rápido após o fogo passar.
A explosão de vida após um fogo, lá, é ainda mais intensa do que cá. Para além de Banksia e Hakea, muitos outros arbustos exibem serotinia, nomeadamente uma miríade de géneros da família Myrtaceae (Melaleuca, Beaufortia, Calothamnus, Eucalyptus e sei lá quantos mais...), que é altamente diversificada naquela região; e também da família Casuarinaceae (Allocasuarina e Casuarina). Todas estas sementes de todas estas espécies aproveitam o pós-fogo, numa apoteose de germinação, favorecida pela abundância de nutrientes acabados de libertar. Outras plantas só agora florescem, a sua floração é rara e praticamente só ocorre estimulada pelo fogo. Mas isso fica para depois.
Infrutescência de Banksia grandis - 25 cm, 765g.

E termino por aqui, que já vai longo, mas ficou muita coisa por dizer. A partir desta base, que não é quase nada, podia-se abordar tantos outros temas. Em próximos posts, talvez, outras perspectivas!

Os frutos protagonistas.
Fotos: Ana Júlia Pereira e Miguel Porto

domingo, 5 de dezembro de 2010

A neve e o frio, e as vacas, as ovelhas e as cabras

Estas fotos vêm da Serra de Montemuro, tiradas na semana que passou pelo meu amigo Tiago Henriques.


Semanas a fio de frio e neve eram frequentes há poucas décadas a trás. O isolamento pouco significava para as gentes da montanha, porque isolados eram por natureza os povoados do interior norte e centro de Portugal. Difícil sim era sustentar o gado com o monte coberto de neve. Uma vaca consome ca. de 15 kg de matéria seca por dia e uma ovelha ou uma cabra cerca de 1/6 deste valor. E a falta de alimento tem um enorme impacto na saúde e na performance produtiva dos herbívoros domésticos. O feno cuidadosamente armazenado em Julho/Agosto era a solução mais fácil para obviar a escassez alimentar. As folhas dos ramos de carrasco [nome dado à azinheira, Quercus rotundifolia, no NE de Portugal] amontoados debaixo do sobrado eram outra. Muitas vezes não havia alternativa a sair com as vacas para o cucuruto do monte limpo da neve pelo vento, armado de galochas de cano alto, capa de burel pelas costas e um balde sal grosso pendurado no braço. Em tempos ainda mais recuados calçavam-se socas de amieiro e vestia-se a croça [capa de palha]. Para aumentar a palatibilidade e a ingestão pelos animais aspergiam-se com sal os ramos das carquejas (Pterospartum tridentatum subsp. pl.) e as folhas dos carrascos, duas espécies com algum valor alimentar, particularmente resistentes aos efeitos do vento frio e da geada.
Bem mais fácil é escrever posts com os pés no quente, e o vento frio e a neve contidos do lado de fora da janela hermética de PVC.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Linaria hirta (Plantaginaceae)



Falou-se ontem aqui nesta belíssima Antirrínea... por isso deixamo-la hoje aqui, fotografada já há vários anos nos terrenos da Estação Nacional de Melhoramento de Plantas, em Elvas: Linaria hirta (L.) Moench, Suppl. Meth. (Moench) 170. 1802 [2 May 1802] = Antirrhinum hirtum L., Sp. Pl. 2: 616. 1753 [1 May 1753], como se pode ver aqui: IPNI Plant Name Query Results.
Trata-se de uma planta anual, que "habita na Hispânia" (incluindo a Lusitânia!), de acordo com o grande Lineu (l.c.), em conjunto com as rubras e vistosas papoilas: Papaver rhoeas L., da família das Papaveráceas.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Sinapis arvensis (Brassicaceae)

No passado mês de Junho, num leito de cheias cascalhento de um pequeno rio transmontano, longe de tudo e de todos, herborizei esta planta:

«A linha de água está pouco perturbada e as encostas sobranceiras revestidas por abundantes azinhais climácicos. A planta deve ser rara!», pensei então. Entusiasmado, corri para o herbário; segui as chaves das Floras e observei ao pormenor os meus exemplares herbário de brassicáceas com frutos compridos (silíquas). O resultado era sempre o mesmo. «Não pode ser! O sítio é perfeito para plantas invulgares!». Recusei-me a aceitar. Enviei uma foto a um amigo botânico; o veredicto foi rápido e claro: Sinapis arvensis, a mais do que frequente mostarda-dos-campos. Que desilusão! Não tinha, afinal, encontrado uma espécie nova para Trás-os-Montes, e muito menos para Portugal.

