terça-feira, 30 de junho de 2009

Poa annua (Poaceae)

Nada de especial, uma foto de Poa annua, uma das mais frequentes e abundantes plantas de Portugal. Presente um pouco por todo o lado em prados e caminhos, sobretudo se beneficiados com alguma humidade no final do Inverno-Início da Primavera.
Os fitossociólogos dizem que a P. annua é uma característica de Polygono-Poetea annuae, uma classe de vegetação de plantas anuais fugazes (ciclo de vida muito curto), nitrófilas (de solos com um elevado teor em azoto assimilável), adaptadas a solos pisoteados e compactados.

Para além das características morfológicas das inflorescências descritas nas Floras, no campo, a P. annua distingue-se das outras gramíneas pelo verde claro característico das suas folhas, de ápice lembrando a quilha de um barco, como é próprio do género Poa.
Como tem um ciclo de vida muito curto frequentemente está já em flor quando as restantes gramíneas ainda nem sequer encanaram (produção de entre-nós compridos que conduzirão à emergência da inflorescência através da última folha). Nos relvados das nossas cidades, em pleno Verão, vêem-se pequenas manchas ("buracos") desprovidas de plantas que durante o Inverno-Início da Primavera haviam sido colonizados por P. annua.
A Poa annua distingue-se com dificuldade de outra Poa anual, a P. infirma, com a qual convive frequentemente.
[foto C. Aguiar]

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Das grosse Rasenstück (Albrecht Dürer, 1503)

Numa exposição dedicada a Albrecht [Alberto] Dürer, organizada pelo Museu do Prado em 2005, com base no acervo do Museu Albertina de Viena de Austria, tive a rara oportunidade de fruir uma das mais espantosas pinturas naturalistas de toda a história da arte: o "Das grosse Rasenstück".
Bragança é mais perto de Madrid do que de Lisboa, o que tem as suas vantagens!

Imagem extraída daqui.

A tradução (via inglês) para português deste título, corrija-me quem sabe, poderá ser: "O grande tufo de erva" ou, com um pouco mais de liberdade, porque não, "O grande pedaço de arrelvado". O termo arrelvado é muito rico; foi usado pelo Prof. Amaral Franco na sua Nova Flora de Portugal para designar, de forma genérica, comunidades herbáceas, pratenses ou não.

As plantas do "Das grosse Rasenstück" estão identificadas ao pormenor: Achillea millefolium (Asteraceae), Agrostis stolonifera (Poaceae), Bellis perennis (Asteraceae), Cynoglossum officinale (Boraginaceae), Dactylis glomerata (Poaceae), Plantago major (Plantaginaceae), Poa pratensis (Poaceae), Taraxacum officinale (Asteraceae) e Veronica chamaedrys (Plantaginaceae).
Entre estas espécies são particularmente evidentes as seguintes (todas elas indígenas de Portugal Continental):

Plantago major (Plantaginaceae)

Poa pratensis (Poaceae)

Taraxacum officinale (Asteraceae). N.b. brácteas involucrais reflexas (dobradas para trás), como é característico deste Taraxacum

A entrada da Wikipedia refere que o "Das grosse Rasenstück" retrata um grupo aleatório de plantas. Muito pelo contrário! Dürer pintou, com precisão, uma comunidade pratense de solos eutróficos que os fitossociólogos actuais não teriam dificuldade em classificar. Dürer era, certamente, um grande naturalista.
[fotos C. Aguiar]

domingo, 28 de junho de 2009

Flores de Castanea sativa «castanheiro» (Fagaceae) I

O castanheiro floresce na segunda metade Junho, início de Julho nas terras mais altas do Norte e Centro de Portugal.


Na Europa ocorrem apenas três géneros de fagáceas: Castanea, Fagus e Quercus.
Nos géneros Quercus e dos Fagus as flores masculinas e femininas estão organizadas em inflorescências distintas (vd. este post). As flores masculinas dispõem-se em amentos pêndulos e unissexuais.

