segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Vacas e pastores II

A interacção entre espécies - e.g. relações "predador-presa", "polinizador-planta polinizada" ou "herbívoro-planta" - gera, frequentemente, respostas evolutivas recíprocas. Estas respostas têm uma base genética e uma expressão morfológica, fisiológica e/ou comportamental em todas as espécies envolvidas na interacção (daí a reciprocidade). Designa-se este fenómeno por co-evolução. Muito importante: a co-evolução gera diversidade de formas e funções, enquanto que a adaptação ao ambiente físico faz o contrário. O tema foi já directa ou indirectamente abordado neste blog (ver aqui e aqui).
O termo co-evolução foi cunhado por Paul Erlich, um biólogo que dedicou grande parte da sua vida académica a alertar para as consequências desastrosas do crescimento populacional, e por Peter Raven, um botânico hiperconhecido, há décadas director do Jardim Botânico do Missouri (clicar aqui), possivelmente o mais importante centro de investigação de taxonomia de plantas do mundo.

Se o meu leitor tiver paciência para ler o post anterior (clicar aqui) perceberá que o mutualismo formiga-afídeo retratado na foto foi trabalhado pela co-evolução. Admitindo que os comportamentos envolvidos na relação espécie-espécie têm uma base genética (não são transmitidos culturalmente, por aprendizagem), a foto mostra-nos que as formigas são pastores inatos (nos dois sentidos do termo), e que os afídeos "aprenderam" a gerir em seu proveito a presença das formigas. Vou especular um pouco. Em dado momento da sua história evolutiva, muitas espécies de formigas tiveram como opção evolutiva comer os afídeos; os antepassados dos afídeos, em vez de se especializarem na produção de xaropes adocicados, poderiam ter desenvolvido carapaças, velos de cera ou esguichos de compostos químicos mortais (algumas destas opções foram seguidas, por exemplo, pelas cochonilhas, Homoptera, Coccidae). Por outras palavras, a evolução transformou a interacção formigas-afídeos numa relação de cooperação, em vez de forçar uma "corrida às armas". Calhou assim.

A co-evolução entre formigas e afídeos tem imensas variantes e gradações, legíveis nas características das formigas e afídeos. O Prof. Edward O. Wilson conta-nos alguns casos extremos (ler páginas 356 e 357 deste livro). Por exemplo, algumas espécies de formigas protegem ninfas hibernantes de afídeos no interior dos ninhos durante a estação favorável, e afídeos há que se reduziram a frágeis e complacentes criaturas sem qualquer tipo de protecção física e comportamental frente aos seus potenciais predadores e parasitóides.



Um notável vídeo da BBC. N.b. o ataque das formigas a uma joaninha (Coccinella septempunctata), um voraz predador de afídeos. O Cirsium pratense (Asteraceae) - a planta colonizada por afídeos no vídeo - é muito frequente em Portugal. A meio do filme (15'') aparece de relance o capítulo de um Cirsium vulgare; o realizador não era botânico :)

As formigas são então pastores geneticamente eficientes, e os afídeos dóceis herbívoros, que em vez de leite produzem mel. Onde é que eu, e o naturalista que gosta de plantas que me está a ler, já vimos algo semelhante?
Vou adiar mais uma vez a explicação da etiqueta: História da agricultura. De qualquer modo o vídeo antecipa o último post desta série (ver aqui).

2 comentários:

  1. Mais uma terna cena pastoral!!

    ZG

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  2. Realmente, o afídeo está mesmo a ser ordenhado; só lhe falta o badalo!
    A relação afídeo-formiga, em vez de ser uma relação mutualista onde ambos ganham, poderia também ser uma relação de parasitado-parasita; e o afideo ter ficado nesta relação, não com um sócio que o defende das joaninhas, mas com um ‘tirano’ que explora os seus ‘escravos’ (isto claro numa visão antropocêntrica).

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