O planeta Terra pode ser compreendido como um organismo vivo que, por uma qualquer razão inexplicável, foi sempre capaz de repor equilíbrios ameaçados em favor do biota (a totalidade dos seres vivos). Por poucas palavras, esta é a ideia fundamental da teoria de Gaia de James Lovelock, pelo menos na sua formulação original. Se a Terra, no seu todo, é um organismo, a capacidade de se manter em equilíbrio em torno de condições ambientais óptimas para a vida (homeostasia) teria que resultar de um processo interactivo de tentativa e erro, submetido a selecção. A selecção natural actua ao nível do gene e do indivíduo, como poderia, saltando os níveis de complexidade do ecossistema e do bioma, estender-se à escala do planeta? A noção teleológica do funcionamento do sistema Terra que assiste a teoria de Gaia não é aceitável em ciência. A teoria de Gaia é uma metáfora.
A Terra tem, ainda, vida porque assim foi; calhou. O facto de a vida ser na Terra, e de uma espécie terráquea, a nossa, deter a capacidade de a conceptualizar e explorar, tolda-nos a razão, fazendo-nos crer que a existência é, por si só, um argumento suficiente da necessidade de ser. A vida pode até ter povoado os planetas Marte e Vénus, mas ambos foram "incapazes" de a manter. Retroacções positivas poderão ter causado a evaporação para o espaço dos oceanos de Marte, e a subida da temperatura da atmosfera de Vénus, a valores incompatíveis com a vida. Sem água líquida e temperaturas compatíveis com a química do carbono dificilmente poderá ocorrer vida. A leis físicas que explicam a retenção da vida na Terra, são as mesmas que explicam a sua não presença, ou extinção, em Vénus e Marte. Se há vida na Terra, então a vida poderá acontecer noutro local do universo. A regras que explicam a vida estão na Terra e fora dela, o que, no meu entender, torna um pouco interessante, quase irrelevante, a busca de vida extraterrestre.
James Lovelock, dizem tanto os seus seguidores como os seus detractores, teve um papel fundamental na compreensão das relações atmosfera-litologia-vida à escala geológica. A vida, desde a sua emergência há mais de 3,7 mil milhões de anos, interage com a atmosfera e com as rochas; a atmosfera e os substratos rochosos, por sua vez, interferiram na evolução da vida. As bactérias fotossintéticas e as plantas verdes foram determinantes na composição química da atmosfera, na meteorização das rochas e na formação de depósitos geológicos; os animais tiveram um papel por regra passivo, limitaram-se a obedecer às plantas, adaptando-se.
Gosto desta designação: "Grande Oxidação". Refere-se a um evento ocorrido há 2,4 mil milhões de anos, no início do Proterozóico (éon que decorre 2,5 mil milhões - 542 milhões de anos). No Hadeano e no Arqueano, éons anteriores ao Proterozóico, a atmosfera manteve-se fortemente redutora (diz Lovelock que este facto é essencial para explicar a emergência da vida). A maquinaria fotossintética das bactérias azul-esverdeadas produz um temível subproduto: o oxigénio. A paulatina acumulação deste gás na atmosfera - supõe-se, sem evidência directa, que pela acção das bactérias azul-esverdeadas (os mecanismos envolvidos na grande oxidação não são consensuais, alguns
autores defendem que a explicação encontra-se na tectónica de placas,
outros na produção bacteriana de metano) - redundou numa mudança catastrófica da química da atmosfera. Um dos efeitos mais dramáticos da acumulação atmosférica de oxigénio foi a precipitação do ferro suspenso nos mares arqueanos em extensos depósitos de ferro de grande valor económico. O oxigénio tem uma importante propriedade química: o oxigénio é um fortíssimo oxidante, aliás poucas substâncias são mais oxidantes do que o oxigénio. O oxigénio de rédea solta, sem controlo bioquímico, pode destruir as estruturas celulares, oxidando-as. Se dominado pela respiração, o mecanismo inverso da fotossíntese, permite extrair mais energia da matéria orgânica do que a fermentação. Com mais energia os animais podem ser maiores (as despesas energéticas são proporcionais à dimensão), e as plantas também. A Grande Oxidação abriu o caminho à explosão da vida animal nos mares câmbricos e, um pouco mais tarde, no Devónico, à conquista da Terra emersa, primeiro pelas plantas e logo a seguir pelos animais.
Perdi-me na escrita. Inicialmente queria discutir a forma como as gramíneas controlaram a composição do fitoplâncton marítimo e a evolução dos mamíferos herbívoros no Cenozóico. As gramíneas são apenas um dos muitos actores da vida na Terra que influenciaram e se deixaram influenciar pelas suas extraordinárias capacidades, pelo seu extraordinário sucesso evolutivo. Sem um contexto um pouco mais lato, recuando até à Grande Oxidação, poderia parecer que as gramíneas foram únicas a manipular os macro-caminhos da evolução. Sem compromissos de datas, essa história fica para depois.