O arranjo das flores em Castanea é muito distinto:


As inflorescências dos castanheiros são de um único tipo: amentos erectos. Os primeiros amentos do ano são exclusivamente masculinos (na imagem, em baixo). Os últimos amentos a serem produzidos (amentos androgínicos) possuem geralmente 1-4 grupos de 3 flores femininas, sendo as restantes flores masculinas (na imagem, em cima).
[fotos C. Aguiar]

Flores de videira

Acabam de florir as últimas videiras das terras altas do interior Norte e Centro de Portugal.
A esta altitude o vinho é de fraca qualidade, um resquício dos sistemas de agricultura secularmente construídos com o objectivo de garantir a auto-suficiência das comunidades camponesas.

Duas fotos da Vitis vinifera «videira-europeia» em flor.
A floração na videira (e em todas as espécies do género Vitis) envolve a libertação (deiscência) da corola (caliptra em Vitis) e a extrusão dos estames.

Vitis vinifera «videira-europeia» . N.b. sépalas muito reduzidas (não visíveis na foto); pétalas soldadas pela extremidade numa estrutura em forma de capuz conhecida por caliptra ou caruma (vd. caliptra em vias de se soltar da flor situada no ápice distal do cacho); 5 estames de filete longo; ovário súpero, i.e. restantes peças da flor inseridas por debaixo do ovário

Vitis vinifera «videira-europeia» . N.b. pétalas caducas na floração tombando em conjunto (vd. caliptras dispersa na folha situada imediatamente abaixo do cacho)

quinta-feira, 25 de junho de 2009

A flor das angiospérmicas III

A interpretação da flor ancestral mudou significativamente a partir do início da década de 90 do séc. XX (vd. este post). Sucederam-se em catadupa as publicações. Num artigo ainda quentinho, publicado este ano no American Journal of Botany, Peter Endress e James Doyle fazem um ponto da situação e (re)discutem em profundidade a questão (em evolução das plantas, como em muitas outras áreas científicas, é suficiente memorizar uma dúzia nomes e para saber as novidades basta visitar ciclicamente as suas páginas pessoais).

As angiospérmicas basais (e.g. Amborella trichopoda e nenúfares [Nymphaeaceae]) e o registo fóssil, tratados com as ferramentas conceptuais e estatísticas apropriadas, indiciam que a flor primitiva entre outros caracteres possuía: mais de dois nós (= verticilos) de tépalas e de estames; carpelos ascidiados, livres e fechados por secreções (sem um tecido a conectar as margens do carpelo). Não é claro se esta flor era unissexual ou hermafrodita, se a filotaxia das peças florais era verticilada ou alterna em espiral ou, ainda, se as tépalas eram diferenciadas em sépalas e pétalas. As flores dos grupos basais (“mais primitivos”) actuais ao que parece resultam da simplificação de flores mais complexas quando há pouco tempo se admitia serem primitivamente simples.

Nuphar lutea «golfão-amarelo» (Nymphaeaceae), uma angiospérmica basal

Os mais sérios candidatos a polinizadores das primeiras angiospérmicas são agora as moscas (ordem Diptera).

Lucilia caesar, uma belíssima espécie da ordem díptera (certamente já falecida :-) porque os insectos geralmente "vivem depressa e morrem cedo", ao contrário da maioria das plantas)

Os filogenistas de plantas bem se esforçam por encontrar trilhos seguros e consistentes para explorar o passado das plantas com semente (inc. plantas com flor). Infelizmente continuam a escassear respostas definitivas; cada novo paper sobre o tema parece adicionar mais entropia ao tema do que soluções. É bem provável que, um destes dias, a interpretação da flor primitiva se altere radicalmente com a descoberta de mais um estranho fóssil numa remota montanha da China ou nos depósitos argilosos do mesozóico em Portugal, ou com a (re)interpretação evolutiva de uma pequena planta esquecida pelos botânicos num dos recantos deste mundo.
[fotos C. Aguiar]