Este relato pequenino pouco interesse tem; não chega sequer para um blogue descomprometido de divulgação botânica. Porém estimula a imaginação, oferece uma razão para recuperar, ainda brevemente, uma das especulações preferidas  da comunidade fitossociológica: na paisagem pristina, há mais de 5000 anos, qual era o habitat das espécies que hoje preenchem os nossos campos e matos? Por outras palavras: Onde estavas tu, planta daninha, arbusto enfadonho, antes do Neolítico?
Estas dúvidas não têm uma resposta simples e objectiva. Vai-se especulando, vai-se cambiando de ideias com novas observações, com pequenas epifanias. Cada planta é um caso, e um caso por natureza insolúvel.
De qualquer modo, a dita Sinapis arvensis (Brassicaceae), o Pinus pinaster (Pinaceae) «pinheiro-bravo» e o Cistus ladanifer (Cistaceae) «esteva» numa escapa, a Erica australis (Ericaceae) «urze-vermelha» encavalitada numa crista quartzítica, a Spergula arvensis (Caryophyllaceae) que germina às primeiras chuvas num mato recentemente ardido ou o Cynodon dactylon (Poaceae) «grama» a perfurar um exíguo mouchão de areias acumulado nas margens de um rio de montanha, estas e muitas outras plantas, fazem-me suspeitar da sua raridade, ou, pelo menos, infrequência nas paisagens pristinas.
O Neolítico, a agricultura, alterou a ordem das coisas: o que era raro volveu abundante e o comum incomum. Com muitas excepções, suponho.
A conservação da natureza, como muito bem dava a entender o Luís Moreira num comentário a este post, está impregnada pelos modelos de paisagem das sociedades orgânicas tradicionais, que sobreviviam, mal, muito mal, a malhar nos ecossistemas naturais, numa luta diária para recuperar ou colher o átomo de azoto e de fósforo e com ele fazer a seara e a horta, e compensar à justa a enorme despesa energética dos corpos retorcidos pela enxada e pela gadanha.
Este referencial em cima do qual raciocinamos a conservação da natureza, no fundo, esta ideologia, não parece lá muito lógica.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Clerodendrum ugandense (Lamiaceae)

















Depois de um belo post sobre carvalhos, aqui fica mais uma bela planta não identificada, fotografada há anos no interior de uma estufa do Jardim Botânico de Berlim, na vizinhança de uma begónia (Begoniaceae). Esperamos, como já é habitual, que algum dos sábios leitores deste blog forneça mais uma preciosa identificação!

Entretanto, graças à tempestiva intervenção do amigo Paulo, vamos corrigir este post:
trata-se do interessante arbusto ornamental Clerodendrum ugandense Prain, Bot. Mag. 135: t. 8235. 1909 (IPNI Plant Name Query Results), actualmente pertencente à familia das Labiadas mas que era tradicionalmente uma Verbenácea.

E, para acompanhar esta beldade, vamos sugerir uma ida fugaz ao Festival de Jazz de Montreux (1980), para ouvir e ver o grande Steve Hackett interpretando "Everyday":
YouTube - Steve Hackett - Everyday

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A marcescência das folhas em Quercus faginea (Fagaceae)


Exemplar de carvalho-alvarinho semi-caducifólico em S. Pedro de Moel.

Num excelente post anterior do meu amigo Carlos Aguiar, falou-se no conceito de marcescência e semi-caducifolia e deu-se como exemplo Quercus faginea e Quercus pyrenaica. É complicado referir que uma determinada espécie do género Quercus é marcescente ou semi-caducifólica porque se trata de género com multi-espécies que hibridam nas zonas de contacto e portanto podem partilhar haplótipos facilmente. A semi-caducifolia é típica das zonas temperadas húmidas na costa Este dos continentes e nas zonas subtropicais enquanto a marcescência ocorre em zonas montanhosas interiores em clima mediterrânico. O carvalho-cerquinho (Quercus faginea) é uma espécie típica das zonas mais continentais da Península Ibérica (Quercus faginea subsp. faginea). A sua presença no quadrante Sudeste da Península Ibérica (Quercus faginea subsp. broteroi), em zonas litorais parece ser uma contradição da ecologia desta espécie. Contudo a sua capacidade para absorver mais nutrientes durante o Outono, uma característica típica da marcescência, permitiu-lhe colonizar os solos pobres calcários do maciço estremenho, ocupando um nicho ecológico vago, já que sobreiro é incapaz de ocupar solos básicos. O centro Oeste do litoral Ibérico possui algumas áreas com um andar bioclimático e ombroclima (mesomediterrânico inferior húmido) com algumas semelhanças com as zonas temperadas húmidas, e que permitem o aparecimento dos louriçais mais exuberantes da nossa laurissilva incipiente. Neste contexto climático alguns exemplares de Quercus faginea e Quercus robur são claramente semi-caducifólicos, deixando parte das folhas verdes durante todo o ano. O facto de nesta região o carvalho-alvarinho e o carvalho cerquinho partilharem alguns haplótipos (especialmente na zona compreendida entre a Serra da Boa Viagem e Valongo), juntamente com as enormes populações de Quercus x coutinhoi (híbrido entre as duas espécies) da zona da Serra de Sicó, parecem indicar que estas estratégias evolutivas não são características intrínsecas das espécies mas sim o resultado de uma extensa troca de genes seguida de uma selecção positiva.

