quinta-feira, 25 de junho de 2009

A flor das angiospérmicas III

A interpretação da flor ancestral mudou significativamente a partir do início da década de 90 do séc. XX (vd. este post). Sucederam-se em catadupa as publicações. Num artigo ainda quentinho, publicado este ano no American Journal of Botany, Peter Endress e James Doyle fazem um ponto da situação e (re)discutem em profundidade a questão (em evolução das plantas, como em muitas outras áreas científicas, é suficiente memorizar uma dúzia nomes e para saber as novidades basta visitar ciclicamente as suas páginas pessoais).

As angiospérmicas basais (e.g. Amborella trichopoda e nenúfares [Nymphaeaceae]) e o registo fóssil, tratados com as ferramentas conceptuais e estatísticas apropriadas, indiciam que a flor primitiva entre outros caracteres possuía: mais de dois nós (= verticilos) de tépalas e de estames; carpelos ascidiados, livres e fechados por secreções (sem um tecido a conectar as margens do carpelo). Não é claro se esta flor era unissexual ou hermafrodita, se a filotaxia das peças florais era verticilada ou alterna em espiral ou, ainda, se as tépalas eram diferenciadas em sépalas e pétalas. As flores dos grupos basais (“mais primitivos”) actuais ao que parece resultam da simplificação de flores mais complexas quando há pouco tempo se admitia serem primitivamente simples.

Nuphar lutea «golfão-amarelo» (Nymphaeaceae), uma angiospérmica basal

Os mais sérios candidatos a polinizadores das primeiras angiospérmicas são agora as moscas (ordem Diptera).

Lucilia caesar, uma belíssima espécie da ordem díptera (certamente já falecida :-) porque os insectos geralmente "vivem depressa e morrem cedo", ao contrário da maioria das plantas)

Os filogenistas de plantas bem se esforçam por encontrar trilhos seguros e consistentes para explorar o passado das plantas com semente (inc. plantas com flor). Infelizmente continuam a escassear respostas definitivas; cada novo paper sobre o tema parece adicionar mais entropia ao tema do que soluções. É bem provável que, um destes dias, a interpretação da flor primitiva se altere radicalmente com a descoberta de mais um estranho fóssil numa remota montanha da China ou nos depósitos argilosos do mesozóico em Portugal, ou com a (re)interpretação evolutiva de uma pequena planta esquecida pelos botânicos num dos recantos deste mundo.
[fotos C. Aguiar]

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