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Rubus brigantinus (Rosaceae)

Outro Rubus endémico descrito por Gonçalo Sampaio: o Rubus brigantinus.
A localidade clássica desta espécie situa-se na aldeia de Montesinho (Concelho de Bragança), daí o restritivo específico.
Caracteres diagnóstico da espécie: plantas de cor vinosa; folhas frequentemente debruadas a cor de vinho; acúleos turionais heterogéneos (de diferente tamanho) com uma base algo engrossada; presença de glândulas pediculadas nos turiões; turiões de indumento variável, por vezes glabrescentes, sem placas de pruina.



Rubus brigantinus (Rosaceae) [fotos C. Aguiar]

domingo, 21 de junho de 2009

João Manuel António Paes do Amaral Franco

João Manuel António Paes do Amaral Franco o patriarca da botânica portuguesa, autor da sua última flora, faleceu em Lisboa no dia 8 de Maio de 2009, aos 87 anos de idade.
Nasceu a 25 de Junho de 1921 em Santos-o-Velho, Lisboa tendo representado ao longo da sua vida como botânico uma linha de mais de um século de insignes botânicos do Instituto Superior de Agronomia e da Botânica portuguesa.
Foi professor de Botânica de várias gerações de engenheiros agrónomos e silvicultores tendo sido responsável pelas disciplinas de botânica no Instituto Superior de Agronomia de 1950 até à sua jubilação em 1991. Foi ainda membro de uma grande parte dos júris de doutoramento, e outros, dos botânicos portugueses seniores da actualidade.
O seu curriculum inclui mais de 150 publicações sendo o exemplo do trabalho profícuo de um taxónomo e sistemata. Realizou centenas de descrições, redescrições, aperfeiçoamentos em descrições anteriores, alteração de corologias, traduzindo nos herbários que estudou, particularmente em LISI, a mais significativa das mais valias.
O Professor João Amaral Franco iniciou a sua actividade científica ainda como aluno e prolongou-a pelos últimos 67 anos.
O primeiro período (1940 a 1950) da sua vida científica corresponde à precoce introdução à taxonomia vegetal sobretudo através de estudos de dendrologia de coníferas. Durante este período inicia a sua longa carreira académica como docente ao ser contratado como segundo assistente no Instituto Superior de Agronomia.
Depois de 1950, e até 1960, já como Professor agregado, continua a publicação de diversas notas sobre coníferas datando deste período um consistente alargamento do horizonte taxonómico dos seus interesses e publicações a que não serão alheios os períodos passados em Kew e no Museu de História Natural de Londres. Nesta década publica diversas notas sobre a flora de Portugal algumas de índole biogeográfica, a par da principal linha de investigação em taxonomia vegetal.
A década de 60 fica marcada pela sua colaboração com o projecto Flora Europaea e pelas notas publicadas em colaboração com o A. R. Pinto da Silva bem como com a M. L. Rocha Afonso. Ainda na década de 60 foi nomeado professor extraordinário do 1º grupo de disciplinas do Instituto Superior de Agronomia.
A partir de 1971 João Amaral Franco iniciou (por sugestão do Prof. V. Heywood e do Prof. T.G. Tutin) a publicação da Nova Flora de Portugal, da qual publica o primeiro volume. Ainda na década de 70 inicia a colaboração com a iniciativa Atlas Florae Europaeae e colabora no terceiro e quarto volume da Flora Europaea. Datam deste período as suas principais contribuições na fitogeografia e corologia da flora de Portugal, mantendo assinalável produção científica taxonómica patente nas Notulae Systematicae
Na década de 80 vê o seu curriculum científico e académico reconhecido tendo sido nomeado professor Catedrático do 1º grupo de disciplinas do Instituto Superior de Agronomia. Neste período alarga os seus estudos sobre monocotiledóneas sobretudo gramíneas grupo sobre o qual publica diversos artigos e notas. Publica o segundo volume da Nova Flora de Portugal e a Distribuição de Pteridófitos e Gimnospérmicas em Portugal. Mantém a colaboração como o Atlas Florae Europaeae datando deste período a sua colaboração com a Med-Checklist projecto de que foi Conselheiro Nacional, e no projecto Flora Ibérica do qual é editado o primeiro volume.
Após a sua jubilação 1991, continua a colaborar activamente no herbário e Departamento de Protecção de Plantas e de Fitoecologia do Instituto Superior de Agronomia, bem como nos projectos Flora Ibérica e Atlas Florae Europaeae. Em 1994 publica, em colaboração com M.L. Rocha Afonso o primeiro fascículo do terceiro volume da Nova Flora de Portugal, bem como diversos artigos e notas resultado da preparação do segundo fascículo dedicado às gramíneas.
Nos primeiros anos do novo milénio vê a luz do dia o terceiro (e último) fascículo do terceiro volume Nova Flora de Portugal. Nestes anos João Amaral Franco continuou a manter intensa actividade de revisão de material herborizado no herbário LISI, tendo revisto para nova edição o primeiro Volume da Nova Flora de Portugal.
Foi autor de cerca de 160 novos taxa ou combinações tendo-lhe sido recentemente dedicadas as espécies Teucrium francoi e Festuca francoi.
O seu exemplo e a sua obra na produção de revisões e monografias, na publicação de novidades florísticas ou taxonómicas, reflecte o trabalho de uma vida na taxonomia, a sua Flora foi, e é, uma ferramenta de excelência, primando pelo rigor da linguagem pelas extensas descrições. A Botânica portuguesa deve-lhe muito pois a sua obra exemplar possuio sempre um rumo coerente, contínuo e pertinaz, características exemplares de um curriculum que contribui para o progresso da ciência e da taxonomia vegetal em particular.
Recordo o Professor João Amaral Franco no antigo herbário LISI debruçado sobre algum espécimen enquanto centenas de outros esperavam o momento de serem escrutinados, que esta imagem de labor contínuo e o resultante curriculum nos sirvam de exemplo.

