Roma deixou-nos três grandes tratados de agronomia: o De Res Rustica, ou De Agri Cultura, do zelador dos bons costumes Marco Pórcio Catão (Marcus Porcius Cato) (234-149 a.C.); o Rerum Rusticarum do polímata de Pompeu o Grande, Marco Terêncio Varrão (Marcus Terentius Varro) (116-27 a.C.); e o Res Rustica do bético, cidadão de Cádiz, (Lucius Junius Moderatus) Columella (4-70 d.C.).
Recentemente foi publicada uma tradução comentada em espanhol do De Agri Cultura, infelizmente centrada no direito romano (vd. aqui). Existe uma tradução comentada portuguesa do livro de Varrão da autoria de Moisés Amzalak, publicada em 1953. O Columella está disponível em inglês aqui; com algum esforço encontrarão na net um pdf com a versão latina e a tradução inglesa em paralelo.
Nos alfarrabistas aparece de vez em quando uma tradução das Georgicas de Vergílio comentada pelo Prof. Ruy Mayer, professor de hidráulica no Instituto Superior de Agronomia, publicada pela Sá da Costa, em 1949. Dizem os exegetas que Vergílio foi beber grande parte do saber agronómico ao Rerum Rusticarum de Varrão, e que erra quando resolve seguir o seu próprio caminho. Neste post interessa-me apenas chamar a atenção que para além da substância agronómica do texto vergiliano, os comentários do Prof. Ruy Mayer são do maior interesse porque fazem um relato comparado, rico de erudição e pormenor, entre a agricultura romana e a agricultura orgânica praticada no sul do país, antes da generalização das máquinas agrícolas e dos fertilizantes de síntese. Ninguém deveria terminar um curso de agronomia ser ler Columella e a tradução das Geórgicas do Prof. Ruy Mayer! Ninguém deveria cursar agronomia sem um disciplina consistente de história da agricultura!
Espero voltar muitas vezes aos textos destes sábios. Por ora comento uma bonita passagem sobre lameiros do livro de Columella (II, 17, tradução da versão inglesa de H. B. Ash, 1941): "O cuidado dos lameiros é, no entanto, mais uma questão de cuidado do que de esforço. Em primeiro lugar não devemos deixar que arbustos ou espinheiros ou infestantes vigorosas permaneçam neles, antes do Inverno e durante o Outono haverá que desenraizá-los ..."
Para cuidar de um lameiro, diz-nos então Columella, não basta fenar (cortar, secar e remover a erva), e compor cuidadosamente muros e agueiras. O controlo manual de infestantes é uma tarefa indispensável, a ser realizada durante o período de interrupção do crescimento das ervas pratenses.
Aqui, no NE de Portugal, as infestantes herbáceas que mais estragos causam nos lameiros podem ser organizadas em dois grupos: herbáceas higrófilas, provenientes de ecossistemas ripícolas (que marginam os cursos de água; e.g. Mentha suaveolens); herbáceas meso-higrófilas, com um óptimo ecológico nos carvalhais climácicos, ou nas suas orlas (e.g. Brachypodium rupestre).
Uma gestão descuidada da flora dos lameiros durante o período de repouso vegetativo pode ter estas consequências:
Aqui, no NE de Portugal, as infestantes herbáceas que mais estragos causam nos lameiros podem ser organizadas em dois grupos: herbáceas higrófilas, provenientes de ecossistemas ripícolas (que marginam os cursos de água; e.g. Mentha suaveolens); herbáceas meso-higrófilas, com um óptimo ecológico nos carvalhais climácicos, ou nas suas orlas (e.g. Brachypodium rupestre).
Uma gestão descuidada da flora dos lameiros durante o período de repouso vegetativo pode ter estas consequências:
Lameiro invadido por Mentha suaveolens (Lamiaceae) a partir de uma linha de água (não visível à direita da fotografia)
Invasão de lameiros por Brachypodium rupestre (Poaceae) a partir de orlas florestais. N.b. invasão em mancha de óleo por via vegetativa (o B. rupestre produz rizomas que se espraiam em todas as direcções)
Planta e espiguetas de Brachypodium rupestre (Poaceae). Os herbívoros evitam esta espécie porque as suas folhas são cortantes e ricas em sílica. Um lameiro invadido por B. rupestre não serve para feno ou para pasto e só poderá ser recuperado com uma mobilização do solo, de preferência sucedida pela ressementeira do prado.