No último post (ver
aqui) mostrei que a terrestrialização da vegetação de sapal - i.e. a substituição da vegetação semiterrestre característica dos sapais (e.g. prados-juncais e outras comunidades de sapal) por vegetação terrestre (matos e bosques) - facilita a penetração de um neófito (planta introduzida em datas posteriores a 1500 d.C.) invasor, a
Acacia longifolia (
Fabaceae).
Porém, serão os mouchões com prado-juncal imunes às plantas invasoras?
Infelizmente não!
Stenotaphrum secundatum (Poaceae) a invadir um prado-juncal a partir da margem de um esteiro (canal).
Os prados-juncais do Estuário do Rio Cávados estão a ser invadidos por uma gramínea proveniente das áreas tropicais e subtropicais dos EUA e Caraíbas: o Stenotaphrum secundatum (Poaceae).
Tufo de Stenotaphrum secundatum (Poaceae)
Esta espécie é muito usada em relvados em toda a franja litoral e sublitoral de Portugal Continental. Como os sapais temperados são um habitat semelhante ao habitat nativo do
S. secundatum, a invasão era expectável.
Estolhos de Stenotaphrum secundatum (Poaceae)
Aparentemente, o
S. secundatum segue um padrão de invasão comum com muitas outras gramíneas clonais (que se reproduzem vegetativamente, neste caso por estolhos e rizomas). Primeiro instala-se em sítios perturbados, como sejam a margem dos esteiros, ou solos removidos ou decapados (vd. imagem anterior). Depois, produz estolhos que se insinuam nos tufos de
Festuca rubra subsp.
littoralis, acabando por a subsitituir, e degradar o habitat de espécies de elevado valor conservacionista como a
Armeria maritima (
Plumbaginaceae).
Além do
S. secundatum, os estuários temperados portugueses estão a ser devassados pelo
Paspalum vaginatum (
Poaceae), pela
Spartina versicolor (
Poaceae), pela
Cotula coronopifolia (
Asteraceae) e pelo
Aster squamatus (
Asteraceae), entre outras plantas. Vinda do norte (Galiza e país Basco) aproxima-se uma terrível ameaça, a
Baccharis halimifolia (
Asteraceae), mais uma invasora proveniente dos EUA.
A monitorização da flora dos nossos estuários é urgente!
Então a Baccharis halimifolia ainda não chegou a Portugal?
ResponderEliminarNunca a vi nos estuários, mas pode ser que tenhas outras informações, João. Gosto imenso destes habitats mas vivo a 220 km de distância: as minhas visitas são sempre ocasionais. De qualquer modo, é importante referir que a B. halimifolia é uma real ameaça à vegetação estuarina, e que é essencial vigiar atentamente a flora destes habitats.
ResponderEliminarMuito interessante! (As minhas informações são muito limitadas.) Mas, pelo menos, a Spartina versicolor é espontânea entre nós, ou assim tem sido considerada nas diversas Floras...
ResponderEliminarA Spartina versicolor tem sido considerada espontânea entre nós porque foi descrita para o mediterrâneo como uma espécie autóctone. Contudo, vários autores na altura referiram que correspondia à mesma espécie nativa das costas atlânticas da América, Spartina patens. No entanto, esse erro não foi corrigido e a espécie é considerada como nativa do mediterrâneo na flora europeia. Na monografia do género, Mobberley desfaz a confusão e sinonimiza as duas espécies, algo que Tutin reconhece quando faz o tratamento do género mas que não corrige, mantendo o erro. A introdução da Spartina patens ao longo dos portos mediterrânicos deve ter sido facilitada pelo facto de a espécie ser usada na altura como material de enchimento dos caixotes de carga. E algo curioso é que esta espécie é também uma exótica invasora nos sapais americanos do Pacífico.
ResponderEliminarCaro Paulo, obrigado pela explicação tão completa e tão interessante!!
ResponderEliminarO certo é que a Baccharis halimifolia existe em grande quantidade no parque da cidade do Porto, pronta para a entrar em acção um dia destes. Quando dei aulas a arquitectos paisagistas, expliquei-lhes o problema latente que representavam as espécies exóticas com carácter invasor. Mas ainda há muito arquitecto paisagista na nossa praça a usar Cortaderia selloana nos projectos.
ResponderEliminarObrigado, Paulo.
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