A sua obra perdurará.


Miguel Pinto da Silva Menezes de Sequeira, Funchal, 12 de Maio de 2009.

sábado, 20 de junho de 2009

Odores de fim de Primavera

Nestes dias de final de Primavera pairam pela Terra Fria Transmontana dois odores característicos inconfundíveis:

da flor do castanheiro ...
Souto de castanheiros (Castanea sativa, Fagaceae) no Concelho de Macedo de Cavaleiros

... e do feno segado a secar ao sol.

Lameiro (prado perene semi-natural) parcialmente fenado no Parque Natural de Montesinho

À noitinha, quando os sentidos estão mais despertos, no subir e descer das estradas regionais, sente-se a doce fragrância do feno no fundo do vale ou à entrada da aldeia e, na meia encosta ou no planalto, o cheiro desagradável e enjoativo do castanheiro.


Os lameiros têm muitas espécies de plantas, por vezes mais de 30. Certamente, umas têm cheiro, outras não e outras ainda assim-assim. Para descobrir a causa daquele pequeno prazer de Primavera que nos compele a sair de casa ao pôr do sol é necessário herborizar as plantas de lameiro, uma a uma (tendo o cuidado de pisar pouca erva porque, nesta altura do ciclo fenológico das plantas de lameiro, a erva tombada reduz o rendimento em feno).
O "culpado" é este:

Anthoxanthum odoratum «feno-de-cheiro» (Poaceae)

... uma gramínea!
[fotos C. Aguiar]

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Rubus vagabundus (Rosaceae)