sábado, 27 de novembro de 2010

Amanita rubescens e A. vaginata (Amanitaceae)

Uma grave intoxicação com A. phalloides pôs em perigo uma família alargada de uma aldeia próxima de Bragança. A criança teve que ser submetida a um urgente transplante de fígado. A intoxicação dos adultos  foi menos severa e estão livres de perigo. Suponho que a massa corporal - necessariamente maior do que a da criança - os tenha salvo.


Não tenho fotos de Amanita phalloides. Em troca, duas outras Amanita, A. rubescens (à esquerda) e A. vaginata (à direita), amavelmente identificadas por uma amiga especialista.

Este triste e lamentável acidente poderá ter sido devido a uma confusão entre a perigosíssima A. phalloides e a deliciosa A. cesarea.
Ao contrário do que muita gente da cidade pensará, os habitantes do nosso espaço rural não são exímios naturalistas. Cada vez menos.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A Marquesa de Alorna e a botânica

Leonor de Almeida Portugal [1750-1835], Marquesa de Alorna, teve uma vida tão longa como acidentada. Sofreu as perseguições do Marques de Pombal, e refugiou-se por duas vezes exilada no estrangeiro. Assistiu ao terramoto de 1755, à primeira fase da decadência dos Braganças, às invasões francesas, à guerra civil e à instauração da monarquia constitucional. A adolescência passou-a desterrada num mosteiro, em Chelas, não sem o convívio de visitadores masculinos. Casou com um alemão que, como era e ainda é hábito na nação, dado o berço alóctone, subiu meteoricamente no poder e na escala social indígena. Aparentemente, esteve envolvida no assassinato de um general francês. Uma filha foi amante de Junot; um filho acompanhou os exércitos de Napoleão à Rússia. Conviveu com a nata da nobreza europeu e o melhor da elite cultural portuguesa. Acabou os seus dias, bem, numa quinta apalaçada nos arredores de Lisboa.
Mulher de densa cultura, estupenda inteligência e incontida petulância aristocrática, pintou e foi autora de traduções e de uma obra poética vasta. Um dos seus livros de poesia tem por título "Recreações botanicas". Conheço dois artigos sobre o livro, ricos de comentários e transcrições, da autoria de Luis de Pina (1953) e da Prof. Maria Helena Rocha Pereira (1983). Da sua leitura percebo que além de um acurado conhecimento teórico da ciência botânica e da sua história - leu Lineu e Tournefort, louva Correia da Serra e Brotero e recomenda a botânica como fonte de prazer e elevação - a Marquesa de Alorna percepcionou a forma das plantas, entendeu o sistema sexual lineano, e conhecia de facto as plantas e o seu uso.
Atentem nestes dois trechos de poesia.
Sobre as leguminosas:

Quantos legumes saborosos cobre
Uma silica branca! Com que graça
Verde e branco o faval recrêa a vista!
Como a luzerna, que viçosa cresce
D'esmeraldas os campos alcatifa!
Quantas mais com profusos dons contentam
Homens, aves, quadrupedes, insectos!
As artes, a saúde, a economia,
Implorando os aureílios desta Classe,
Sem as plantas que pródiga concede
Talvez parcos triunfos obteriam.

Medicago orbicularis (Fabaceae), uma luzerna anual, frequente nas áreas de clima mediterrânico de Portugal continental, com algum interesse nas misturas de sementes de pastagens ricas em leguminosas

E das labiadas:

As labiadas são familia illustre
Que a Natureza distinguiu vaidosa,
Pela forma do calix, pelas bracteas,
Pela corolla as reconhece as eschola.
Destas plantas cheirosas as virtudes.
Combatem as tristeza, a dôr, e a morte:
...

