sábado, 19 de dezembro de 2009

Vacas e pastores I

Num destes dias de Outono fotografei esta terna cena pastoril ...



... formigas de Camponotus cruentatus (Hymenoptera, Formicidae) - uma espécie muito comum na Península Ibérica - a ordenharem cuidadosamente um pequeno rebanho de afídeos (Homoptera, Aphidae), num ramo de dois anos de Cytisus striatus (Fabaceae) «giesta-amarela». Os Camponotus da imagem aproximavam-se, geralmente por detrás, dos seus afídeos, estimulavam-nos com as antenas, estes libertavam uma pequena gota brilhante de um líquido açucarado (a melada), que as formigas sorviam com avidez.
O C. cruentatus alimenta-se de insectos mortos, ou de secreções açucaradas produzidas por plantas ou afídeos. Estudos de ecologia alimentar revelaram que esta espécie tem uma clara preferência pelas meladas de afídeo (Alsina et al., 1988).

As relações mutualistas entre formigas e afídeos são um caso sério de sucesso evolutivo. No Reino Holártico (regiões do hemisfério norte de clima não tropical) os afídeos são muito comuns em folhas e ramos não atempados (ainda verdes), enquanto não chegam os frios invernais. E onde há afídeos ... há formigas.
Os princípios desta relação mutualista são relativamente simples. As formigas oferecem uma protecção agressiva contra predadores e parasitóides (pequenas vespas que depositam ovos no interior do corpo de insectos, como nos filmes da saga "Alien", ver, em sequência, aqui, aqui e aqui). Os afídeos compram um serviço de segurança usando como moeda de troca um alimento energético, extraído directamente do floema das plantas (feixes vaculares que transportam a seiva elaborada nas plantas) com uma armadura bucal picadora-sugadora (constituída por um tubo flexível que penetra os tecidos das plantas).
Protegidos dos seus inimigos, os afídeos podem dedicar-se ao pecado da gula, e reproduzir-se aceleradamente. Durante a maior parte do ano a reprodução faz-se sem sexo (os afídeos que se observam nas árvores de fruto e outras plantas são geralmente fêmeas partenogenéticas, i.e. que se reproduzem assexuadamente). Os machos e as fêmeas sexuadas geralmente só se diferenciam no final da estação favorável (nas nossas latitudes no Outono).
Os afídeos têm, por norma, um efeito muito depressivo no crescimento das plantas. Muitas plantas cultivadas são susceptíveis aos ataques de afídeos (e.g. macieira, pessegueiro e cerejeira) ou aos vírus por eles transmitidos (e.g. batateira e beterraba). Não surpreende, por isso, que a indústria de pesticidas tenha desenvolvidos insecticidas específicos contra afídeos, os aficidas.

Qual a relação entre a cena bucolica representada na fotografia e os sistemas de agricultura, i.e. e o uso agrícola das plantas e animais domesticados (vd. etiqueta)? Será este o tema do próximo post.

3 comentários:

  1. "terna cena pastoril ..." é uma maneira particularmente poética de descrever esta cena...

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  2. As formigas são então a 'tenente Ripley' dos afídeos...
    E não há predadores das formigas e/ou afídeos? Os ataques de afídeos devem dar-se sobretudo nos cultivares.

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  3. Embora protegidos pelas formigas - por um exército de ten. Ripley ;-) - os afídeos têm, para nossas sorte, inúmeros inimigos, e.g. joaninhas (Coleoptera, Coccinellidae), crisopídeos (Neuroptera, Chrysopidae) e larvas de sirfídeos (Diptera, Syrphidae). As aves insectívoras são os inimigos mais conhecidos das formigas.
    Os ataques de afídeos são vulgaríssimos, quer em agroecossistemas (culturas agrícolas), quer em ecossistemas naturais. As plantas cultivadas são particularmente susceptíveis aos ataques de afídeos por duas razões: 1) as plantas melhoradas dificilmente podem co-evoluir com os afídeos; 2) as biocenoses (conjunto dos seres vivos) dos agroecossistemas são, por natureza, muito simplificadas. Desenvolver estas duas hipóteses daria "pano para mangas".

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