Para identificar Rubus é essencial entender a sua fenologia. No início da Primavera estas plantas emitem a partir da base caules longos, flexíveis, não ramificados, arqueados, estéreis (sem flores) e, geralmente, de curta duração (3-4 anos), designados por turiões. Na Primavera seguinte alguns meristemas axilares dos turiões são activados e produzem ramos férteis (com flores), erectos, determinados (culminam numa inflorescência) e relativamente curtos. Os meristemas activados, como acontece na videira, situam-se nos nós mais distantes do solo. Como os turiões desenham um arco alargado, os caules férteis geralmente inserem-se nos nós da face oposta ao solo do segmento de turião que marca a inflexão deste em direcção ao solo.
Os Rubus, portanto, produzem flores (e frutos) em ramos com dois anos. Por essa razão nas plantações de framboesas (Rubus idaeus) os turiões com dois anos (que produziram ramos férteis com flores e frutos) são eliminados (por poda) durante o repouso vegetativo.

O Rubus vagabundus é outra espécie de «silva» relativamente fácil de identificar (vd. este post). Caracteriza- se por possuir turiões pejados de pequenos acúleos muito aguçados e homogéneos, mesclados com glândulas pediculadas (com um pé mais ou menos longo e rígido) amarelas e vermelhas e pêlos geralmente simples. Tem preferência por orlas de bosque mas entra, com alguma facilidade, em margens de caminhos em territórios de baixa hemerobia (influência humana). Importante: endemismo do Norte da Península Ibérica descrito por Gonçalo Sampaio em 1904.


Rubus vagabundus (Rosaceae) [Bragança, Serra de Nogueira; foto C. Aguiar]

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Rubus lainzii (Rosaceae)

O número de caracteres com interesse taxonómico em Rubus «silvas» é elevado, muitos deles são quantitativos (e.g. número de pêlos por cm de caule e densidade de acúleos), e, no campo, parecem variar de forma quase aleatória. Por outras palavras, as correlações de caracteres em Rubus são muito instáveis sendo difícil encontrar tipos morfológicos (espacialmente e temporalmente) consistentes. A nomenclatura lineana é pouco apropriada para estes casos. Não admira, por isso, que os Rubus sejam um dos "terrores" da florística e da taxonomia botânica; Rubus crux botanicorum [os Rubus são a cruz dos botânicos].

A causa maior das dificuldades da taxonomia de Rubus reside no seu sistema de reprodução. Em condições naturais são frequentes, neste género, a multiplicação vegetativa (e.g. por mergulhia) e a reprodução vegetativa por sementes apomíticas, cujo embrião se forma a partir de uma oosfera não fecundada alojada num saco embrionário não reduzido (2n cromossomas). Quer isto dizer que a maior parte das sementes disseminadas no interior das amoras das silvas contém a mesma informação genética das plantas maternais.
Pontualmente, formam-se sementes sexuais que dão, geralmente, origem a indivíduos de morfologia muito distinta dos indivíduos parentais. A explicação para este fenómeno é complexa. Em primeiro lugar os Rubus hibridam facilmente entre si (barreiras interespecíficas fracas). Depois, os Rubus são geralmente alogâmicos e muito heterozigóticos (como as pereiras ou as macieiras, por isso uma semente de macieira 'Golden' pode originar plantas com frutos vermelhos). Finalmente, os Rubus são morfologicamente muito plásticos; por exemplo a exposição à luz e a disponibilidade de água do solo alteram significativamente a sua forma (e.g. as plantas expostas ao sol são mais avermelhadas e de folíolos mas espessos e enrugados).
Consequentemente, quem quiser colectar Rubus deve fazer saídas de campo apenas com esse objecto e deve estar preparado para não consegui identificar mais de 50 % dos exemplares herborizados!!!

Os Rubus são difíceis, é certo. Ainda assim é possível identificar tipos morfológicos consistentes que carregam em si imensa informação ecológica (o assunto fica adiado para outro post)!
Aqui vai um dos Rubus mais fáceis de identificar: o Rubus lainzii, um endemismo do NW peninsular, em Portugal apenas conhecido de Trás-os-Montes. Para o observar há que visitar os imensos bosques de Q. pyrenaica de umas das mais fabulosas serras de Portugal: a Serra de Nogueira.