Teucrium heterophyllum (Lamiaceae), um soberbo endemismo madeirense e canarino

Ficam pela certa bem a abrir uma dissertação sobre metabolitos secundários e substâncias aromáticas ou, então, um panegírico dirigido às leguminosas, ao rizóbio e à nitrogenase. O último servia também um livro de agricultura biológica, não fora a natureza alternativa da política de muitos dos seus praticantes.
[fotos C.Aguiar]

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Mais uma planta não identificada (Brassicaceae)




Trazemos hoje aqui uma crucífera não identificada, fotografada no Jardim Botânico de Berlim já há vários anos. Não sabemos se será uma planta particularmente comum, mas parece-nos dar-se bem em sítios frescos e sombrios, apresentando uns curiosos bulbilhos globosos anegrados, algo semelhantes às amoras das silvas.
Pode ser que algum dos ilustres leitores deste blog nos possa esclarecer acerca da identidade desta crucífera...
A Fagus sylvatica L. (Fagaceae) e a Hedera helix L. (Araliaceae) também são bem visíveis nestas duas fotos, e, possivelmente, ainda outras espécies umbrófilas.

sábado, 20 de novembro de 2010

Cereal-pousio: erosão com o apoio da UE

Imagens como esta continuam a ser frequentes em Trás-os-Montes e em todo o sequeiro mediterrânico português:


Preparação do solo - para trigo, talvez - no sentido do maior declive

Mesmo em declives suaves, qualquer que seja o número, a época ou o sentido das mobilizações, a rotação cereal-pousio herdada da Roma clássica origina enormes perdas de solo por erosão (para entender o porquê proponho a leitura do capítulo IV deste livro):

Seara de centeio [PNM, Carragosa, Outubro de 2010]


A terra acaba por se esvair. Sobra um solo de palmo, com a mesma profundidade a que se desloca a relha da charrua:

Restolho de Trigo [Concelho de Macedo de Cavaleiros]


A rotação cereal-pousio é apoiada financeiramente pela UE porque - é senso comum - terá um papel essencial na conservação de uma certa biodiversidade animal. Faz sentido trocar um recurso não renovável - o solo - por um hipotético efeito benéfico em espécies cuja área de ocupação actual é um produto da perturbação antrópica holocénica? Para mim não faz, e duvido que as gerações futuras agradeçam tamanho empenho. A rotação cereal-pousio é anacrónica.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Narcissus triandrus (Amaryllidaceae)



















Os narcisos surgiram finalmente na Flora iberica, assim como diversos outros géneros (Agave, Furcraea, Galanthus, Lapiedra, Leucojum, Pancratium, Sterbergia, Yucca)!

http://www.floraiberica.es/v.2.0/miscelania/noticias/imprenta_XX.php

http://www.floraiberica.es/floraiberica/texto/imprenta/tomoXX/20_184_05_Narcissus.pdf

Para comemorar este acontecimento, aqui ficam imagens de Narcissus triandrus L. subsp. pallidulus (Graells) Rivas Goday, Veg. Fl. Guadiana 710. 1964 (o narciso amarelo mais vivo, endémico da Península Ibérica);

e Narcissus triandrus L., Sp. Pl., ed. 2. 1: 416. 1762 [Sep 1762] subsp. triandrus
IPNI Plant Name Query Results,
que é o narciso amarelo mais pálido, endemismo peninsular que também ocorre nas francesas Ilhas Glénans, de acordo com a excelente Flora iberica vol. XX (l.c.).

Sendo o género Narcissus L. um género dourado, deixamos aqui música apropriada, do grande compositor e dramaturgo Wilhelm Richard Wagner:
YouTube - Der Ring des Nibelungen, Das Rheingold Act 1: Prelude-Part I

domingo, 14 de novembro de 2010

Umbilicus heylandianus (Crassulaceae)

Cruzei-me-me com estes Umbilicus sob coberto de Quercus rotundifolia (Fagaceae) «azinheira» no Planalto de Miranda, no final da passada Primavera:

Umbilicus heylandianus (Crassulaceae). Distingue-se facilmente das outras duas espécies do género Umbilicus presentes em Portugal - U. rupestris e U. gaditanus - pelas suas flores tubulosas estranguladas na fauce [à entrada do tubo da corola].

Estes Umbilicus fizeram-me lembrar alguns Aloe (Xanthorrhoeaceae) angolanos e namibianos que admiro nos guias de árvores de autores sul-africanos. Embora evolutivamente muito distantes - os Umbilicus são eudicotiledóneas da família das Crassuláceas e os Aloe monocotiledóneas da família das Xanthorrhoeáceas - as semelhanças ao nível da inflorescência e da forma da corola são evidentes.