quinta-feira, 12 de março de 2009

Co-evolução

Borboleta-das-couves (Pieris brassicae) numa couve doméstica (Brassica oleracea) [Fernando Oliveira, 2006]


É velha a discussão sobre a real existência de comunidades ecológicas. A co-ocorrência das plantas num mesmo biótopo poderia - num extremo - resultar apenas de selecção ambiental. Isto é, da coincidência de óptimos ecológicos numa mesma residência espacial (um biótopo). São os gleasonianos ou defensores dos modelos neutrais do nicho ecológico. Noutro extremo, estão aqueles que alegam existirem interacções bióticas e como tal, co-dependência funcional entre os indivíduos de distintas espécies compondo as comunidades. Como tal, a comunidade ecológica possuiria propriedades colectivas emergentes e não contidas nas suas partes. Por isso mesmo seria uma entidade com elevado grau de autonomia própria. São os clementesianos e os fitossociólogos em geral. Eu inclino-me a ser destes últimos, apesar de reconhecer que em comunidades espacialmente dispersas e efémeras, como as de herbáceas anuais, a selecção ambiental predominará. Um argumento em favor da segunda hipótese é o que ando a ruminar e tem que ver com a co-evolução. É certo que às comunidades actuais, as plantas terão chegado em instantes diferentes. No entanto, actualmente, os seus caracteres morfológicos, funcionais, fisiológicos e epi-genéticos adaptativos ás condições ambientais actuais (o habitat) são maioritariamente consistentes. Um exemplo são as comunidades mediterrânicas adaptadas à prolongada secura de Verão. Estas adaptações são duas: i) folhas rijas, espessas e coriáceas, rebentar de toiça, dispersão por vertebrados e crescer devagar; ou ii) folhas enroladas protegidas por pêlos ou ceras, produzir muitas sementes dispersas muitas vezes pelo vento, e ocupar o mais rapidamente possível o biótopo com o maior número de indivíduos (são pioneiras portanto).
A coincidência de plantas taxonomicamente tão distintas nestas duas 'soluções', pode ter duas origens: convergência evolutiva a partir de táxones ancestrais longínquos filogeneticamente ou alternativamente a filtragem de habitat de caracteres pré-existentes adaptativos à pressão de selecção (a mediterraneidade, no caso) e herdados dos antepassados. No primeiro caso existe uma grande diversidade filogenética e no segundo baixa diversidade filogenética (quase só ericáceas). Um carvalhal bem conservado é exemplo do primeiro caso e um urzal um exemplo do segundo. Da mesma maneira que a incrível forma da orquídea não faz sentido se não tivesse co-evoluído com o insecto polinizador que 'mimetiza', também aquilo que reconhecemos como uma dada espécie não o faz, sem a história de co-evolução no seio de uma comunidade. Só por isto, as comunidades são coisas com existência real, pois as espécies que a integram são fruto da sua própria co-existência. Os modelos que fazemos das comunidades ecológicas, só por si, seriam úteis para representarmos a vegetação, mas nada nos garantia que não se tratassem apenas disso mesmo - modelos, que são reificações, frutos da mente humana sem correspondência obrigatória na Natureza. No entanto, parece ser mais que isso: as espécies que estão nas comunidades, independentemente de quando os seus antepassados chegaram, são já outras e co-evoluiram aí mesmo. Há limites para o reducionismo e a co-evolução, neste caso, estabelece um deles.

2 comentários:

  1. Falando em genética das comunidades, "A framework for community and ecosystem genetics: from genes to ecosystems" (Whitham et al. 2006) é uma outra referência que vale a pena.
    Entre muitas outras coisas, ali confirma-se a importância dos genótipos locais e o perigo de se plantarem espécies ditas autóctones, mas que têm proveniência longínqua. A importação de espécies autóctones pelos viveiristas deveria ser repensada.

    O artigo encontra-se aqui: https://es.ucmerced.edu/2009_Spring_ES_Seminar_Material/Reading%202_Wooley_Whitham_nrg_06.pdf

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  2. Este é realmente um tema interessante. A poluição genética poderá ser um problema em alguns meios.

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