Rubus lainzii (Rosaceae) [foto C. Aguiar]. Espécie de orla de bosque ou de margens de caminhos em ambiente florestal, caracterizada pela presença de folíolos inferiores sésseis e imbricados e pétalas brancas, orbiculares e enrugadas. N.b. estames infinitos, livres, e gineceu apocárpico (de carpelos livres)

domingo, 14 de junho de 2009

Astragalus pelecinus subsp. pellecinus (Fabaceae)

Num post anterior fiz uma referência a uma planta do género Astragalus (ver aqui).
Trago hoje o A. pelecinus subsp. pelecinus (= Biserrula pelecinus subsp. pelecinus), uma planta anual comum em pastagens permanentes mediterrânicas submetidas a cargas animais elevada, instaladas em solos pobres em bases (sobretudo cálcio), geralmente ácidos e compactados pelo pastoreio. Na terminologia fitossociológica diz-se que é uma planta característica de Poetea bulbosae.
O A. pelecinus subsp. pelecinus distingue-se facilmente no campo, sobretudo se estiver em fruto. Em primeiro lugar tem folhas compostas parifolioladas (com um número par de folíolos) e folíolos com um entalhe triangular na extremidade muito característico.


Depois os frutos são inconfundíveis:


As modernas misturas de sementes de pastagens de sequeiro para altitudes não muito elevadas regra geral incluem esta espécie. Depois de instaladas as pastagens o A. pelecinus subsp. pelecinus embora seja muito persistente geralmente não atinge abundâncias elevadas.
[fotos C. Aguiar]

sábado, 13 de junho de 2009

Alliaria petiolata (Brassicaceae)

A Alliaria petiolata é muito frequente em orlas de bosques caducifólios e em margens sombrias de caminhos no centro e norte de Portugal continental.
Tem uma uma característica inconfundível vertida no nome genérico: liberta um intenso odor a alho quando esmagada.

Alliaria petiolata (Brassicaceae)

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Silene marizii (Caryophyllaceae)

A Silene marizii é um quase-endemismo português (a maior parte das populações mundiais residem em Portugal) morfologicamente muito próximo da S. latifolia (vd. este post). Ambas as espécies são dióicas (pertencem à secção Elisanthe) e possuem uma estrutura floral muito semelhante. A A. marizii geralmente tem um hábito prostrado (cresce rente ao substrato). Por outro lado, as plantas de A. marizii são glandulosas ao tacto e têm os frutos mais pequenos do que os de S. latifolia.


Silene marizii [fotos C. Aguiar]

A S. latifolia tem por habitat primário orlas sombrias de bosques. A S. marizii é um comófito esciófilo, i.e. habita fendas ou plataformas terrosas de afloramento rochosos ou paredes graníticas arenizadas (granitos com feldspatos parcialmente transformados em caulinite pela acção da água), evitando uma exposição directa ao sol.

A S. marizii é frequente em afloramentos graníticos no NW de Portugal continental. Penetra em Trás-os-Montes pelo vale do Douro pelo menos até à foz do Rio Tua. 

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Silene latifolia (Caryophyllaceae)

A vegetação de margens de caminhos, i.e. as comunidades de plantas que habitam uma estreita faixa contígua à área pisoteada dos caminhos, é muito diversa. Os factores que têm maior influência na sua estrutura florística são a exposição à luz e a disponibilidade de água (na Primavera e princípios do Verão), a compactação do solo e a concentração em azoto assimilável no solo.

Nos caminhos mais sombrios, mas também nas orlas dos bosques, é muito frequente, um pouco por todo o país, a Silene latifolia (Caryophyllaceae).


Como é característico das espécies da secção Elisanthe do género Silene, a S. latifolia é uma planta dióica, i.e. as suas flores são unissexuais, co-existindo plantas masculinas e plantas femininas numa mesma populações. Enfim, como acontece com a nossa espécie, Homo sapiens.

Flor masculina de S. latifolia (extirpado 1/2 do cálice e retiradas 2 das pétalas para facilitar a observação do androceu). N.b. só tem estames.

Flor feminina de S. latifolia (extirpado 1/2 do cálice e retiradas 3 das pétalas para facilitar a observação do gineceu)N.b. estames ausentes e ovário súpero com 5 estigmas (um deles pouco visível na fotografia).

As flores das S. latifolia do NW são um pouco mais pequenas do que as flores das populações mediterrânicas da espécie. Está publicado um nome para elas: S. latifolia subsp. alba. Quem as quiser ver basta fazer a autoestrada Porto-Braga ou a Circunvalação e a Via-Norte na cidade do Porto e olhar para os separadores ou para os taludes que as marginam.

sábado, 6 de junho de 2009

Alyssum serpillifolium subsp. lusitanicum (Brassicaceae) II

O A. serpillifolium subsp. lusitanicum tem uma característica fisiológica muito curiosa: hiperacumula níquel (Ni). Este metal pesado pode ultrapassar a concentração de 35 g Ni/kg matéria seca, i.e. representar mais de 3,5 % do peso seco desta planta.

Qualquer planta suporta uma comunidade de herbívoros que vivem à sua custa. Está provado que o Ni entra nas cadeias tróficas através dos herbívoros que consomem Alyssum. Bem perto de minha casa, no termo de Samil, os gafanhotos que pastam Alyssum revelaram teores elevados de Ni: estão naturalmente contaminados com metais pesados!


Existem várias explicações para a hiperacumulação de Ni (e de outros metais pesados) nos tecidos das plantas, todas elas partindo do princípio que acumulação de grandes quantidades de Ni é adaptativa, i.e. que aumenta o sucesso reprodutivo dos seus portadores. As hipóteses mais plausíveis são: 1) a defesa contra herbívoros e microorganismos patogénicos (hipótese da defesa); 2) enriquecimento superficial do solo em Ni de modo a conter potenciais plantas competidoras (hipótese da alelopatia).
A hiperacumulação de Ni (por convenção plantas com mais de 1 g Ni/kg peso seco) está comprovada em mais de 320 espécies de plantas vasculares, a maioria delas pertencentes às famílias Euphorbiaceae, Flacourtiaceae (família hoje em dia incluida nas Salicaceae), Sapotaceae, Violaceae, Buxaceae e Brassicaceae.
Na Europa as plantas hiperacumuladoras de Ni são todas Brassicáceas, pertencentes a dois géneros: Alyssum e Thlaspi. Estão descritos perto de 50 microendemismos no género Alyssum que hiperacumulam Ni, dois deles na Península Ibérica: o A. serpillifolium subsp. lusitanicum, no NE de Portugal e Galiza, e o A. malacitanum, no SE da Andaluzia.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Alyssum serpyllifolium subsp. lusitanicum (Brassicaceae) I

A. serpillifolium subsp. lusitanicum (= A. pintodasilvae) é uma pequeno arbusto da família da couve (Brassicaceae), supostamente endémico das rochas ultrabásicas do NE de Portugal (Maciços de Morais e de Bragança-Vinhais) e da Galiza (Melides). Encontra-se, neste momento, em plena floração cobrindo de um manto amarelo os serpentinitos transmontanos.


Comunidade de A. serpillifolium subsp. lusitanicum (Samil, Bragança) [foto C. Aguiar]

Esta espécie coloniza solos recentemente abandonados pela agricultura cerealífera e margens de caminhos. Embora menos abundante é frequente em estevais de Cistus ladanifer e Genista hystrix e em comunidades herbáceas vivazes.
A regeneração do Alyssum depende da perturbação do solo. A mobilização mecânica do solo, a movimentação dos animais domésticos, as fossadas dos javalis ou os ciclos de congelamento-descongelamento da superfície do solo nos dias frios de Inverno facilitam a instalação desta espécie. A sua abundância está, em grande medida, relacionada  com o historial recente de uso agrícola do solo.
A correlação entre a presença desta espécie e os afloramentos de rochas ultrabásicas é absoluta. Uma boa ajuda para os especialistas em cartografia geológica e para os prospectores de minerações de níquel, crómio e platina.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Os sabugueiros (Adoxaceae)

O sabugueiro (Sambucus nigra) é um arbusto alto de ramos flexíveis e folhas compostas, frequente no interior de Portugal continental em quintais abandonados, caminhos sombrios, orlas de bosques ripícolas e sebes.

Sambucus nigra nas margens do rio Fervença (Bragança)

É tão agradável nestes dias quentes de final de Primavera sentir, pelo fresco da manhã, o odor a erva-doce libertado pelas flores deste arbusto!

Flores e folhas de Sambucus nigra. N.b. flores brancas, pequenas, organizadas em grandes inflorescências +/- planas; folhas compostas com um número ímpar de folíolos (folhas penaticompostas imparifolioladas)

Está na moda consumir frutos maduros - bagas de cor negra - de sabugueiro, parece que são ricos em anti-oxidantes. A exportação de baga de sabugueiro para a Alemanha é uma importante actividade económica em muitos dos concelhos do Douro Sul; e.g. Armamar, Tarouca, Moimenta da Beira, Lamego e Tabuaço.

Em Portugal continental ocorre uma segunda espécie do género Sambucus: o S. ebulus. Trata-se de uma erva-alta, pontual em Trás-os-Montes e no Alto-Alentejo em margens de caminhos, muros e nas orlas de prados ou de bosques húmidos com solos fundos, húmidos, ricos em azoto mineral e em argila.

Sambucus ebulus

O S. lanceolata é um endemismo madeirense morfologicamente semelhante ao S. nigra (distingue-se por ter folhas glabras e frutos amarelados). Com algum esforço pode ser observado nas linhas de água que sulcam a laurissilva do til (Ocotea foetens, Lauraceae) (laurissilva das nuvens).

Sambucus lanceolata 

As Floras clássicas colocam os Sambucus nas Caprifoliaceae, à semelhança dos géneros Lonicera (madressilvas), Viburnum e Leycesteria. Os autores do Sistema APG II transferiram recentemente o género Sambucus, assim como o género Viburnum, para a família Adoxaceae (vd. aqui).
[fotos C. Aguiar]

terça-feira, 2 de junho de 2009

Vinhas do Sabor

O "Voyage en Portugal ..." (vd. este post) faz uma referência curiosa à videira-europeia (Vitis vinifera). O Conde de Hoffmansegg ao percorrer o termo de Brunhoso (concelho de Mogadouro) constatou que “caminhos difíceis atravessam uma espessa floresta onde cresce a vinha selvagem que sobe pelas árvores”. Esta passagem refere-se, claramente, a bosques não ripícolas.
Em 1867 as vinhas durienses foram invadidas por uma praga temível: a filoxera (Daktulosphaira vitifoliae, Homoptera). Pouco anos mais tarde, logo no início da década de 7o do mesmo século, a filoxera devastou por completo as vinhas durienses: a videira-europeia demonstra uma susceptibilidade absoluta a este insecto. A depressão económica subsequente só foi ultrapassada quando as videiras-europeias começaram a ser enxertadas em Vitis de origem norte-americana.
As videiras-europeias observadas pelo conde Hoffmansegg nos sobreirais, ou nos azinhais, sobranceiros ao rio Sabor não sobreviveram à filoxera. Hoje em dia as videiras-europeias ferais que persistem na região estão acantonadas às margens de curso de água permanentes, por exemplo, ao rio Sabor.  Nestes habitats as raízes desta liana são ciclicamente submersas pela água obviando, deste modo, os ataques de filoxera. 
A memória da tragédia da filoxera está a perder-se. Muita gente, porque é mais fácil,  porque está na moda, voltou a plantar estacas de videira-europeia ... e a filoxera está de volta ao Douro.

Vitis vinifera «videira-europeia» [foto C. Aguiar]